DOMINGO DE RAMOS
Ano – B; Cor – vermelho; Leituras: Is 50,4-7; Sl 21; Fl 2,6-11; Mc 11,1-10; 14,1-15.47.
“BENDITO O QUE VEM EM NOME DO SENHOR” (Mc 11,9).
Diácono Milton Restivo
O Domingo de Ramos marca o começo do fim... Jesus entra em Jerusalém aclamado como rei com o coração dilacerado pela ingratidão dos homens, sabendo que, poucos dias depois, estaria erguido entre o céu e a terra no madeiro da cruz. Na primeira leitura Isaias prevê essa fatalidade: “Apresentei as costas para aqueles que me queriam bater e ofereci o queixo aos que me queriam arrancar a barba, e nem escondi o meu rosto dos insultos e escarros.” (Is 50,6).
No seu Evangelho Marcos narra-nos que “Levaram a Jesus o jumentinho, sobre o qual puseram as suas vestes. E ele o montou. Muitos estenderam as suas vestes pelo caminho, outros puseram ramos que haviam apanhado nos campos. Os que iam à frente dele e os que o seguiam, clamavam: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem do nosso pai Davi! Hosana no mais alto dos céus” (Mc 11, 7-10).
Jesus entra em Jerusalém, a cidade que mata os profetas, os enviados por Yahweh: “Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os que foram enviados a você!” (Mt 23,37) . É uma entrada triunfal, digna de um rei. O povo todo acorre para recebê-lo na entrada da cidade, ele que vem montado num jumentinho, como já havia predito o profeta Zacarias, muitos anos antes disso acontecer: “Exulta muito, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta.” (Zc, 9-9). Os reis e conquistadores vinham montados em garbosos cavalos ricamente encilhados. O Filho de Deus, Rei do universo, vem montado em um jumentinho.
O povo todo vem a ele, recebe-o na entrada da cidade e o acompanha em todo o percurso, cantando e louvando, estendendo seus mantos no chão à sua frente, empunhando ramos e galhos de árvores, como faziam aos seus reis, aos conquistadores e aos seus heróis que adentravam à cidade. Somente os reis e os heróis do povo eram recepcionados daquela forma.
Jesus, acompanhado de seus apóstolos e discípulos, montado em um jumentinho, era recebido clamorosamente na cidade e entrava triunfalmente em Jerusalém. Era o começo do fim... Estava chegando a sua hora... A hora final... A hora da entrega total... A hora do sacrifício supremo... Os homens jamais entenderiam isso... Os homens não podem, jamais, entender o sacrifício de um Deus. E Jesus é a vítima, a hóstia imaculada, que se coloca nas mãos do Pai para sofrer os maiores sacrifícios, as maiores humilhações, as maiores dores e, finalmente, morrer por aqueles que não sabem amar. A entrada triunfal em Jerusalém é o começo do fim.
Horas depois Jesus faria com seus apóstolos a sua última ceia e, na oportunidade, lavaria os pés de cada um deles (Jo 13,1-20); instituiria a Eucaristia (Lc 22,19, 20); iria rezar angustiosamente e suar sangue no Horto das Oliveiras (Lc, 22,39-47); suportaria com dor e resignação a traição de Judas (Lc 22,47-49); seria preso (Lc 22,47-54); Pedro, o Apóstolo que dissera que, se preciso fosse morreria com ele, o negaria por três vezes (Lc 22,54-62); seria flagelado, coroado de espinhos, coberto com um manto de púrpura, os guardas caçoariam dele, o povo zombaria dele, passaria por um julgamento injusto e, finalmente, pela covardia de um homem, Pilatos, que, na oportunidade, representava toda a humanidade, seria entregue para ser crucificado e levantado entre o céu e a terra no monte Calvário na presença de todo o povo e sob os olhares dolorosos de sua mãe, a mãe das dores... Na entrada triunfal de Jerusalém Jesus sabia que tudo isso lhe ia acontecer.
Jesus apenas queria passar os seus últimos momentos neste vale de lágrimas com os seus apóstolos e discípulos. Queria dar-lhes as últimas instruções e fortalecê-los na fé.
