domingo, 3 de junho de 2018

“O SÁBADO FOI FEITO PARA O HOMEM, NÃO O HOMEM PARA O SÁBADO” (Mc 2,27)

IX DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Dt 5,12-15; Sl 80 (81), 2Cor 4,6-11; Mc 2,23-36.
“O SÁBADO FOI FEITO PARA O HOMEM, NÃO O HOMEM PARA O SÁBADO” (Mc 2,27)

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Diácono Milton Restivo
Deus nos quer livres, soltos e felizes. Deus criou o homem para a felicidade plena, para viver a vida em abundância (Jo 10,10b) e encontrar dentro da liberdade a realização plena.
Mas o homem quer se tornar um deus, o homem quer se igualar a Deus como aconteceu com Adão e Eva no Éden (Gn 3,5) e acredita que se realiza plenamente escravizando  o seu irmão.
O Evangelho da liturgia de hoje nos mostra bem essa realidade.
Jesus se revolta ao ver a atitude de homens que se arvoravam em ser, enganosamente, servidores de Yahweh, distorcerem a lei de Moisés, da qual eles se diziam fieis seguidores, e através disso escravizarem o povo com sua pseudo-religiosidade.
Para esses homens daquele tempo e os homens de todos os tempos Jesus tem palavras duras: 
·         “Amarram fardos pesados e os impõe no ombro das pessoas, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem sequer com um só dedo. [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque vocês fecham o Reino de Deus para as pessoas! Vocês não entram nem deixam entrar aqueles que estão entrando. [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda  podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos para as pessoas, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça.” (Mt 23,4.13.27).

