XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
“OS COBRADORES DE IMPOSTOS E AS PROSTITUTAS VÃO
ENTRAR ANTES DE VOCÊS NO REINO DOS CÉUS”. (Mt 21,31).
Diácono Milton Restivo
A primeira
leitura da liturgia de hoje traz o profeta Ezequiel.
Ezequiel era de
família sacerdotal, filho de Buzi, o sacerdote. Ezequiel mesmo foi sacerdote.
Os sacerdotes
iniciavam seu serviço no templo aos trinta anos. Mas, no ano em que Ezequiel
fez trinta anos se encontrava no cativeiro babilônico (Ez 1,1), a cerca de 1100
quilômetros distante do templo de Jerusalém.
O profeta viveu
entre os exilados. Sua profecia foi formulada em meio às pessoas deportadas
para as terras estranhas da Babilônia.
Pouco se sabe de
sua vida antes do chamado para o ministério profético. Seu nome significa “Deus
fortalece”, o que lembra sua obra de conforto e incentivo aos exilados.
Ezequiel era
casado, mas sua esposa morreu durante o cativeiro (Ez 24,15-18).
Como Ezequiel
contém mais datas que qualquer outro livro profético do Antigo Testamento, suas
profecias podem ser datadas com considerável precisão.
Seu período de
atividade coincide com o momento tenebroso de Jerusalém e antecede em sete anos
a sua destruição, em 586 aC, continuando por mais quinze anos após essa data.
O profeta se
identificava com sua mensagem: ele sofreu no próprio corpo as consequências de
representar Deus diante do seu povo, e de representar a nação sob o julgamento
de Deus. Em seu livro Ezequiel faz uso de muitas parábolas. O Senhor chamou
Ezequiel pelo título de “Filho do Homem”,
que Jesus iria designar-se a si próprio com esse título. Yahweh chama Ezequiel
de “Filho do Homem” umas noventa
vezes no seu livro.
Só há uma ocorrência dessa expressão em outro livro do Antigo
Testamento, que é em Daniel (Dn 8,17). Esse título é empregado para enfatizar a
humanidade do mensageiro comparado a origem divina da mensagem. A última data
registrada no livro (26 de abril de 571 aC, em Ez 29,17) demonstra que o
ministério de Ezequiel compreendeu pelo menos vinte e três anos. As
circunstâncias de sua morte são desconhecidas.
Na oportunidade
da leitura desta liturgia, Ezequiel dirige-se ao grupo de israelitas que está
exilado na Babilônia. O capítulo 18 todo é uma exortação de Ezequiel a esse
grupo.
No entender dos
israelitas exilados, o castigo que eles estavam sendo submetidos era
consequência dos erros dos seus pais ou das gerações anteriores. Segundo o
rodapé da Bíblia Edição Pastoral, Ezequiel, a princípio, não aceita essa concepção
e procura demonstrar o seguinte: cada pessoa e cada geração são responsáveis
por sua conduta, tanto em nível individual como em nível coletivo. Cada pessoa
e cada geração têm a possibilidade de se converter, mudando completamente a
orientação da própria vida. Embora a culpa seja das gerações anteriores, aquela
que sofre as consequências deverá tomar posição e mudar o rumo dos
acontecimentos.
Na passagem da
leitura desta liturgia, Ezequiel mostra que o povo não aceitava o castigo que
lhe era imposto, e esse povo contesta: “A
maneira do Senhor agir não é justa” (Ex 18,25) e Ezequiel convoca o povo à
conversão: “Quando o injusto renuncia à
sua injustiça e começa a praticar o direito e a justiça, ele está salvando a
própria vida. Se ele perceber todo mal que vinha praticando, viverá e não
morrerá” (Ez 18,27-28).
