VII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Is 43,18-19.21-22.24-25; Sl 40 (41); 2Cor 1,18-22; Mc 2,1-12.
“FILHO, OS TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS” (Mc 2,5b).
Diácono Milton Restivo
O livro do profeta Isaías, juntamente com o livro dos Salmos, é o livro mais citado no Novo Testamento. O livro de Isaías está dividido em três partes: Proto-Isaías, ou Primeiro Isaias, dos capítulos 1 a 39, o Segundo Isaias que é chamado também de Dêutero-Isaías ou “Livro da Consolação” que compreende os capítulos de 40 a 55 e o Trito-Isaías, ou Terceiro Isaias, do capítulo 56 a 66. A figura mais relevante do tempo do cativeiro babilônico é sem dúvida Isaias, o profeta da consolação. Os profetas do Antigo Testamento chamavam a atenção do povo, sobretudo, quanto a aproximação de desgraças, castigos de Yahweh e catástrofes nacionais.
Se os profetas antigos anunciavam tudo isso, Isaias já deixara a catástrofe para trás de si, e se considerava, por isso, o mensageiro da redenção, da salvação e do consolo, proclamando alto e de bom som, atribuindo a si a missão do mensageiro da Boa Nova: “Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa notícia, que anuncia a salvação, que diz a Sião: ‘Seu Deus reina’.” (Is 52,7), e se alegra em Yahweh, o Salvador de seu povo: “Transbordo de alegria em Yahweh, e me regozijo com meu Deus, porque ele me vestiu com a salvação, cobriu-me com o manto da justiça, como o noivo que se enfeita com turbante, e a noiva que se adorna com jóias, Assim como a terra faz brotar uma nova planta, e o jardim faz germinar suas sementes, assim também o Senhor Yahweh faz brotar a justiça e o louvor na presença de todas as nações.” (Is 61,10-11). Yahweh coloca na boca de Isaias consolação para o seu povo oprimido no cativeiro da Babilônia: “Os pobres e os indigentes buscam água, mas não a encontram; estão com a língua seca de sede. Eu mesmo Yahweh, responderei a eles; eu, o Deus de Israel, não os abandonarei. Pois eu vou rasgar córregos em colinas secas, abrir fontes pelos vales; transformarei o deserto num lago e a terra seca em minas de água.” (Is 41-17-18).
A primeira leitura desta liturgia é do profeta Isaias e faz parte do livro da consolação, onde Yahweh busca amenizar a dor de um povo oprimido pela escravidão. Isaias procura deixar claro de que, quem tem Yahweh como seu Deus, tem que se sentir um povo livre. Deus é o Senhor do presente e o que passou é passado, já ficou para trás. Para Yahweh tudo é novo: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem?” (Is 43,18-19a).
Yahweh passa uma borracha sobre as transgressões e pecados do povo que o levaram à escravidão: “Era eu mesmo, por minha conta, quem acabava limpando suas transgressões e não me lembrava mais de seus pecados”. (Is 43,25). Isso Jesus repetiria mais tarde com outras palavras: “Por isso, se o Filho os libertar, vocês realmente ficarão livres.” (Jo 8,36).
Na realidade do Novo Testamento, da Nova Aliança feita no sangue de Jesus, se alguém está em Jesus, já se transformou em nova criatura, as coisas antigas já passaram, como afirma Paulo: “Se alguém está em Cristo é nova criatura. As coisas antigas já passaram; eis que uma realidade nova apareceu. Tudo isso vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Cristo, e nos confiou ao ministério da reconciliação. Pois era Deus que reconciliava com ele mesmo o mundo por meio de Cristo, não levando em conta os pecados dos homens e colocando em nós a palavra da reconciliação.” (2Cor 5,17-19).
Isaias tem consciência de que o povo pecara contra Yahweh e o pecado do povo custou-lhe a liberdade e a autonomia, pois fora conduzido escravo por outras nações para terras estranhas e distantes e, muitas vezes, sem perspectivas de volta para a terra que Yahweh lhe tida dado. Mas Yahweh é um Deus que ama seu povo com o coração de pai. Se existiu pecado, a misericórdia de Yahweh é maior do que qualquer pecado que o povo possa ter cometido, como disse Paulo para o povo da Nova Aliança: “A Lei sobreveio para dar consciência do pecado; mas onde foi grande o pecado, foi bem maior a graça, para que, assim como o pecado havia reinado através da morte, do mesmo modo a graça reine através da justiça para a vida eterna, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Rm 5,20-21).
