sábado, 30 de agosto de 2014

“FIQUE LONGE DE MIM, SATANÁS” (Mt 16,13-23).

XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Jr 20,7-9; Sl 62; Rm 12,1-2; Mt 16,21-27.

“FIQUE LONGE DE MIM, SATANÁS” (Mt 16,13-23).


Diácono Milton Restivo

O profeta Jeremias volta novamente na nossa liturgia e, desta feita, para fazer uma queixa a Yahweh. A impressão que se tem é que Jeremias está revoltado contra Deus e deixa transparecer que Yahweh é responsável pelos transtornos que vem sofrendo. Jeremias deixa claro a força de sedução de Yahweh e ele confessa que não resistiu a essa sedução: “Tu me seduziste, Yahweh, e eu me deixei seduzir. Foste mais forte que eu e venceste” (Jr 20,7a). Mas, a seguir, Jeremias faz uma sentida queixa: “Sirvo de piada o dia todo e todo mundo caçoa de mim” (Jr 20,7b).
A princípio, Jeremias deixa transparecer que a presença de Yahweh em sua vida foi doce e maravilhosa, mas quando ele tenta transmitir ao povo os desejos de Yahweh, esse povo o maltrata e faz chacota dele. Deixa claro que sua missão tornara-se um pesadelo devido à rejeição sofrida por parte de seus ouvintes que desejavam sua total destruição (18,19-23) e, quando ele transmite as palavras de Yahweh o povo o contesta, gritando: “Violência! Opressão!” (Jr 20,8a), e reclama que “A palavra de Yahweh ficou sendo para mim motivo de vergonha e gozação o dia todo” (Jr 20,8b).
Mais tarde Jesus, também se sentindo rejeitado na sua própria cidade como Jeremias foi no meio do seu povo, desabafaria: “Eu garanto a vocês: nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 04,24).
        A oposição dos homens sempre foi um dos eventos mais provocadores do sofrimento do profeta. Não é por acaso que os profetas sentem-se ameaçados. São sempre tachados em seu contexto, são chamados de loucos, traidores da pátria, outras vezes precisam fugir, são presos ou expulsos de onde estão profetizando, ou chegam ao extremo quando são martirizados.
Mesmo assim as mensagens dos profetas são transmitidas e suas missões completadas.
Mais adiante Jeremias, superando a revolta, lança um grito de esperança: “Yahweh, porém, está ao meu lado como valente guerreiro. Por isso, aqueles que me perseguem tropeçarão e não conseguirão vencer; eles ficarão profundamente envergonhados, porque não terão êxito, e a vergonha deles será eterna e inesquecível. [...] Cantem a Yahweh, louvem a Yahweh, pois ele livrou a vida do pobre das mãos dos malvados” (Jr 20,11.13).
O Salmo 62 parece vir em socorro dos profetas perseguidos, dando alento e confiança para que exerçam com coragem e denodo a sua missão: “Só em Deus a minha alma repousa, porque dele vem a minha salvação. Só ele é a minha rocha e minha salvação, a minha fortaleza: jamais serei abalado! [...] A Deus pertence o poder, e a ti, Senhor, pertence o amor, porque tu pagas a cada um conforme suas obras” (Sl 62,2-3.12b-13).
Paulo, na segunda leitura, define o culto espiritual autêntico: “Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que vocês ofereçam os próprios corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12,1). Aos corintos Paulo dirá: “Vocês não sabem que são templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vocês? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo são vocês” (1Cor 3,16-17).
Na carta aos efésios Paulo incentiva a todos a serem imitadores de Deus, preservando o corpo de toda impureza, trazendo uma série de exortações para que o os cristãos vivam autenticamente a sua fé: “Sejam imitadores de Deus como filhos queridos. Vivam no amor, assim como Cristo nos amou e se entregou a Deus por nós, como oferta e vítima, como perfume agradável. Fornicação, impureza e avareza não sejam nem assunto de conversa entre vocês, pois isso não convém ao cristão. O mesmo se diga a respeito de piadas indecentes, picantes ou maliciosas. São coisas inconvenientes. Em vez disso, dêem graças a Deus. Estejam certos de uma coisa: nenhuma pessoa imoral impura ou avarenta – pois a avareza é uma idolatria – jamais terá herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef 5,1-5).
E, na primeira carta aos corintos, Paulo defende a pureza do corpo que deve ser oferecido “como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”: “Vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se iludam! Nem os imorais, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os caluniadores irão herdar o Reino de Deus. [...] “Fujam da imoralidade. Qualquer outro pecado que o homem comete é exterior ao seu corpo; mas quem se entrega à imoralidade peca contra seu próprio corpo. Ou vocês não sabem que o seu corpo é templo do Espírito Santo, que está em vocês e lhes foi dado por Deus? Vocês já não pertencem a si mesmos” (1Cor 6,9-10.18-19). O Evangelho desta liturgia é a leitura imediata do Evangelho de domingo passado.
