sábado, 17 de março de 2012

"POIS DEUS NÃO ENVIOU SEU FILHO AO MUNDO PARA JULGAR O MUNDO, MAS PARA QUE O MUNDO SEJA SALVO POR ELE.” (Jo 3,17).

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IV DOMINGO DA QUARESMA

Ano – B; Cor – roxo; Leituras: 2Cr 36,14-16.19-23; Sl 136; Ef 2,4-10; Jo 3,14-21.

"POIS DEUS NÃO ENVIOU SEU FILHO AO MUNDO PARA JULGAR O MUNDO, MAS PARA QUE O MUNDO SEJA SALVO POR ELE.” (Jo 3,17).

Diácono Milton Restivo

O livro das Crônicas, do qual é tirada a primeira leitura, até a metade do século passado era conhecido e chamado de Paralipômenos. Tenho em mãos a sexta edição da Bíblia Sagrada traduzida da Vulgata e anotada pelo padre Matos Soares das Edições Paulinas de 1953 onde os dois livros das Crônicas são chamados de “Livro Primeiro dos Paralipômenos” e “Livro Segundo dos Paralipômenos”. Este nome foi conservado por São Jerônimo, quando da tradução da Vulgata do grego para o latim entre os fins do século IV e início do século V da era atual, que respeitou o nome dado pelos tradutores da Bíblia chamada dos “Setenta”, que fora traduzida do hebraico para o grego entre o terceiro e o primeiro século antes de Cristo, na cidade de Alexandria.
A palavra “Paralipômenos” é grega e significa “das coisas omitidas ou esquecidas”, ou seja, esses dois livros são uma complementação dos livros dos Reis e citam coisas que naqueles livros não constam relativos aos dois reinos, do Sul, Judá, e do Norte, Israel. Portanto, os livros de Paralipômenos, atuais Crônicas, do hebraico “Palavras (Questões) dos Dias”, eram as coisas omitidas dos livros dos Reis.

Ainda, a título de curiosidade, até a metade do século passado, as Bíblias citavam quatro livros dos Reis, considerando que, os dois livros de Samuel eram nominados “Primeiro e Segundo Livro dos Reis” e os atuais livros dos Reis se transformavam em “Terceiro e Quarto Livro dos Reis”. Nas edições atuais das Bíblias houve a separação dos livros de Samuel e dos livros dos Reis, ficando “Primeiro e Segundo livro de Samuel” e “Primeiro e Segundo livro dos Reis”.

Os dois livros dos Reis e os dois livros das Crônicas narram as histórias de fidelidades e infidelidades dos reis que foram colocados à frente do povo para que esse mesmo povo não se afastasse das determinações de Yahweh.

Assim como o povo, os reis também não foram fiéis a Yahweh. O povo falhou e foi dividido, de um reino que era Judá, em dois reinos: o do norte, Israel, e o do sul, Judá. O reino de Israel caiu em apostasia, pois abandonou a Yahweh e estabeleceu outros centros de adoração, além do único centro que estava em Jerusalém. O reino de Israel foi invadido, capturado e levado para o exílio pelos assírios, e mais tarde o reino do Judá teve o mesmo destino: foi invadido, capturado e levado para o exílio pelos babilônios.

E é exatamente disso que o livro das Crônicas trata nesta passagem: a infidelidade dos chefes dos sacerdotes e dos sacerdotes de Judá “imitando as práticas abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém.” (2Cr 36,14).

Apesar de Yahweh que “dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão de seu povo e da sua casa. Mas eles zombavam dos enviados do Senhor, desprezavam as suas palavras, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo, e não houve mais remédio.” (2Cr 36,15-16). Foi então que “Nabucodonosor levou cativos, para a Babilônia, todos os que escaparam à espada, e eles tornaram-se escravos do rei e de seus filhos.” (2Cr 36,20a).

Mas Yahweh não desprezou o seu povo que lhe fora infiel. O rei persa, Ciro, que mais tarde derrotara os exércitos babilônicos, movido pelo espírito de Yahweh, publicou um decreto em todo o seu reino, libertando da escravidão, depois de mais de setenta anos de cativeiro, o povo judeu (cf 2Cr 36,22-23).