Isaias está tão embuido do amor paternal de Yahweh que perdoa o pecado do seu povo que proclama com total confiança: “Vejam, o Senhor Yahweh me ajuda: quem vai me condenar?” (Is 50,9). E Paulo, mais tarde, afirmaria à comunidade cristã: “Depois disto, o que nos resta a dizer? Se Deus está conosco, quem estará contra nós? Quem não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como não nos haverá de agraciar em tudo junto com ele? Quem acusará aos eleitos de Deus? É Deus quem justifica. Quem condenará? [...] Mas em tudo isso somos mais que vencedores, graças aquele que nos amou.” (Rm 8,31-34a.37).
Tanto Isaias, no Antigo Testamento como Paulo, no Novo Testamento procuram mostrar que Deus desconsidera o pecado de seu povo, desde que seu povo a ele retorne buscando viver a vida da justiça, da graça, do amor, justificando o que Paulo dissera: “Mas em tudo isso somos mais que vencedores, graças aquele que nos amou.” (Rm 8,37). Quando o povo torna-se sensível à misericórdia de Deus que é gratuita, isto é, de graça, ou melhor, é uma graça que se recebe sem merecimento, nada poderá separar o povo do seu Senhor, como diz Paulo: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor.” (Rm 8,38-39).
O salmista desta liturgia evoca a piedade de Yahweh para que seja condescendente com seus pecados: Eu dizia: ‘Yahweh, tem piedade de mim! Cura-me, porque eu pequei contra ti’.” (Sl 41 (40),5), e afirma que Yahweh não abandona aquele que o auxilia no socorro ao pobre e ao indigente: “Feliz quem cuida do fraco e do indigente: Yahweh o salva no dia infeliz. Yahweh o guarda e o mantém vivo, para que seja feliz na terra, e não o entrega à vontade dos seus inimigos. Yahweh o sustenta no leito de dor, afofa a cama em que ele definha.” (Sl 41 (4),2-4).
No Evangelho Jesus retorna à cidade de Cafarnaum porque ele havia se retirado para outros lugares para divulgar a Boa Nova, como havia dito: “Vamos para outros lugares, às aldeias da redondeza. Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim.” (Mc 1,38). Ao chegar na cidade a notícia se espalhou por toda a redondeza “e tanta gente se reuniu ai que não havia lugar nem na frente da casa. E Jesus anunciava a palavra.” (Mc 2,2). O Evangelho não é claro sobre a casa em que Jesus estava, mas, com certeza, seria a casa de Pedro e André, onde Jesus se hospedava quando estava na cidade de Cafarnaum, onde ele curara a sogra de Pedro (cf Mc 1,29-32).
Nessa oportunidade “levaram então um paralítico, carregado por quatro homens. Mas eles não conseguiram chegar até Jesus, por causa da multidão. Então fizeram um buraco no teto, bem encima do lugar onde Jesus estava, e pela abertura desceram a cama em que o paralítico estava deitado.” (Mc 2,3-4). Esta cena merece uma atenção especial. Um homem, paralítico, não podia, por suas próprias forças e autonomia, chegar onde Jesus estava. Quatro homens se predispuseram auxiliá-lo nessa tentativa.
Quantos paralíticos da fé existem no nosso meio que, por suas próprias forças, não conseguem chegar até Jesus. Auxiliar o irmão incapacitado na fé chegar até Jesus, torna o cristão uma pessoa diferente que não mede esforços para que isso aconteça nem que tenha que fazer o improvável, como fizeram aqueles quatro homens: sem medir sacrifícios subiram até o telhado e abriram uma brecha no teto para que o paralítico pudesse chegar até Jesus. Ainda que não soubessem ou que ainda não tivessem ouvido o novo mandamento de Jesus, já o estavam colocando em prática: Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns pelos outros todos reconhecerão que vocês são meus discípulos.” [...] “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como eu amei vocês.” (Jo 13,34-35; 15,12).
Paulo exortava suas comunidades no auxílio uns aos outros: “Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, especialmente aos que pertencem à nossa família na fé.” (Gl 6,10), e Paulo deixa claro que o auxílio ao irmão, entendido como bondade, é um dos elementos do fruto do Espírito Santo: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si.” (Gl 5,22-23).Aqueles quatro homens, com a maior das boas vontades e não medindo esforços, tentaram ajudar o paralítico na busca da cura física, porque já conheciam os poderes milagrosos de Jesus.