Um dia, antes de voltar para o Pai, ele ainda diria: “Toda a autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue. Vão, portanto, e façam que todas as nações se tornem discípulos meus, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que eu estou com vocês todos os dias, até a consumação dos séculos.” (Mt 28,17-20), Para antecipar a sua permanência “todos os dias, até a consumação dos séculos”, no meio daqueles que o tem como Rei e Salvador, na última ceia que faz com seus apóstolos, institui a Eucaristia, que é a permanência e o alimento a todos que o reconhecem Filho de Deus.
A sua missão estava por terminar e Jesus não se esquecera de nada, absolutamente nada; agora, para comprovar e deixar claro a ingratidão dos homens, ele entra triunfalmente em Jerusalém e, aquele povo que o aclamava e o proclamava rei, vai ser o mesmo que, em seu julgamento, irá gritar cheio de cólera: “Crucifica-o” (Mc 15,13).
A maior das injustiças está para ser consumada; o maior pecado da humanidade está para acontecer. Mas, se não existisse o maior pecado, não poderia existir o maior perdão com disse Agostinho, Bispo de Hipona. Como os homens são volúveis, instáveis; são como bandeirolas ao sabor do vento: para a direção que o vento sopra, se inclinam. Para onde vão as suas inclinações, os seus interesses, os seus desejos, os homens se deixam levar. Quantas vezes nos identificamos com aquele povo, aquelas pessoas que receberam triunfalmente Jesus em Jerusalém, montado em um jumentinho; quantas vezes isso acontece em nossas vidas.
Quando tudo está bem, quando tudo corre às mil maravilhas, empunhamos ramos, colocamos nossos mantos no chão para que o Mestre passe por sobre eles, cantamos louvores e dizemos: “Bendito aquele que vem, o Rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!” (Lc 19,38). Mas, quando a situação se inverte, quando tudo começa a dar errado, quando o Cristo quer testar a nossa fé, a nossa perseverança e nos faz passar por grandes tribulações, com a mesma mão que levantamos e abanamos os ramos para saudá-lo, atiramos-lhe pedras e, com a mesma boca e voz que cantamos louvores dizendo “Bendito aquele que vem, o Rei, em nome do Senhor”, gritamos: “Crucifica-o”. (Mc 15, 13). Não somos, em nada, diferentes daquele povo que o louvou e depois clamou por sua morte, e morte de cruz...
Jesus sobe, pela última vez até a cidade de Jerusalém, que era o centro da religião judaica, aquela cidade que, por muitas vezes, recebera com festa os profetas, os enviados de Deus, os homens santos para, logo em seguida, matá-los por não concordar com as suas propostas de conversão, arrependimento e penitência. Com Jesus não ira ser diferente.
Quantas vezes Jesus, com os seus apóstolos e discípulos, cruzou as portas daquela cidade, entrou em Jerusalém como o Enviado de Deus, pregando a Boa Nova, curando toda espécie de doenças, perdoando os pecados, afugentando os demônios, expulsando os vendilhões do templo, chamando a atenção e discutindo com os hipócritas escribas e fariseus que se julgavam justos e santos quando, na verdade, eram as autoridades religiosas daquela cidade que levavam o povo para o caminho contrário aos ensinamentos de Jesus e se propuseram a matar Jesus. Por muitas vezes Jesus estivera em Jerusalém, sempre levando a certeza da salvação eterna para aqueles que acreditassem nele, que ouvissem a sua voz e que colocassem em prática os seus ensinamentos. Mas o povo é muito inconstante... E como é inconstante e inconsequente...
