sábado, 28 de janeiro de 2012

MEDITANDO A PALAVRA - "CALA-TE E SAIA DELE".

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IV DOMINGO DO TEMPO COMUM

Ano – B; Cor – verde; Leituras: Dt 18,15-20; Sl 94 (95); 1Cor 7,32-35; Mc 1,21-28.

“CALA-TE E SAIA DELE.” (Mc 1,25).

Diácono Milton Restivo

O livro do Deuteronômio, constante da primeira leitura, tem o seu nome derivado das palavras gregas: “deuteros”, que quer dizer segunda e “nomos”, Lei. É um dos cinco livros do Pentateuco para os cristãos e da Torah para os judeus. Pentateuco também é derivado do grego: “penta”, cinco e “teuco”, tomos ou livros, ou rolos. Os cinco livros do Pentateuco são pela ordem: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Citações do livro do Deuteronômio são uma constante no Novo Testamento. Na tentação do deserto, no debate com o tentador, Jesus cita-o várias vezes (Mt 4,1-11 e Lc 4,1-13, referindo-se a Dt 8,3; 6,16; 6,13 e 10,20). Os ensinamentos e discursos deste livro, de maneira geral, reforçam a idéia de que servir a Deus não é apenas seguir sua lei. O amor está acima da lei e, quem ama, não contraria a Lei de Deus, pelo contrário, a cumpre fielmente.
É categórico quanto ao amor que se deve a Deus: “São estes os mandamentos, os estatutos e as normas que Yahweh vosso Deus ordenou ensinar-vos... [...] “Ouve, ó Israel: Yahweh nosso Deus é o único Yahweh! Portanto, amarás a Yahweh teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força”. (Dt 6,1.4-5), o que foi repetido por Jesus na íntegra em Marcos12-29, Mateus 22,37 e pelo escriba quando perguntado por Jesus em Lucas 10,27. Também, no livro do Deuteronômio, Yahweh coloca à disposição do povo os dois caminhos à escolha de cada um: o da benção e o da maldição: “Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte a infelicidade. Se ouves os mandamentos de Yahweh teu Deus, andando em seus caminhos e observando seus mandamentos, seus estatutos e suas normas, viverás e multiplicarás.” (Dt 30,15-16). Na passagem do livro do Deuteronômio lido nesta liturgia, Moisés cita quando o povo, no deserto, ficou atemorizado ao ouvir a voz de Yahweh sobre o monte Sinai entre “os trovões e os relâmpagos, o som da trombeta e a montanha fumegante” (Ex 20,18), e o povo pede que o próprio Moisés lhe transmita a mensagem de Yahweh para que eles não morram: “Foi exatamente o que pediste ao Senhor teu Deus, no monte Horeb, quando todo o povo estava reunido, dizendo: ‘Não quero mais escutar a voz do Senhor meu Deus nem ver este grande fogo, para não acabar morrendo.” (Dt 18,16; Ex 20,18-19). E para que Yahweh não perdesse a comunicação com o seu povo, Moisés afirma que o próprio Yahweh lhe prometera que o povo escolhido sempre teria um porta-voz seu, um profeta e que faria surgir no meio do povo um profeta semelhante a Moisés (cf Dt 18,18) e, para cumprir isso, Yahweh não mandou para o seu povo alguém que fosse igual a Moisés, mas superior a ele, porque, na plenitude dos tempos “a Palavra se fez homem e veio habitar entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade”. (Jo 1,14). Para o povo da Nova Aliança, do Novo Testamento, o Pai não somente mandou um profeta igual a Moisés, mas alguém superior a Moisés, a própria Palavra do Pai, seu Filho único, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, personificada em Jesus Cristo. O Pai fala-nos através de Jesus Cristo, não mais através de Moisés. O próprio Moisés falou de Jesus, advertindo de que, quem não o ouvisse, seria destruído: “Porei em sua boca as minhas palavras e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe mandar. Eu mesmo pedirei contas a quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome”. (Dt 18,18b-19). E isso Pedro, cheio do Espírito Santo, afirma com autoridade: “De fato Moisés afirmou: ‘O Senhor Deus fará surgir, entre os irmãos de vocês, um profeta como eu. Escutem tudo o que ele disser a vocês. Quem não der ouvidos a esse profeta será eliminado do meio do povo. E todos os profetas que falaram desde Samuel e seus sucessores, também eles anunciaram este dia.” (At 3,22-24). O autor da carta aos Hebreus é categórico quando afirma: “Nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos Deus falou aos antepassados por meio dos profetas. No período final em que estamos, falou a nós por meio do Filho. Deus o constituiu herdeiro de todas as coisas e, por meio dele, também criou os mundos.” (Hb 1,1-2). Há necessidade de acrescentar alguma coisa mais para afirmar que Jesus é a Palavra do Pai?