O Salmo 24 é
atribuído a Davi. Este Salmo era um cântico que deveria ser entoado pelos
judeus e rezado nos primeiros dias da semana (para nós, o domingo). É um
cântico de extrema confiança em Yahweh para que o fiel fosse livre dos inimigos
e que seus inimigos fossem envergonhados. É uma entrega nas mãos de Yahweh
pedindo luz e segurança na sua caminhada: “Mostra-me
os teus caminhos, Yahweh, ensina-me as tuas veredas. Guia-me com tua verdade.
Ensina-me, pois tu és o meu Deus salvador, e em ti espero o dia todo” (Sl
24,4-5). Mais tarde Yahweh responderia a essa súplica na pessoa de Jesus, que
se autodenominou o caminho, a verdade e a vida: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por
mim” (Jo 14,6).
Em situação de
extrema solidão e sentimento de abandono deplorável, o fiel clama por
libertação: “Volta-te para mim, tem
piedade de mim, pois estou solitário e infeliz. Alivia as angústias do meu
coração, tira-me das minhas aflições. Olha a minha fadiga e miséria, e perdoa
os meus pecados todos” (Sl 24,16-18) e Yahweh responde na pessoa de Jesus: “Venham para mim todos vocês que estão
cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a
minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês
encontrarão descanso para as suas vidas. Porque a minha carga é suave e meu
fardo é leve” (Mt 11,28-30).
Na segunda
leitura Paulo escreve aos filipenses exortando para que essa comunidade evite
as divisões causadas pelo espírito de competição, pela busca de elogios por
terem feito apenas as suas obrigações e pelo desejo de realizarem os seus
próprios interesses em detrimento ao interesse da comunidade e que procurem
seguir os ensinamentos e atitudes de Jesus Cristo: “Não façam nada por competição ou por desejo de receber elogios, mas
opor humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada
um procure, não o próprio interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em
vocês mesmos sentimentos que haviam em Jesus Cristo” (Fl 2,3-5).
Na sequência
Paulo cita um hino de louvor e reconhecimento da atitude e da missão de Jesus
Cristo, mostrando qual é o verdadeiro Evangelho que deve ser seguido: o
Evangelho da Cruz, porque nesse Evangelho Jesus é o modelo da humildade: “Assim apresentou-se como um simples homem,
humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl
27b-8).
Paulo insiste
que Jesus serviu até o fim como servo sem abdicar sua condição divina, morreu
na cruz como se fosse um criminoso: “Ele
tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo
contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se
semelhante aos homens” (Fl 2,6-7). Por isso Deus o ressuscitou dos mortos e
o colocou no posto mais elevado que possa existir, como Senhor do universo e da
história: “Por isso, Deus o exaltou
grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome” (Fl
2,9).
Finalizando,
Paulo convida a todos a reconhecer a ação salvadora de Jesus e seu sacrifício
supremo, acreditando fielmente que Jesus é o Senhor: “Para que ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob
a terra; e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de
Deus Pai” (Fl 2,10-11).
No Evangelho da
liturgia do domingo passado Jesus contou a parábola do patrão que saiu para
contratar empregados para trabalhar em sua vinha (Mt 20,1-16) e terminou
dizendo que: “Os últimos serão os
primeiros e os primeiros os últimos”.
(Mt 20,16).
Na liturgia
deste domingo Jesus conta uma nova parábola, a dos dois filhos, o que aparenta
ser obediente e cumpridor das leis da casa, mas que, quando solicitado pelo pai
para algum compromisso, diz que vai, mas não vai, e o que não é tão obediente
ao pai e cumpridor das leis da casa e quando é convocado para um compromisso,
diz que não faz, mas faz. E Jesus faz uma afirmativa surpreendente e até
contestadora, dizendo que os considerados como sendo os maiores pecadores e não
cumpridores da lei entre os judeus, os cobradores de impostos e prostitutas,
aqueles que não são tão afetos a serem cumpridores de leis, normas e exigências
da sociedade, teriam precedência no céu e lá entrariam antes que aqueles que se
julgavam santos e cumpridores da lei, os intocáveis: “Os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês
no Reino do Céu” (Mt 21,32b). Realmente, Jesus veio para inverter conceitos
de moralidade e destruir preconceitos daqueles que queriam impor a Deus quem
deveria ser salvo e quem não.