Enquanto Jesus estava com o povo, o povo estava com Jesus, cercava Jesus muito mais interessado em que Jesus lhe curasse os males físicos e lhe matasse a fome com multiplicações de pães e peixes do que em ouvir a Boa Nova da Salvação da qual Jesus se auto-proclamou, dizendo: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”, (Jo 14,6), e garantiu: “Eu vim para que tenham a vida, e a tenham em abundância.” (Jo 10,10). Agora Jesus está voltando, pela última vez, à cidade de Jerusalém... Seria a última vez que Jesus entraria, com vida, em Jerusalém. Não sairá de lá com vida. Que ironia! Nunca é demais repetir que, aquele mesmo povo que, por muitas vezes, se reuniu em praça pública, nas planícies, margens de lagos e montanhas para ouvi-lo, aquele mesmo povo que levou seus doentes até Jesus para serem curados de suas enfermidades, aquele mesmo povo que teve muitos de seus pecados perdoados, aquele mesmo povo que fora escolhido entre todos os povos da terra para receber, em primeiro lugar, a mensagem de salvação de Deus, também agora, nessa oportunidade em que Jesus entra montado em um jumentinho pelas portas de Jerusalém, se reúne para recebê-lo como a um Rei e aclamá-lo como um vencedor, iria vociferar, dizendo: “Crucifica-o.” (Mc 15,13). Jesus conhecia muito bem aquele povo... Jesus conhece muito bem os homens... Jesus conhece muito bem a cada um de nós... Jesus conhece o barro de que fomos feitos... Jesus já sabia que aquele povo que gritava, saudando-o: “Bendito aquele que vem, o Rei, em nome do Senhor!” (Lc 19,38), logo mais iria se juntar defronte ao palácio de Pilatos, apontaria o dedo em riste em direção a Jesus, e diria: “Crucifica-o.” (Mc 15,13). Jesus sabia de tudo isso, mas ele era a vítima santa e imaculada que deveria ser entregue para ser sacrificada pela salvação de todos os homens; ele era e é o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” (Jo 1,29).
O povo de hoje em nada mudou em relação do povo do tempo de Jesus; em nada se difere do povo que recepcionou Jesus com aclamações para depois pedir pela sua morte e crucificação... Mas, para aqueles que aderiram ao Mestre, aceitaram a sua mensagem e receberam Jesus como Salvador, Jesus deixa essa mensagem de amor e confiança: “Não se perturbe o coração de vocês! Creiam em Deus, creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu lhes teria dito, pois vou preparar para vocês um lugar, e quando eu me for e lhes tiver preparado um lugar, virei novamente e levarei vocês comigo, a fim de que, onde em estiver, vocês estejam também. E para onde vou,vocês conhecem o caminho.” (Jo 14, 2-4).
No Salmo 21 desta liturgia, o rei e profeta Davi antecipa os dias que se seguirão ao dia da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, especialmente o dia da sua entrega total, as cenas dolorosas de seu julgamento e crucificação. Mateus retrata com fidelidade aquilo que o Salmo 21 dizia a respeito do Servo Sofredor: “Desde a hora sexta até a hora nona, houve treva em toda a terra. Lá pela hora nona, Jesus deu um grande grito: ‘Eli, Eli, lemá sabachtáni?’, isto é: ‘Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?’” (Mt 27,45-46). Não é assim que o Salmo 21 começa? “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste.” (Sl 21,2).
“Desde a hora sexta até a hora nona, houve treva em toda a terra.” Tarde escura. Céu negro. Promessas de chuva. Nuvens macilentas tais navios fantasmas navegando no espaço e chocando-se entre si, provocando raios e trovões que assustam... A natureza se veste de negro... Está de luto. Os pássaros se recolhem aos seus ninhos. As flores estão pendentes em seus ramos como que com vergonha de contemplar a maior das injustiças e a terrível ingratidão cometida pelos homens, pelas criaturas contra o seu Criador. O sol, indignado, recusa-se a enviar seus raios, sua luz, evitando iluminar a maior das atrocidades jamais cometida sobre a face da terra. O céu se põe a chorar e pingos de chuva, tais lágrimas doloridas, começam a se chocarem contra o madeiro duro e impiedoso da cruz. A chuva molha os cabelos, face, lábios e todo o corpo de Jesus crucificado que é uma só chaga daquele que a pouco dizia: “Tenho sede.” (Jo 19, 28).