O Salmo 136, que é lido e meditado nesta liturgia, é exatamente um lamento dolorido do povo judeu cativo na Babilônia, relembrando com lágrimas os tempos felizes em que viviam na terra que Yahweh lhe tinha dado e que ele, este mesmo povo, pelas suas infidelidades, havia perdido e se tornado escravo de nações estrangeiras.

Nas terras da Babilônia, onde o povo permaneceu cativo por longo tempo, não havia o Templo do Deus verdadeiro que Nabucodonosor havia mandado destruir em Jerusalém onde esse mesmo povo pudesse fazer suas orações e oferecer sacrifícios a Yahweh, e assim o povo se lamentava: “Junto aos canais da Babilônia nos sentamos e choramos, com saudade de Sião. Nos salgueiros de suas margens penduramos nossas harpas. [...] Como cantar para Yahweh numa terra estrangeira? Se eu me esquecer de você, Jerusalém, que seque a minha mão direita. Que a minha língua se cole ao paladar, se eu não me lembrar de você, e se eu não elevar Jerusalém ao topo da minha alegria.” (Sl 136,1-2.4-6).

E o povo amaldiçoava Babilônia por ter-lhe feito tanto mal: “Ó devastadora capital de Babilônia, feliz quem lhe devolver o mal que você fez para nós! Feliz quem agarrar e esmagar seus nenês contra o rochedo.” (Sl 136,8-9). Mas esse povo não se esquecia que o mal que Babilônia lhe fizera foi porque ele se afastou do caminho de Yahweh e buscava reconciliação com o seu Deus.

Na segunda leitura Paulo chama a atenção dos cristãos de Éfeso dizendo que: “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo.” (Ef 2,5a).

Paulo lembra que, se Deus nos perdoa, não é por causa dos nossos méritos, porque não temos méritos nenhum diante de Deus, mas é por sua misericórdia: “É por graça que vocês são salvos! [...] Assim, pela bondade que nos demonstrou em Jesus Cristo, Deus quis mostrar, através dos séculos futuros, a incomparável riqueza da sua graça. Com efeito, é pela graça que vocês são salvos, mediante a fé. E isso não vem de vocês; é dom de Deus! Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe.” (Ef 2,5b.7-9).

No Evangelho Jesus conversa com um homem importante entre os judeus: Nicodemos.

Numa certa noite, estando Jesus em Jerusalém para comemorar a Páscoa dos judeus, um fariseu “... chamado Nicodemos, um homem importante entre os judeus...", (Jo 3,1), homem muito rico foi ter com Jesus. Nicodemos era um dos poucos judeus que estava com sede da verdade e, para conhecê-la mais e melhor, não hesitou em ter, ainda que às escondidas e por medo de seus próprios compatriotas, ido a um encontro com Jesus, ainda que esse encontro tivesse sido à noite, possivelmente para que os demais fariseus, seus correligionários, desse encontro não tivessem conhecimento e o recriminassem. Durante esse encontro a conversa foi animada e envolvente.

Nicodemos era um fariseu, isto é, profundo conhecedor e cumpridor da Lei de Moisés, e acreditava nos ensinamentos de Jesus, mas por ser alguém de destaque não quis conversar com Jesus nem de dia e nem em público e procurou Jesus à noite para que o povo não o criticasse e o julgasse por essa sua atitude: “Entre os fariseus havia um homem chamado Nicodemos. Era um judeu importante. Ele foi encontrar-se com Jesus de noite...” (Jo 3,1-2).

A conversa de Jesus com Nicodemos foi proveitosa. Depois de Nicodemos enaltecer Jesus e dizer que ninguém poderia fazer o que Jesus fazia “se Deus não está com ele” (cf Jo 3,2). Jesus não perdeu a oportunidade e, considerando que pressentia que o momento da cruz estava chegando, diz a Nicodemos que “se alguém não nasce do alto, não poderá ver o Reino de Deus.” (Jo 3,3).

Nicodemos não entendeu bem do que Jesus estava falando: do nascimento de uma nova criatura, um novo homem que entenderia e viveria os ensinamentos do Filho que “Deus enviou ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por meio dele” (Jo 3,17) e faz a Jesus uma pergunta patética: “Como é que o homem pode nascer de novo se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mão e nascer?” (Jo 3,4).