E o próprio Jesus evoca Moisés como testemunha de condenação para aqueles que não ouviram a sua voz: “Não pensem que eu vou acusar vocês diante do Pai. Já existe alguém que os acusa: é Moisés, no qual vocês põem a sua esperança. Se vocês acreditassem mesmo em Moisés, também acreditariam em mim, porque foi a respeito de mim que Moisés escreveu. Mas, se vocês não acreditam naquilo que ele escreveu, como irão acreditar nas minhas palavras?” (Jo 5,45-47).

O Salmo 94 (95) é um convite para louvar a Yahweh: “Venham, exultemos em Yahweh, aclamemos o Rochedo que nos salva. Entremos com louvor em sua presença, vamos aclamá-lo com instrumentos. [...] Entrem e se prostrem e se inclinem, bendizendo a Yahweh que nos fez.” (Sl 95 (94), 1-2.6). Deus merece adoração porque ele é o Criador e o supremo Rei que domina toda a criação (cf Sl 95 (94),1-6). Ele é o pastor do seu rebanho: “Porque ele é nosso Deus, e nós somos o seu povo, o rebanho que ele conduz.” (Sl 95 (94),7). Yahweh chama seu povo para ser fiel e obediente e não fazer como os israelitas rebeldes que não entraram na Terra Prometida (cf Sl 95 (94),8-11). No Evangelho Jesus está na cidade de Cafarnaum e, “num dia de sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar”. (Mc 1,21). O fato de Jesus ensinar na sinagoga não traz nada de novo, porque os escribas e doutores da Lei assim o faziam. O que chama a atenção é que “todos ficam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei”. (Mc 1,22). Isso é interessante porque os ouvintes notaram que, o que Jesus ensinava, era alguma coisa diferente, algo que eles ainda não tinham ouvido por parte das autoridades religiosas judaicas, e “todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isso? Um ensinamento novo dado com autoridade...” (Mc 1,27b). Ensinar com autoridade quer dizer: com poder legítimo, irrecusável e incontestável e que não deixava margem de dúvida sobre o que ensinava. “pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei”. (Mc 1,22). De repente, entra em cena, dentro da própria sinagoga “um homem possuído por um espírito mau” (Mc 1,23). Quando se fala em espírito mau nas Sagradas Escrituras, muitos entendem como sendo o demônio, portanto, um homem possuído do demônio.

O termo “espírito” na língua hebraica é “ruah” e significa respiração, vento ou brisa, ou seja, o ar sempre em movimento, pois onde há vento ou brisa, há movimento. Vento impetuoso ou turbilhão, são imagens que servem para exprimir a força, a liberdade e a transcendência do Espírito de Deus, como aconteceu no dia de Pentecostes com a vinda do Espírito Santo: “De repente, veio do céu um barulho como o sopro de um forte vendaval, e encheu a casa onde eles se encontravam. Apareceram então como umas línguas de fogo, que se espalharam e foram pousar sobre cada um deles. Todos ficaram repletos do Espírito Santo...” (At 2,2-4a).

Quem tem um espírito mau, quer dizer que virou as costas para o espírito bom ou para o Espírito de Deus, que é o Espírito Santo. Se o espírito é o vento em movimento, quem tem dificuldades de respírar sente-se acuado, incomodado, importunado e até agressivo. Quem deixa de ter o espírito bom, nas Sagradas Escrituras é como se tivesse caido na desgraça, no infortúnio, na calamidade e, para essa pessoa, tudo o que a rodeia é ameaçador e, incontinente, ela parte para a agressão buscando se defender. Se entendermos desta forma, podemos chegar à conclusão que o espírito mau não chega a ser um demônio como tantos pregam, e sim um espírito que traz sofrimento, angústia, desespero para si próprio e insegurança para todos.

Temos necessidade de entender que aquilo que foi escrito pelos Evangelistas foi para os que ainda não tinham sido convertidos ou para cristãos imaturos, por isso, a linguagem que foi usada tinha que lhes ser familiar, ou seja, falar uma linguagem que eles entendiam. O objetivo do Evangelista era mostrar que não deveriam ter medo de demônios ou espíritos maus, considerando que existia alguém superior a eles, o próprio Jesus, e Jesus deu esse poder aos seus discípulos, o de escurraçar de perto de si qualquer demônio ou espírito mau, conforme disse Paulo: “Se Deus está conosco, quem estará contra nós?” (Rm 8,31). Nos escritos das Sagradas Escrituras, que são direcionados para cristãos maduros na fé, não são mencionadas pessoas possuídas por demônios ou tomadas por espíritos maus, como acontece no Evangelho de João e nas cartas dos Apóstolos.

