sábado, 21 de julho de 2012

“JESUS VIU UMA NUMEROSA MULTIDÃO E TEVE COMPAIXÃO, PORQUE ERAM COMO OVELHAS SEM PASTOR.” (Mc 6,34).


XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Leituras: Jr 23,1-6; Sl 22; Ef 2,13-18; Mc 6,30-34.

“JESUS VIU UMA NUMEROSA MULTIDÃO E TEVE COMPAIXÃO, PORQUE ERAM COMO OVELHAS SEM PASTOR.” Mc 6,34.

Diácono Milton Restivo

Conforme constatamos no primeiro livro das Sagradas Escrituras, a profissão de pastor de ovelhas é a mais antiga do mundo, assim como a de agricultor: "Abel tornou-se pastor de ovelhas e Caim cultivava o solo. Passado o tempo, Caim apresentou produtos do solo em oferenda a Iahweh. Abel, por sua vez, também ofereceu as primícias e a gordura do seu rebanho." (Gn 4,2-4).
O povo judeu teve a sua origem no pastoreio, considerando que os doze filhos de Jacó, depois Israel, que deram origem às doze tribos israelitas, eram pastores, conforme vemos em Gênesis 37.
A função do pastor era procurar pastagens e água para o rebanho, o que nem sempre era fácil devido a região árida em que habitava, o que exigia muita paciência e, principalmente, coragem para defender o rebanho contra as feras e ladrões. Para tal fim, muniam-se de cajado que usavam como armas. Ovelhas são animais mansos, naturalmente desprovidos de atributos de defesa, sem garras ou chifres, sem presas mortíferas, incapazes de se defender. 