Jesus explica a Nicodemos qual seria esse nascimento: o nascimento pelo Batismo: “Eu garanto a você: ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nasce da água e do Espírito. Quem nasce da carne é carne, quem nasce do Espírito é espírito. Não se espante se eu digo que é preciso vocês nascerem do alto.” (Jo 3,5-7). A seguir Jesus fez referência à serpente de bronze erguida por Moisés no deserto para que, os que o ouviam, entendessem a sua missão.

Disse Jesus a Nicodemos: "Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." (Jo 3,14-16).

Os israelitas, sob o comando de Moisés, caminhavam pelo deserto à busca da terra prometida e, conforme narra o livro do Êxodo “Iahweh ia diante deles, de dia numa coluna de nuvem, para lhes mostrar o caminho, e de noite numa coluna de fogo, para os alumiar a fim de que caminhassem de dia e de noite. Nunca se retirou de diante do povo a coluna de nuvem durante o dia, nem a coluna de fogo, durante a noite." (Ex 13,21-22). Essa atitude do Senhor mostra claramente o cuidado e carinho que Iahweh tinha com o povo que ele escolheu entre todos os povos para ser somente seu. Mas esse povo nem sempre e, quase sempre, não correspondeu a esse cuidado, a esse carinho do Senhor. Quantas e quantas vezes esse povo afastou-se de Iahweh, cometendo desvarios e pecados que ofendiam ao Senhor.

Em determinada ocasião em que o povo virou as costas para Iahweh, afastando-se de seus preceitos e mandamentos, como castigo, conforme narra o livro sagrado, Iahweh povoou o deserto de serpentes venenosas para puni-lo, e todos aqueles que eram picados pelas serpentes, fatalmente morriam. Ao ver o desespero do povo, Moisés intercede ao Senhor e Iahweh determina a Moisés, dizendo: “’Faça uma serpente abrasadora e coloca-a em uma haste. Todo aquele que for mordido e a contemplar, viverá’. Moisés, portanto, fez uma serpente de bronze e a colocou em uma haste; se alguém era mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia.” (Nm 21,8-9).

É a essa passagem que Jesus se refere e fala a Nicodemos. Para que, no deserto, no Antigo Testamento, o povo fosse salvo das picadas venenosas das serpentes, no Novo Testamento, para libertar o povo do pecado e de todos os males, não seria a serpente a ser levantada, mas o próprio Filho de Deus: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna.” (Jo 3, 14-15). Jesus se identifica como a serpente de bronze levantada no deserto por Moisés.

A serpente de bronze levantada no deserto é o prenúncio, o símbolo de Jesus levantado na cruz entre o céu e a terra, no monte Calvário. Assim como Moisés, após a calamidade das serpentes venenosas, exortou o povo para que não mais se afastassem dos caminhos de Iahweh, Jesus continua na sua evangelização: "Pois Deus não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; quem não crê, já está julgado, porque não creu no nome do Filho Único de Deus. Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas obras eram más. Pois quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus." (Jo 3,17-21).

Jesus, nessa sua afirmativa, deixa clara a misericórdia de Deus: não é Deus quem condena quem quer que seja: é a própria pessoa, pelas suas atitudes e opções que se condena. Quem crê em Jesus e adere à sua mensagem, e a vive com responsabilidade, não é julgado. Agora, quem não crê e vira as costas para o sacrifício do Filho único do Pai, já está julgado pela opção que fez.

Assim como todos do povo de Israel que estavam no deserto preferiram adorar a deuses estranhos que não a Yahweh eram picados pelas serpentes venenosas, símbolo do pecado, se não olhassem para a serpente de bronze levantada no meio do deserto em uma haste morriam e os que recorressem a ela e a encarassem, viviam, assim também, os homens, de todos os tempos e lugares, picados e contaminados com o veneno do pecado, da injustiça e alheios à fraternidade que recorrem e contemplam Jesus levantado na cruz e acreditam que seu sacrifício foi para a redenção de todo o gênero humano, e que Jesus morreu por ele, "não perecem, mas tenham a vida eterna.”