Jesus disse: “... Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado.” (Jo 8,34). Quem comete pecado fecha as portas para o espírito bom, o Espírito de Deus, o Espírito Santo e as abre para o espírito mau que toma posse de suas atitudes, como disse Paulo: “Não se iludam, pois com Deus não se brinca: cada um colherá aquilo que tiver semeado. Quem semeia nos instintos egoístas, dos instintos egoístas colherá corrupção; quem semeia no Espírito, do Espírito colherá a vida eterna.” (Gl 6,7-8). O demônio não tem nada com isso. Muitas vezes atribuímos ao demônio coisas que ele nunca fez. Os piores demônios nós mesmos os fabricamos, estão dentro de cada um, e são esses os espíritos maus que não nos deixam em paz, como a inveja, o orgulho, a vaidade, a violência, a prepotência, o egoísmo, a ganância, o desamor, a luxúria, o ódio, a discriminação e tantos outros que fazem fechar as portas para o Espírito de Deus e passam a ocupar o espaço no nosso coração que Deus reservou para si, conforme disse Paulo: "Vocês não sabem que vocês são templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; pois o templo de Deus é santo, e esse tempo são vocês. [...] Ou vocês não sabem que o seu corpo é templo do Espírito Santo, que está em vocês e lhes foi dado por Deus?” (1Cor 3,16-17; 6,19). Como vimos no livro do Deuteronômio, Deus estabelece normas que, quando contrariadas, ocasionam consequências, podendo colher recompensa ou castigo pelas suas atitudes: “Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte a infelicidade. Se ouves os mandamentos de Yahweh teu Deus, andando em seus caminhos e observando seus mandamentos, seus estatutos e suas normas, viverás e multiplicarás.” (Dt 30,15-16). Jesus veio para libertar o homem de todos os males, tanto dos espíritos maus como das doenças; veio para libertar o homem de toda e qualquer escravidão do mundo e deixá-lo livre, para livre caminhar para o reino dos céus. A missão de Jesus é liberar o homem de suas tendências maléficas, deixar o homem livre dos espíritos maus que ele mesmo criou, das inclinações do pecado que pretendem manipular as mais puras intenções; libertar das doenças do corpo e da alma.

É Jesus quem liberta o homem, todos os dias, dos demônios dos vícios, do sexo, do tóxico, do desemprego, do desamor, da fome de comida e da fome de Deus. Jesus liberta o homem todo, de corpo e alma; liberta-o do pecado e do mal físico porque o sofrimento, a doença e a fome também estão na lista dos pecados, isto é, das coisas que Deus não quer para os seus filhos.

Quem está com fome não é livre. Quem está doente não é livre. Quem não tem onde morar não é livre. Quem não tem instrução não é livre, como não é livre quem se deixa dominar pelo pecado. Em todos esses casos o homem está sendo manipulado e possuído por algo que lhe tira a liberdade e a sua autonomia; que lhe mata a alegria de viver e a vontade de trabalhar e progredir; que lhe rouba o amor e a esperança... São esses os espíritos maus dos nossos tempos.

A ignorância do homem o escraviza, não permite que ele seja livre. Ignorante que o homem é das coisas de Deus, desconhece que Jesus é o Caminho que o Senhor envia e pede que todos o sigam se quiserem deixar de ser escravos, dos vícios, do pecado, da opressão do próprio homem.

O homem se esquece ou ignora que Jesus é o irmão supremo e tem plenos poderes para libertá-lo; ignora essa força divina e infinita que o Senhor envia na pessoa de Jesus Cristo e se encolhe com medo das provações, com medo dos que não respeitam os direitos dos irmãos, com medo dos que exploram o povo de Deus, com medo dos que violentam os direitos dos que não tem voz e nem vez.

Jesus é o Libertador. Jesus não é só o libertador da alma: é também o libertador do corpo, porque todos os cristãos filhos de Deus são um composto de corpo e alma, matéria e espírito, e o Senhor Nosso Deus se preocupa com o homem como um todo, e não em partes. O homem desconhece Jesus como Libertador, e quando lhe vem a provação, quando é oprimido pelos grandes, quando lhe vem o desemprego e a doença, quando é atacado pela fome, ao invés de se apegar ao seu Libertador que pode tudo, porque ele é o Senhor da vida, o Filho Unigênito de Deus e, por conseguinte, Deus, o homem recorre às baixarias da macumba, às ignorâncias das crendices populares, aos engodos do espiritismo, aos charlatães da fé do povo simples como tantas igrejas que se dizem cristãs que, para resolver os seus problemas evocam mais o demônio do que o próprio Jesus. Jesus é o nosso irmão, e somente ele recebeu das mãos do Pai plenos poderes para libertar-nos de tudo o que nos oprime e nos afasta de Deus. Jesus Cristo tem poderes de libertar-nos da opressão e do pecado. Jesus tem autoridade para mandar calar os poderes opressores dos espíritos maus, das doenças e dos homens e somente ele pode libertar o homem da opressão e do pecado para que sejam plenamente livres. E como Jesus disse para o espírito mau que estava naquele homem na sinagoga: “Cala-te e sai dele.” (Mc 1,25), todos nós, cristãos, devemos falar a tudo aquilo que escraviza e oprime o homem nos nossos dias: “Sai desse homem e deixe-o ter a liberdade dos filhos de Deus.” Todos temos o direito de sermos livres como Jesus nos quer livres; livres dos espíritos maus, da fome, da doença, do desemprego, do desamor que faz com que o homem se volte contra seu irmão e, por consequência, se afasta do Reino de Deus...

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