E, tudo isso, porque os fariseus, que se julgavam os donos da verdade como tantos hoje se sentem donos da verdade, e impunham pesados fardos religiosos nas costas do povo, abordaram Jesus quando, supostamente, os discípulos de Jesus transgrediam o sábado colhendo espigas na seara para matar a fome.
A observância do sábado – em hebraico “shabbat”, que quer dizer “repouso” – era uma das coisas mais sagradas para os israelitas. Descansar no sétimo dia era um dever gravíssimo.
A própria narração do Gênesis mostra Deus descansando no sétimo dia (Gn 2,2), depois de completar a obra da criação.
Na travessia do deserto, o maná não caia do céu no dia de sábado; e, então, no sexto dia de trabalho colhiam uma porção dupla para terem o que comer no sábado (Ex 16,22).
Além da prescrição do Decálogo, há muitos outros lugares da Bíblia em que se fala do repouso do sábado. Os rabinos montaram sobre o assunto infinitas discussões, chegando a certos tipos de prescrições e absurdos – ou melhor, de proibições – que temos que achar no mínimo muito estranhas, senão de todo ridículas.
Assim é que elencaram trinta e nove espécies de trabalho que não era permitido fazer no sábado. Visitar um doente, por exemplo, era proibido. Fazer uma viagem de mais de dois mil côvados (cerca de novecentos metros), acender fogo, afastar-se de casa a não ser uma pequena distância, tudo isso era proibido pelos mandamentos dos fariseus.
Eles instituíram uma distância máxima que era permitido caminhar, proibiram o uso de sandálias que precisassem amarrar as correias, e nem os curandeiros podiam trabalhar, a não ser em caso de risco de morte.
Sábado é o sétimo dia da semana, o dia do descanso. Este dia recorda dois grandes momentos da história do povo judaico. São eles o descanso de Yahweh depois de terminar a sua obra da criação do mundo:
·         “No sexto dia Deus concluiu o trabalho que havia feito e no sétimo dia descansou de todo trabalho que tinha feito”. (Gn 2,2),
Diz também a respeito da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito, conforme está no Decálogo. Sua observância é considerada de extrema importância, aparecendo como o quarto dos Dez mandamentos:
·         “Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou". (Ex 20,8-11; Dt 5,12-15).
Jesus, como judeu, era cumpridor das leis de Moisés, guardava o sábado e tinha o cuidado de não desrespeitá-lo desde que isso não contrariasse as necessidades básicas do ser humano e levantava a sua voz quando isso acontecia e sempre contestava quando a lei do sábado feria a dignidade humana: 
·         Ora, uma pessoa vale mais do que uma ovelha! Portanto, em dia de sábado é permitido fazer o bem”. (Mt 12,12);
·         “Era sábado o dia em que Jesus fez o barro e abriu os olhos do cego”. (Jo 9,14).
Marcos narra no seu evangelho que, num certo dia:
·         “Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. Então, os fariseus disseram a Jesus: ‘Olha, porque eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?” (Mc 2,23-24).
Por que essa reprimenda dos fariseus? O que tinha demais arrancar espigas enquanto caminhavam, se eles faziam isso para comer as espigas porque estavam com fome?  Porque os judeus guardavam o dia de sábado para o descanso, e os fariseus interpretavam que no sábado nada poderia ser feito, nem sequer acender o fogo para coser alimentos, que isso contrariava a lei de Moisés.
Os fariseus chegaram ao absurdo de, dos dez mandamentos de Moisés, criarem mais 613 mandamentos adjacentes aos mandamentos de Moisés. Isso mesmo, 613 mandamentos que obrigavam o povo a cumpri-los senão não alcançariam a salvação.
E em relação ao sábado existiam nada mais nada menos que 39 proibições que deveriam ser respeitadas e obedecidas fielmente no sábado, caso contrário haveriam punições divinas.
Afirmavam que haviam 613 preceitos dos quais eram negativos tanto quantos dias tem o ano 365 mandamentos negativos e o resto 248 mandamentos eram positivos.
E os fariseus chegavam ao cúmulo de chamar de malditos todos aqueles que desconheciam a Lei e que não seguiam a Lei, como vemos no Evangelho de João:
·         “Essa multidão que não conhece a Lei, é feita de malditos.” (Jo 7,49).
Os fariseus logo reclamaram: estavam fazendo uma coisa proibida no dia de sábado.
Afinal, os discípulos de Jesus estavam pegando espigas para comerem, o que era um dos trinta e nove trabalhos proibidos em dia de sábado.
O que Jesus e os discípulos estavam fazendo, como narra Marcos, seria perfeitamente lícito aos olhos dos fariseus se isso não estivesse sendo realizado no sábado.
Para dar assistência ao viandante, transeunte, andarilho ou peregrino, a lei de Moisés previa:
·         “Quando você entrar no pomar do seu próximo, pode comer à vontade, até ficar satisfeito, mas não pode carregar nada na mão.” (Dt 23,25).
Não era isso que os discípulos de Jesus estavam fazendo como andarilhos? Apanhando espigas para comer? Mas, acontece que isso poderia ser feito em qualquer dia da semana, mas, segundo os mandamentos dos fariseus, isso jamais poderia ser feito num sábado, ainda que fosse para saciar a fome e suprir a necessidade do transeunte.
A tradição oral defendida pelos fariseus determinava minuciosamente o que podia e não podia ser feito aos sábados. Como já disse, havia até uma lista de 39 atitudes, verbos, trabalhos, que jamais podiam ser feitos no sábado. Quatro destes verbos - colher, debulhar, limpar e preparar para comer - eram descrições de que os discípulos estavam fazendo ao comer e exatamente num sábado, o que era proibido pela lei farisaica.
Também a seita dos chamados essênios, por exemplo, proibia claramente que um homem tirasse de uma cisterna ou fosso um animal que ali tivesse caído num sábado. Jesus, e até mesmo a maioria dos judeus, achava isto um absurdo:
·         “Ele lhes respondeu: "Qual de vocês, se tiver uma ovelha e ela cair num buraco no sábado, não irá pegá-la e tirá-la de lá? Quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é permitido fazer o bem no sábado”.  (Mt 12.11).
·         “Se um de vocês tiver um filho ou um boi, e este cair num poço no dia de sábado, não irá tirá-lo imediatamente? ’ E eles nada puderam responder.” (Lc 14,5).
Jesus combateu a tradição imposta pelos fariseus ferrenhamente, especialmente as tradições com respeito ao sétimo dia. Há uma grande quantidade de situações onde Jesus entrou em choque com os fariseus nesta questão;
·         “Jesus disse ao homem de mão paralisada: ‘Levante-se aqui para o meio’. E lhe perguntou: ‘É permitido no sábado fazer o bem ou o mal? Salvar uma vida ou matar?’ Mas eles nada respondiam.  Então, lançando sobre eles um olhar de indignação e tristeza, por causa da dureza do coração deles, Jesus disse ao homem: ‘Estende a mão’. Ele a estendeu e sua mão ficou curada”. (Mc 3,3-5);