A leitura do Evangelho de hoje causa-nos espanto. Jesus demonstra revolta contra uma atitude impensada e inconsequente de Pedro.
Para entendermos bem essa passagem, há a necessidade de lermos este Evangelho, no seu capítulo 16, dos versículos de 13 a 23, senão a leitura fica obscura.
Dos versículos 13 a 20, que meditamos no domingo passado, Jesus pergunta aos discípulos que o povo acha que ele é e, depois, voltando-se para os discípulos, faz a pergunta: “E vocês, quem dizem que eu sou?” (Mt 16,15), tendo Pedro tomado a palavra e falado por todos os discípulos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), tendo Jesus, em virtude disso, enaltecido a atitude de Pedro, dizendo: “Você é feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que lhe revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu lhe digo: você é Pedro, e sobre essa pedra construirei a minha Igreja, e o poder da morte nunca poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu, e o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que você desligar na terra será desligado no céu! (Mt 16,17-19).
Nessa oportunidade Pedro professa a sua fé, e Jesus coloca nas mãos de Pedro o destino da dua Igreja. A partir dai Jesus começa a mostrar aos seus discípulos os sofrimentos pelos quais ele deveria passar para que o Reino de Deus viesse para os homens.
Pedro, talvez empavonado pelas palavras de Jesus que o enalteceu, enchendo-se de orgulho e vaidade, tem a petulância de repreender a Jesus que havia dito que “devia ir a Jerusalém, e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar ao terceiro dia” (Mt 16,21). Pedro não se conteve com essa afirmativa de Jesus e “levou Jesus para um lado, e o repreendeu, dizendo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça” (Mt 16,22). Dai é que vem o espanto geral. Jesus não se conteve, uma grande indignação e revolta tomou conta de Jesus que, dirigindo-se a Pedro, faz-lhe uma dura reprimenda: “Fique longe de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para mim, porque não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (Mt 16,23).
O interessante é que, à princípio, Pedro faz uma grande profissão de fé sobre Jesus, depois Jesus o elogia pela sua atitude e palavras, depois Jesus fala sobre sua  morte e Pedro o repreende por isso e, a seguir, vem a resposta áspera de Jesus, chamando Pedro de Satanás e pedra de tropeço.
A palavra “Satanás”, nas Sagradas Escrituras, nem sempre se refere ao demônio, muito embora o demônio também seja um Satanás. Satanás quer dizer adversário, inimigo, contestador, acusador, aquele que busca praticar a divisão entre as pessoas, um opositor, aquele que se opõe, que faz resistência contra. Satanás é uma pedra de tropeço no caminho de quem segue os ensinamentos de Jesus. A palavra Satanás ou Satã em hebraico quer dizer acusador. É um termo originário da tradição judaico-cristã e geralmente aplicado à encarnação do mal.
Mas, por que Jesus chamou Pedro de Satanás? Porque Pedro se opôs sobre aquilo que Jesus afirmou que o caminho para a implantação do Reino neste mundo tem que passar pela cruz.
Pedro, de fato, estava se colocando contra Jesus, até intervindo nos planos dele. Da mesma forma que o diabo ofereceu a Jesus um reino sem o sofrimento da cruz na tentação do deserto: “O diabo tornou a levar Jesus, agora para um monte muito alto. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e suas riquezas. E lhe disse: ‘Eu te darei tudo isso, se te ajoelhares diante de mim, para me adorar’. Jesus disse-lhe: ‘Vá embora, Satanás, porque a Escritura diz: ‘Você adorará o Senhor seu Deus e só a ele servirá’” (Mt 4,8-10), Pedro, agora, depois que Jesus o colocou como aquele que o representaria na terra após a sua volta ao Pai, imaginou a exaltação sem a paixão, a glória sem o sofrimento, a ressurreição sem a morte. Jesus, entendendo perfeitamente a vontade do Pai e a sua própria missão, não aceitaria nenhum atalho. Ele seria exaltado como rei, mas teria que sofrer primeiro na cruz. Por isso Pedro é Satanás, porque escolheu ser opositor dos planos de Deus.