Ao ver o paralítico descer do teto dentro de um lençol segurado pelas quatro pontas pelos homens, Jesus inverteu a situação: de imediato, ao invés de curar os danos físicos do paralítico, curou-lhe algo de mais importante: as doenças do espírito, dando mostras que a mensagem da evangelização é o anúncio do perdão: “Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: ‘Filho, os teus pecados estão perdoados.” (Mc 2,5). O perdão não é uma recompensa dada aos que se destacaram na vivência das virtudes, mas um presente oferecido por quem recebeu autoridade exclusiva para concedê-lo; sua garantia é a palavra de Jesus irrefutável e absoluta: “O céu e a terra desaparecerão, mas as minhas palavras não desaparecerão.” (Mc 13,31).
Mas não eram somente amigos, seguidores e admiradores de Jesus que estavam naquele ambiente. Estavam, também, os que o seguiam para pegá-lo em alguma contravenção para denunciá-lo às autoridades religiosas e civis do seu povo: os famigerados doutores da lei que ainda não deixaram de existir no nosso tempo: os que nada fazem para auxiliar o próximo, mas que buscam brechas para denunciar, desmerecer e criticar os que se esforçam para isso. E os doutores da lei não demoraram em se manifestar em pensamentos: “Ora, alguns doutores da Lei estavam ai sentados, e começaram a pensar: ‘Por que este homem fala assim? Ele está blasfemando! Ninguém pode perdoar pecados, porque só Deus tem poder para isso’.” (Mc 2,6-7).
Jesus leu os pensamentos desses detratores das boas obras e da misericórdia divina: “Jesus logo percebeu o que eles estavam pensando no seu íntimo” (Mc 2,8a). Jesus não desmente a afirmação dos doutores da Lei, mas demonstra com os fatos que tem sobre a terra o poder do próprio Deus: “O que é mais fácil dizer ao paralítico: ‘Levante-se, pegue sua cama e ande?’ Pois bem, para que vocês saibam que o Filho do homem tem poder na terra para perdoar pecados, – disse Jesus ao paralítico – eu ordeno a você: Levante-se, pegue sua cama e vá para casa”. (Mc 2,9-11). Perdoado e curado, o homem que deixou de ser paralítico levanta-se, pega sua cama - símbolo da sua doença - e sai andando com as próprias pernas, sem o auxílio de ninguém, diante de toda aquela gente. O perdão torna-nos livres para caminhar, mesmo com as nossas fragilidades, e livres para aprender a conviver com as fragilidades dos outros. Diante de tal novidade, não podemos senão exclamar como a multidão fez: “Nunca vimos coisa assim!” (Mc 2,12).
O poder de perdoar pecados Jesus transmitiu aos seus apóstolos, que são representados hoje na pessoa dos bispos que são os sucessores dos apóstolos e estes aos presbíteros, para que o perdão e a misericórdia de Deus continuem sendo consolo, conforto e graça para todos os que o buscam: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem?” (Is 43,18-19a). “Assim como a terra faz brotar uma nova planta, e o jardim faz germinar suas sementes, assim também o Senhor Yahweh faz brotar a justiça e o louvor na presença de todas as nações.” [...] “Os pobres e os indigentes buscam água, mas não a encontram; estão com a língua seca de sede. Eu mesmo Yahweh, responderei a eles; eu, o Deus de Israel, não os abandonarei. Pois eu vou rasgar córregos em colinas secas, abrir fontes pelos vales; transformarei o deserto num lago e a terra seca em minas de água.” (Is 61,11; 41-17-18).
E para eternizar o perdão de Deus aos pecados dos homens, depois de ressuscitado, Jesus transmite aos apóstolos, em primeiro lugar, a paz, a seguir o envio seguido da efusão Espírito Santo e, finalmente, com a paz no coração, com a ordem do envio dos apóstolos ao mundo e cheios do Espírito Santo, Jesus transmite aos apóstolos o poder que só a Deus pertence: o de perdoar pecados: “A paz esteja com vocês. Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo. Os pecados daqueles que vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados daqueles que vocês não perdoarem, não serão perdoados.” (Jo 20,21-23).
E assim nos ensina o Catecismo da Igreja Católica no seu artigo 976: “O Símbolo dos Apóstolos liga a fé no perdão dos pecados à fé no Espírito Santo, mas também à fé na Igreja e na comunhão dos santos. Foi ao dar o Espírito Santo aos Apóstolos que Cristo ressuscitado lhes transmitiu o Seu próprio poder divino de perdoar os pecados: ‘Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos’ (Jo 20,22-23).
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