As serpentes do mal continuam por ai, a picar todos aqueles que não levam a sério os ensinamentos de Jesus. Os menos avisados e omissos das coisas do Senhor que são picados e contaminados com o veneno da serpente do pecado e que não recorrem ao Senhor Jesus levantado na cruz, fatalmente morrerão, e a salvação não será para esses por suas próprias iniciativas, "Pois Deus não enviou seu Filho para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; quem não crê, já está julgado, porque não creu no nome do Filho Único de Deus." (Jo 3,17-18).

Não é Deus que se afasta do homem; é o homem quem se afasta do seu amor, como diz Paulo: “Deus é fiel e não permitirá que sejam tentados acima das forças que vocês têm. Mas, junto com a tentação, ele dará a vocês os meios de sair dela e a força de suportá-la” (1Cor 10,13).

Somente o amor salvará os homens que ainda não entenderam a misericórdia e o imenso amor que o Senhor tem por seus filhos a ponto de cometer a divina loucura de enviar a este mundo o seu Filho Único para ensinar a todos o caminho da volta para a casa do Pai e deixar o mandamento da salvação, o mandamento do amor: “Dou a vocês um mandamento novo: que se amem uns aos outros. Nisso reconhecerão que vocês são meus discípulos se tiverem amor uns pelos outros." (Jo 13,34-35).“Dei a vocês o exemplo para que, como eu fiz a vocês, também vocês o façam. Em verdade, em verdade eu digo a vocês: o servo não é maior que seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou. Se compreenderem isso e praticarem, vocês serão felizes” (Jo 13,15-17).

Jesus nos amou até à morte, e morte de cruz. Os homens ainda não entenderam isso. Jesus amou e deu exemplo de como se deve amar, mas, infelizmente, os homens não compreenderam e continuam uns escravizando aos outros, uns oprimindo aos outros, uns pisando nos outros, e muitos fazendo do dinheiro, de seus bens materiais, de suas riquezas os seus deuses, atraindo para si a ira do Senhor, infestando este mundo das serpentes venenosas da ambição, do egoísmo, do desamor, que picam tantos e tantos, adormecendo-os para o amor de Deus e amor aos irmãos.

O Filho de Deus se fez homem para que nenhum homem fosse tratado como escravo. Jesus aceitou ser extremamente humilhado para que nenhum homem sofresse qualquer tipo de humilhação. Jesus aceitou a pobreza para que nenhum homem viesse a passar fome. Jesus aceitou o sofrimento para que nenhum homem viesse sofrer a opressão que é imposta pelo próprio homem. Jesus aceitou ser crucificado para que nenhum homem viesse a ser torturado. Jesus aceitou a morte para que todos os homens pudessem viver para sempre: "Eu vim para que tenham a vida, e a tenham em abundância." (Jo 10,10).

Deus Pai mandou seu Filho para a morte a fim de acabar com o sofrimento, com o domínio do homem sobre o homem, com a escravidão dos fracos imposta pelos ricos e poderosos; para acabar com a injustiça dos violentos, a opressão do pecado e o domínio da morte.

Deus Pai "Não enviou seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele." (Jo 3,17).

O que o amor infinito não pode aceitar, e não aceita, são as situações e estruturas injustas que o homem impõe ao próprio homem, os ricos e poderosos oprimindo os mais fracos apenas para satisfazer a sua volúpia, a sua ganância, a sua busca desenfreada de prazer, de riqueza e de poder.

Somente pelo amor é que o mundo será salvo. O homem ainda não entendeu que, sem justiça não existe paz. Na medida em que o amor tomar conta do mundo e dos corações dos homens, as serpentes venenosas do mal serão eliminadas, morrerão as injustiças, cessarão os gemidos dos pobres e oprimidos, cessará o domínio da morte.

Mas, infelizmente, "este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque as suas obras eram más. Pois, quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam demonstradas como culpáveis." (Jo 3,19-20).

E Jesus termina sua conversa com Nicodemos com palavras confortadoras, satisfazendo plenamente a procura da verdade de quem queria realmente conhecer a verdade do Senhor, colocar em prática seus mandamentos e caminhar na luz: "Mas, quem pratica a verdade, vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus." (Jo 3, 21).

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