·         “Certo sábado Jesus estava ensinando numa das sinagogas, e ali estava uma mulher que tinha um espírito que a mantinha doente havia dezoito anos. Ela andava encurvada e de forma alguma podia endireitar-se. Ao vê-la, Jesus chamou-a à frente e lhe disse: ‘Mulher, você está livre da sua doença’. Então lhe impôs as mãos; e imediatamente ela se endireitou e passou a louvar a Deus. Indignado porque Jesus havia curado no sábado, o dirigente da sinagoga disse ao povo: ‘Há seis dias em que se deve trabalhar. Venham para ser curados nesses dias, e não no sábado’. O Senhor lhe respondeu: ‘Hipócritas! Cada um de vocês não desamarra no sábado o seu boi ou jumento do estábulo e o leva dali para dar-lhe água? Então, esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito longos anos, não deveria no dia de sábado ser libertada daquilo que a prendia?” (Lc 13,10-16).
·         “Certo sábado, entrando Jesus para comer na casa de um fariseu importante, observavam-no atentamente. À frente dele estava um homem doente, com o corpo inchado. Jesus perguntou aos fariseus e aos peritos na lei: ‘É permitido ou não curar no sábado?’ Mas eles ficaram em silêncio. Assim, tomando o homem pela mão, Jesus o curou e o mandou embora. Então ele lhes perguntou: ‘Se um de vocês tiver um filho ou um boi, e este cair num poço no dia de sábado, não irá tirá-lo imediatamente?’ E eles nada puderam responder.”  (Lc 14,1-6).
·         “Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem ficou são; e, tomando o seu leito, começou a andar. Ora, aquele dia era sábado. Pelo que disseram os judeus ao que fora curado: ‘Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito’.  Ele, porém, lhes respondeu: ‘Aquele que me curou, esse mesmo me disse: Toma o teu leito e anda’.  Perguntaram-lhe, pois: ‘Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito e anda?” (Jo 5,8-12).
·         Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais), no sábado circuncidais um homem.Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no sábado curei de todo um homem? (Jo 7,22-23).
No capítulo 23 do Evangelho de Mateus Jesus não poupa reprimendas, maldições e desprezo para os escribas e fariseus que impunham ao povo esses mandamentos absurdos, fardos tão pesados que nem eles podiam carregar.
Já citamos parte dele acima, mas nunca é demais repetir, acrescentando mais alguma coisa:
·         “Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que eles disserem que vocês devem observar, observe-as e façam-nas; mas não procedam em conformidade com as obras deles, porque eles dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largas mangas, e alargam as franjas das suas vestes, E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e gostam de serem chamados pelos homens; Mestre, Mestre. [...] Mas ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês fecham aos homens o reino dos céus; e nem vocês entram nem deixam entrar aos que estão entrando. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês devoram as casas das viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso vocês sofrerão mais rigoroso juízo. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês percorrem o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terem feito, vocês o fazem filho do inferno duas vezes mais do que vocês mesmos. Ai de vocês, condutores cegos!  [...] Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Condutores cegos! que coam um mosquito e engolem um camelo. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpam o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que são semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia. Assim também vocês exteriormente parecem justos aos homens, mas interiormente vocês estão cheios de hipocrisia e de iniquidade. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Serpentes, raça de víboras! Como poderão escapar da condenação do inferno? (Mt 23,1-39).
O próprio Jesus proclamava-se Senhor do sábado, apresentando uma visão renovada e transformada do mesmo e colocando-o a serviço do homem, em vez da mera observância da lei:
·         “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado. Portanto, o Filho do Homem é senhor do sábado”. (Mc 227-28).
O sábado, como dia de descanso para os judeus, é assim uma instituição a favor do homem, em seu benefício, uma bênção grandiosa. Só uma perversa distorção do texto poderia levar à conclusão de que o sábado deva ser considerado contrário ao homem e para escravizar o homem.
Assim o sábado seria uma bênção e não uma carga para o homem.
O farisaísmo dos dias de Cristo obscurecera o verdadeiro caráter do sábado. Os fariseus o acumularam de exigências esdrúxulas que o tornaram um fardo quase insuportável.
A atitude de Cristo para com o sábado foi a de descaracterizá-lo desses acréscimos, devolvendo-o à prístina pureza.
A atitude de Cristo para com seu santo dia foi de reverência e não de desprezo.
 Para os cristãos não existe mais o sábado. O “dia do Senhor” é para nós o domingo. Porque foi nesse dia – o primeiro da semana – que o Senhor ressuscitou. Como no primeiro dia da criação Deus fez a luz, no primeiro dia da nova criação, resplandeceu a claridade daquele que disse:
·         “Eu sou a luz do mundo”. (Jo 8,12).
É então, para nós esse o dia santificado. O dia do repouso, preludiando, inclusive, o dia do eterno repouso, que a carta aos hebreus chama de “sabatismo do povo de Deus” (cf Hb 4).
 O fato de o domingo ser o dia do repouso, fez dele espontaneamente um dia de lazer. Nada demais, se esse lazer se contiver dentro das normas da dignidade e não vier a profanar o dia do Senhor. E não vier desagregar a família, em vez de uni-la no encontro amigo e cheio daqueles valores que enobrecem a convivência humana.
  Mas o que vale a pena é insistir no fato de que o domingo é um dia santificado.
O antigo “dia do sol” dos romanos -(nome que permanece nas línguas saxônicas: “sunday” , “sonntag”) – é para nós o dia do grande Sol do Senhor Ressuscitado.
Cada domingo é comemoração da Páscoa.
  É uma pequena Páscoa. Que deve ser celebrada com puríssima alegria espiritual.
E a missa dominical é a assembléia do Ressuscitado, que deve ajudar-nos a reviver aquele encontro de Cristo com seus discípulos da primeira Páscoa do cristianismo.
O cristianismo, desde a sua origem, tem imitado a prática do descanso sabático dos judeus, mas passando-o para o Domingo, o primeiro dia da semana, o dia do Senhor, da Ressurreição de Jesus Cristo.


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