O véu negro da ingratidão dos homens cai sobre a terra, esses mesmos homens que eram os únicos a não entenderem aquele momento doloroso e ao mesmo tempo solene, e que eram responsáveis por tão grande e lastimável tragédia. E, no meio de tanta dor e recolhimento por parte da natureza e de tanta indiferença e estupidez por parte dos homens, o crucificado, num lamento de dor, angústia e desespero, grita alto para que todos os que ali estivessem e todos os homens de todos os tempos e lugares pudessem ouvir: “Eli, Eli, lemá sabachtáni”... “Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?” (Mc 15, 34).
E ninguém dos que estavam no monte Calvário, bem próximo da cruz, entendeu sobre o que o Crucificado falava; “Alguns dos presentes, ao ouvirem isso, disseram: “Eis que ele chama por Elias!” (Mc 15,35). E, que ironia, todos aqueles homens que ali estavam, junto à cruz, auto denominavam-se doutores da lei, entendedores das Sagradas Escrituras, os mestres do povo, os donos da verdade, mas, por nenhum momento lhes passou pela cabeça que o Crucificado não evocava a presença do Profeta Elias, morto a mais de oitocentos anos antes; o Crucificado moribundo também não reclamava de um possível abandono de Deus Pai, mas, sim, o Crucificado rezava... Rezava sim, rezava e repetia um Salmo que havia sido escrito pelo rei, profeta e salmista Davi centenas de anos antes, antevendo aquela cena brutal e ignóbil; o Crucificado rezava repetindo o Salmo 22 (21); e todos aqueles que ali estavam e que se diziam entendidos das Sagradas Escrituras e doutores da lei, sabiam de cor e salteado todos os Salmos, mas, no seu ódio e corações de pedra, não pararam para refletir o que o Crucificado rezava. O Crucificado, nos estertores da morte, entre as mais terríveis dores, ainda encontrou forças para rezar, e rezar gritando: “Jesus deu um grande grito, dizendo: ... “Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste”? (Mc 15,34).
O Crucificado rezava um Salmo e nenhum dos doutores da lei, fechados que estavam seus corações pelo ódio e pelo egoísmo não pararam para refletir a sequência desse Salmo que narra detalhadamente todos os acontecimentos daquele momento trágico.
O rei, profeta e salmista Davi, séculos antes, já havia previsto e predito todos aqueles acontecimentos... Por este Salmo 22 (21) Davi profetizara com uma fidelidade absoluta tudo o que iria acontecer e estava acontecendo naquele momento com o “... Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.” (Jo 1,29). Mas os homens, os chamados doutores da lei, estavam por demais preocupados em respeitar o descanso do sábado para se preocuparem com a vida de um homem, ainda que esse homem fosse o Homem-Deus.
O Crucificado repete alto e em bom som, aos gritos, o segundo versículo do Salmo: “Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?” (Sl 22 (21),2). Esse Salmo começa assim e continua a descrever o dia mais tétrico, mais trágico, mais negro da história da humanidade, e descreve minuciosamente aquele momento e a situação desesperadora do Crucificado: “Quanto a mim, sou um verme, não homem, risos dos homens e desprezo do povo; todos os que me vêem caçoam de mim, abrem a boca e meneiam a cabeça: “Voltou-se a Iahweh, que ele o liberte, que o salve, se é que o ama.”” (Salmo 22 (21), 7-9).
E o que foi que aconteceu com o Crucificado pendente na cruz? Transformou-se num “verme, não homem”, todos o desprezavam e riam dele, e assim nos narram os Evangelistas, essa cena constrangedora: “Os transeuntes injuriavam-no, meneando a cabeça e dizendo: “Tu que destróis o templo e em três dias o edificais, salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz!”(Mt 27,40) “A outros ele salvou, que salve a si mesmo se é de fato o Messias de Deus, o Escolhido. Se és o rei dos judeus, salva a ti mesmo.” (Lc 23,35.36).