O pastor traz na mão o cajado, arma para a defesa do seu rebanho. E quando tudo estava tranquilo, as ovelhas pastando, as feras e ladrões mantidos à distância pelo pastor, ele podia se dedicar a contá-las tranquilamente para ver se não faltava nenhuma, se alguma havia se extraviado e se não havia nenhuma ovelha ferida ou, se houvesse, dedicar-se a medicá-la. 
A dedicação do pastor ao seu rebanho fez com que os profetas e o próprio Jesus identificassem a figura do pastor com o amor de Deus aos seus escolhidos, tornando-se o pastor a imagem clássica da providência divina. No Antigo Testamento Iahweh, para demonstrar o seu amor e a sua dedicação para com o povo, se dizia dono do rebanho que indicava pastores, como os reis e sacerdotes para cuidar do seu rebanho. 
O Salmo 22, que recitamos ou cantamos nesta liturgia, que é um dos Salmos mais recitados e cantados na nossa Igreja, narra bem os cuidados do pastor e a confiança da ovelha em relação a quem a cuida, entregando-se totalmente sob sua providência: “O Senhor é meu pastor. Nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes tranquilas me conduz, e restaura minhas forças. Ele me guia por bons caminhos, por causa do seu nome. Embora eu caminhe por um vale tenebroso nenhum mal temerei, pois junto a mim estás; teu bastão e teu cajado me deixam tranquilos”. (Sl 22,1-4).
Este Salmo, que é atribuído ao rei Davi, é um dos mais belos, mais conhecidos, mais cantados e mais recitados salmos em todo o mundo cristão. O Salmo desta liturgia transmite o cuidado e o amor que Yahweh tem para com o seu povo e o salmista, manifestando os anseios de toda a humanidade, chama a Yahweh de seu pastor, considerando que pastor é Rei, colocando nele toda a sua confiança e segurança: “Yahweh é meu pastor. Nada me falta. [...] Ele me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3).
Conforme a tradição judaica, David teria escrito este Salmo quando estava cercado por tropas inimigas num oásis, à noite; daí o Salmo inserir tamanha confiança na Providência Divina contra os inimigos. Claro que há outras interpretações que defendem que esse Salmo tenha sido feito de outra maneira e em outro lugar e em outra ocasião mas, particularmente, prefiro ficar com a tradição judaica. O rei Davi deleita-se ao entregar-se aos cuidados de Yahweh, a quem chama de Pastor: Yahweh é o meu pastor. Nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes tranquilas me conduz, e restaura minhas forças”. (Sl 23 (22),1-2).
O pastor passava o dia todo com as suas ovelhas e estabelecia com elas uma profunda identidade. No Salmo 80 (79) o salmista, em suas súplicas, também chama Yahweh de pastor: “Pastor de Israel, dá ouvidos, tu que diriges a José como a um rebanho...”. (Sl 80 (79),1).
A confiança da ovelha ao pastor era extrema: não precisava preocupar-se com o alimento, com a água, com a restauração de suas forças e pelos caminhos que deveria trilhar: “Em verdes pastagens me faz repousar. Para as águas tranquilas me conduz e restaura as minhas forças; ele me guia por caminhos justos, por causa do seu nome”.
A ovelha, na presença do pastor, goza de proteção e saúde. Tem alimento, e descanso. Repousa tranquila, e é levada às águas calmas. Quando é ferida, é curada; quando o lobo vem, é protegida; sente e recebe o carinho do pastor porque, quando cansada, é levada nos ombros pelo pastor. Para a ovelha, o amanhã é um dia que não existe, e o ontem já deixou de ser preocupação, como deveria ser para cada um que coloca seus cuidados nas mãos do Bom Pastor.
No Antigo Testamento Iahweh não se intitula pastor, mas como o dono do rebanho, e assim os escritores sagrados o coloca nessa situação quando quer transmitir ao povo o amor e cuidado que tem com a nação escolhida, atribuindo essa função de pastores aos governantes, líderes tanto religiosos quanto políticos, como fez com Moisés e Aarão, designados pastores do povo por Iahweh: "Guiaste teu povo como um rebanho, pela mão de Moisés e Aarão." (Sl 77 (76), 21).
Iahweh coloca na boca do profeta Ezequiel uma chamada de atenção aos pastores negligentes, omissos e que querem tirar proveito do seu rebanho, das ovelhas que pertencem a Iahweh: “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos. Não é do rebanho que os pastores devem cuidar? Vocês bebem o leite, vestem a lã, matam as ovelhas gordas, mas não cuidam do rebanho. Vocês não procuram fortalecer as ovelhas fracas, não dão remédio para as que estão doentes, não curam as que se machucam, não trazem de volta as que se desgarraram e não procuram aquelas que se extraviaram. Pelo contrário, vocês dominam com violência e opressão. Por falta de pastor as minhas ovelhas se espalharam e se tornaram pasto de feras selvagens. Minhas ovelhas se espalharam e vagaram sem rumo pelos montes e morros. Minhas ovelhas se espalharam por toda a terra, e ninguém as procura para cuidar delas. Por isso, vocês, pastores, ouçam a palavra de Iahweh: Juro por minha vida – oráculo do Senhor Iahweh -. Minhas ovelhas tornaram-se presa fácil e servem de pasto para as feras selvagens. Elas não têm pastor, porque os meus pastores não se preocupam com o meu rebanho; ficam cuidando de si mesmos, em vez de cuidarem do meu rebanho. Por isso, pastores, ouçam a palavra de Iahweh! Assim diz o Senhor Iahweh: vou me colocar contra os pastores. Vou pedir contas a eles sobre o meu rebanho, e não deixarei mais que eles cuidem do meu rebanho. Deste modo, os pastores não ficarão mais cuidando de si mesmos. Eu arrancarei as minhas ovelhas da boca deles, e elas não servirão mais de pasto para eles. Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas. Como o pastor conta o seu rebanho, quando está no meio de suas ovelhas que se haviam dispersado, eu também contarei as minhas ovelhas, e as reunirei de todos os lugares por onde se haviam dispersado, nos dias nebulosos e escuros. [...] Eu mesmo conduzirei as minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar. Procurarei aquelas que se perder, trarei de volta aquelas que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca”. (Ez 34,2-12.15-16).