É Satanás aquele que se coloca como opositor, contrário, deliberadamente contestador das coisas do Pai. E Tiago, na sua carta, explica: "Infiéis, vocês não compreendem que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus" (Tg 4,4). E hoje, quantos de nós somos opositores das coisas de Deus nas nossas comunidades. Com quantos “Satanás” vivemos ou nos tornamos no nosso dia-a-dia. Ai invés de sermos colaboradores somos opositores
Nas nossas comunidades existem, pelo menos, três tipos de pessoas a quem, como Jesus fez a Pedro, poderíamos também rotulá-las como “Satanás”: os bajuladores dos ministros ordenados, os que se julgam donos da igreja, e os que promovem a discórdia entre os fiéis através da maledicência, do mexerico, do diz-que-diz.
Os bajuladores dos ministros ordenados, ou vulgarmente falando, “os puxa-saco do padre” que julgam que o padre ou o ministro ordenado é sua posse privada, tentando interferir no trabalho apostólico e pastoral do ministro ordenado e, muitas vezes, dificultando a aproximação dos outros fiéis ao sacerdote. Muitos, que teriam necessidade de se aproximar do sacerdote sentem-se inibidos porque vêem nesses bajuladores uma barreira de proteção que os impedem de ter contato com o seu pastor. O padre precisa, sim de amigos, verdadeiros amigos que o ajude na sua missão e fortaleça a sua vocação, mas que não abafe ou sufoque o seu ministério e que não afaste os fieis de sua pessoa.
Os bajuladores impedem que o ministro ordenado exerça o seu ministério com isenção de interferências e atrapalham o crescimento espiritual da comunidade. São “Satanás” porque colocam barreiras para que os demais fiéis possam buscar conforto no contato com o sacerdote, sendo um opositor, aquele que se opõe contra o desejo do Pai para aqueles que buscam o conforto da palavra. São pedras de tropeço para a comunidade.
Os que se julgam donos da igreja porque ajudaram a construir o prédio da igreja ou do salão pastoral, ou porque desembolsaram quantias consideráveis para o benefício de construções ou setores da comunidade, ou porque plantaram aquela árvore na praça da igreja, ou porque pagam fielmente o dízimo, ou porque são coordenadores ou presidentes ou agentes desta ou daquela pastoral, ou porque trabalham em todas as festas e quermesses da comunidade e que estão sempre contestando qualquer aprimoramento ou melhoria ou reforma nos bens da comunidade.
Os que se julgam donos da igreja impedem as melhorias dos bens da comunidade porque acham que devem continuar como é do seu gosto. São “Satanás” porque não dão oportunidade aos demais de fazer melhorias necessárias para o bem estar dos fiéis, contestando os planos de Deus para bem acolher seus filhos na sua casa. São pedras de tropeço para a comunidade.
Os maldizentes, fofoqueiros, e que denigrem a moral e os bons costumes da comunidade ou de integrantes da comunidade, esparramando verdades que deveriam ser preservadas ou inverdades que maculam a honra de pessoas de bem.
Sobre o mal da língua, escreve Tiago na sua carta: “Meus irmãos, não se façam todos de mestres. Vocês bem sabem que seremos julgados com maior severidade, pois todos nós estamos sujeitos a muitos erros. Aquele que não comete falta no falar é homem perfeito, capaz de pôr freio no corpo todo. Quando colocamos freio na boca dos cavalos para que nos obedeçam, nós dirigimos todo o corpo deles. Vejam também os navios: são tão grandes e empurrados por fortes ventos! Entretanto, por um pequenino leme são conduzidos para onde o piloto quer levá-los. A mesma coisa acontece com a língua: é um pequeno membro e, no entanto, se gaba de grandes coisas. Observem uma fagulha, como acaba incendiando uma floresta imensa! A língua é um fogo, o mundo da maldade. A língua, colocada entre os nossos membros, contamina o corpo inteiro, incendeia o curso da vida, tirando a sua chama da Geena. Qualquer espécie de animais ou de aves, de répteis ou de seres marinhos, são e foram domados pela raça humana; Mas nenhum homem consegue domar a língua. Ela não tem freio e está cheia de veneno mortal. Com ela bendizemos o Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à imagem de Deus. Da mesma boca sai benção e maldição. Meus irmãos, isso não pode acontecer”  (Tg 3,1-12).
Há necessidade de melhores esclarecimentos ou comentários?  
Os maldizentes e fofoqueiros, denegridores da imagem do próximo e mexeriqueiros são “Satanás” porque espalham o fogo da desarmonia atrapalhando o projeto de Deus para a fraternidade na comunidade. São pedras de tropeço para a comunidade.

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