Do mesmo modo, também, os chefes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e anciãos, as autoridades e elite religiosa do povo judeu caçoavam dele: “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar! Rei de Israel que é, que desça agora da cruz e creremos nele! Confiou em Deus: pois que o livre agora, se é que se interessa por ele! Já que ele disse: Eu sou Filho de Deus.” E até os ladrões, que foram crucificados junto com ele, o insultavam.” (Mt 27,39-44). Existe alguma semelhança entre essa narrativa de Mateus com o Salmo de Davi? Se existir, não é mera coincidência... Só os doutores da lei e muitos de nós hoje não entenderam. E o Crucificado rezava...
E o Salmo continua em sua súplica: “Não fiques longe de mim, pois a angústia está perto e não há quem me socorra.” (Sl 22 (21),12). Há necessidade de comentário? “Eu me derramo como água e meus ossos todos se desconjuntam; meu coração está como a cera, derretendo-se dentro de mim.” (Sl 22 (21),15). Os ossos de uma pessoa pendente na cruz se desarticulam, praticamente perdem o contato entre si causando as mais terríveis dores e tormentos, e o Crucificado também passou por esse momento terrível e, quem sofre essas dores se derrama como água e o coração se inflama, derretendo-se como cera.
O Crucificado rezava... “Meu vigor secou-se como barro cosido, minha língua pegou-se ao paladar; conduziste-me ao pó da sepultura.” (Sl 22 (21),16). O Crucificado sentiu seu vigor e seu paladar secos como um caco de cerâmica e sua língua colada ao maxilar e ao céu da boca; sentiu-se jogado na poeira da morte: “Depois, sabendo Jesus que tudo estava consumado, disse para que se cumprisse a escritura até o fim: “Tenho sede!” (Jo 19, 28).
“Porquanto me rodearam muitos cães; uma turba de malignos me assaltou.” (Sl 22 (21),17). E quantos cães e malignos rodearam o Crucificado na sua agonia na cruz: chefes dos sacerdotes, escribas, anciãos, as autoridades religiosas do povo judeu da época que ironizavam, insultavam, menosprezavam, desafiavam, escarneciam, enfim, ladravam impropérios e blasfêmias contra o Crucificado, não se apiedando um instante sequer da situação desgraçada por que passava aquele condenado na cruz.
“Traspassaram minhas mãos e meus pés, contaram todos os meus ossos.” (Sl 22 (21), 18). E Lucas, o que nos fala a respeito disso? “Quando chegaram ao lugar que se chama Calvário, ali o crucificaram (traspassaram-lhe as mãos e os pés).” (Lc 23,33). E, depois de suspenso na cruz, entre o céu e a terra, o corpo do crucificado estica-se de tal maneira que os ossos se lhes saltam quase que rasgando a pele, dando para contá-los...
“Repartiram entre si as minhas vestes, lançaram sorte sobre a minha túnica.” (Sl 22 (21),19). Assim nos narra essa passagem da Escritura o Evangelista Mateus: “Depois que o crucificaram, repartiram entre si suas vestes, lançando sortes, cumprindo-se deste modo o que tinha sido anunciado pelo Profeta: “Repartiram entre si as minhas vestes, sobre a minha túnica lançaram sortes.” (Mt 27,35).
Tudo, mas tudo mesmo o que aconteceu no Calvário estava e está contido no Salmo 22 (21) escrito pelo rei Davi centenas de anos antes desse acontecimento. E o Crucificado grita bem alto para que todos o pudessem ouvir na recitação do segundo versículo desse Salmo, talvez, numa tentativa, numa última tentativa de fazer com que os homens entendessem o grande erro e a grande injustiça que eles acabavam de cometer.
E o Crucificado grita: “Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?” (Sl 22 (21),2; Marcos, 15,34). E os homens que ali estavam e que se diziam entendidos das Sagradas Escrituras, além de não compreenderem o que o Crucificado estava dizendo e queria dizer, ainda escarneceram dele. Mas o Crucificado, repito, sabe muito bem do barro que fomos feitos e não levou em consideração tão grande ingratidão dos homens e, a mais tocante de suas orações não foi para pedir para si, mas para os seus carrascos, por aqueles que o feriram e continuam a feri-lo pelos tempos afora.
E reza o Crucificado: “Pai, perdoa-lhes, não sabem o que fazem.” (Lucas, 23, 34).
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