Na primeira leitura da liturgia deste domingo o profeta Jeremias insiste no mesmo problema que o profeta Ezequiel explanou acima: o desinteresse dos pastores para as ovelhas do rebanho de Iahweh: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem. [...] Vocês dispersaram o meu rebanho e o afugentou e não cuidou dele”. (Jr 23, 1.2).
Iahweh, por meio do profeta Jeremias, mostra-se descontente com os cuidados que são dispensados para o seu rebanho pelos pastores que dele deveriam cuidar, como o rei, os sacerdotes e todas as autoridades civis, religiosas e militares do povo, e promete enviar um pastor responsável “que vai dar a sua vida pelas ovelhas” (cf Jo 10,15). Assim diz Iahweh por meio de Jeremias: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio; fará valer a justiça e a retidão na terra. Naqueles dias Judá será salvo e Israel viverá tranquilo; este é o nome com que o chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’”. (Jr 23,5-6).
E, na plenitude dos tempos, Iahweh nos manda o “Emanuel, que quer dizer: Deus conosco” (cf Is 7,14; Mt 1,23), Jesus, o Bom Pastor, que ao mesmo tempo em que é pastor também se faz “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), e esse cordeiro, quando é sacrificado, nem mesmo bale. Morre silenciosamente. Derrama o seu sangue e oferece sua carne e o seu sangue para o sustento do próprio rebanho. E o Filho de Deus se fez “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. (Jo 1,29).
E Jesus, envolvido com o amor que o Pai dedicava às suas ovelhas no Antigo Testamento, assim como o Pai se dizia dono do rebanho, antes de se entregar como o Cordeiro, assume a postura do pastor da Nova Aliança, e passa a cuidar do rebanho do Pai: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, quando vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e sai correndo. Então o lobo ataca e dispersa as ovelhas. O mercenário só trabalha por dinheiro, e não se importa com as ovelhas. Eu sou o bom pastor: conheço minhas ovelhas e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas. Tenho também outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor”. (Jo 10,11-16).
Marcos, na liturgia do domingo anterior, narrou que Jesus começa a preparar os seus discípulos e apóstolos para serem pastores de suas ovelhas: “Jesus chamou os doze começou a enviá-los dois a dois." (Mc 6,7).
Na liturgia deste domingo os discípulos retornam depois de cumprirem a missão que lhes foi dada pelo Mestre e Pastor. Contam a Jesus tudo o que haviam feito e ensinado. Jesus, feliz com a experiência que havia feito com os discípulos e realizada com êxito de pastorear o rebanho de Iahweh, convida os discípulos para o repouso merecido, para a meditação, para a oração porque, depois de um longo dia de trabalho e de semear a Palavra, nada melhor que entrar em contato com o Pai para lhe agradecer do trabalho que havia sido realizado. E foram, então, de barco para um lugar deserto e afastado porque à sua volta “Havia de fato, tanta gente chegando e saindo, que não tinham tempo nem para comer.” (Mc 6,31).
Jesus não quer no seu Reino gente acomodada. Para os seus seguidores Jesus não oferece e nem promete mordomias, conforto e “status” e, para ensiná-los qual seria o perfil do pastor que ele quer para o rebanho de Iahweh, muitas vezes foi radical e não usou de meias palavras: “As raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça. [...] Deixem que os mortos sepultem seus mortos; mas você, vá anunciar o Reino de Deus. [...] Quem põe a mão no arado e olha para trás, não serve para o Reino de Deus.” (Lc 9,58.60.61). E disse ele ao jovem rico: “Vai, vende tudo o que você tem, dê o dinheiro aos pobres e você terá um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mc 10,21). É esse o perfil que Jesus quer para os seus seguidores e que venham pastorear o rebanho de Iahweh; nem mais, nem menos.
E, pela dificuldade que ele encontrou para selecionar pastores íntegros, desapegados e responsáveis, ele diria: “Muitos são chamados, e pouco são escolhidos”. (Mt 22,14).
Mesmo atravessando o lago para tentar dar descanso aos seus discípulos, Jesus não teve êxito porque “muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé e chegaram lá antes deles. Ao desembarcar Jesus viu uma numerosa multidão...”. (Mc 6,33-34). Não adiantou querer fugir para descansar; a multidão sedenta da Palavra não dá sossego, não dá tréguas, e depois de atravessar o lago e “desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão, e teve compaixão, porque era como ovelhas sem pastor”. (Mc 6,34). E não teve descanso, e começou tudo outra vez... “Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas”. (Mc 6,34).
Para o pastor não existe descanso. Para o pastor não tem um tempo que é só seu. Muitas vezes reclamamos nos omitimos no trato com o rebanho de Iahweh. E, para essas ocasiões, depois de agradecer ao Pai pelos que colocam a mão no arado e não olham para trás, Jesus nos alenta, nos conforta, nos acolhe e nos oferece descanso no seu regaço: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do seu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso de seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo e leve”. . (Mt 11,25-30).
Mas Jesus não permite que seus seguidores acomodem-se e se descuidem de sua missão e orienta para que não cessem de pedir ao Pai pelos trabalhadores da messe: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! Por isso, peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita”. (Mt 9,36-38). Não nos esqueçamos que Jesus morreu de pé e de braços abertos para que não ficássemos sentados e de braços cruzados...

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