Em ambas as
parábolas, Jesus estava em discussão com as autoridades judias e em ambas as
parábolas Jesus deixa claro que Deus não se deixa levar por aqueles que julgam
que, apenas cumprindo a Lei já haviam comprado a passagem para o céu. Nesta
oportunidade “enquanto Jesus ensinava (o
povo), os chefes dos sacerdotes e os
anciãos do povo aproximaram e perguntaram: ‘Com que autoridade fazes estas
coisas? Quem foi que te deu esta autoridade?’” (Mt 21,23).
Os chefes dos
sacerdotes eram os saduceus, que eram os latifundiários, a classe rica entre os
judeus, e os anciãos do povo eram os fariseus, aqueles que julgavam que sabiam
tudo de Deus e da Lei de Moisés e recriminavam o povo por não ser “tão santos”
como eles se julgavam ser, e foram eles que receberam essa dura reprimenda por
parte de Jesus: “Ai de vocês, doutores da
Lei e fariseus hipócritas! Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem
vocês entram nem deixam entrar aqueles que desejam. Ai de vocês, doutores da
Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e,
para disfarçar, fazem longas orações! Por isso vocês vão receber um a
condenação mais severa. [...] Ai de
vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros caiados:
por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e
podridão. Assim também vocês: Por fora parecem justos diante dos outros, mas
por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça. [...] Serpentes, raça de cobras venenosas! Como é
que vocês poderiam escapar da condenação do inferno?” (Mt
23,13-14.27-28.33).
Existiriam
pessoas assim na Igreja de Jesus Cristo hoje? Infelizmente sim, existem. E
conhecemos tantas. São os filhos que se dizem bons, que se julgam santos, que fazem
de conta que cumprem à risca todos os mandamentos e imposições da lei, e isso a
título apenas de desencargo de consciência, mas quando são chamados para uma
missão a mando do Pai, dizem que irão fazer, fingem que fazem, enganam os
outros e a si próprios, como disse Jesus aos fariseus e doutores da Lei: “Vocês são como sepulcros caiados: por fora
parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão.
Assim também vocês: Por fora parecem justos diante dos outros, mas por dentro
estão cheios de hipocrisia e injustiça”. Foi isso que aconteceu ao jovem
rico, que era cumpridor ferrenho da Lei e dos Mandamentos, mas quando chamado
por Jesus para uma vocação radical, “o
jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mt 19,22).
Pessoas das
missas domingueiras, da Eucaristia a cada missa que participam, dos louvores e
palmas nos grupos de orações, mas quando são solicitados pelo Pai para ajudá-lo
a cuidar a messe, dizem que vão, mas se omitem... Esses são aqueles de quem
Jesus disse: “Muitos me dirão naquele
dia: ‘Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios
e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: ‘Nunca os
vi. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal’” (Mt 7,22-23). São
os fariseus dos nossos dias...
Em compensação,
muitos que vivem discriminados porque não vivem como nós vivemos ou como
gostaríamos que vivessem, que aos nossos olhos jamais alcançariam a
misericórdia do Pai, como era considerado o povo pelos fariseus no tempo de
Jesus, que diziam a respeito do povo: “Esse
povinho que não conhece a Lei, é maldito” (Jo 7,49), como dizemos nós, hoje
de quem não vive a vida que vivemos ou não frequenta a nossa igreja. A esses,
que são os filhos a quem o Pai chama para um compromisso, que a princípio dizem
não, mas que reconsideram, e vão, a esses Jesus dá a esperança da misericórdia
do Pai, enquanto aos que se julgam santos e cumpridores da Lei, Jesus dirá: “Nunca os vi. Afastem-se de mim vocês que
praticam o mal”.
Quantos vivem
cumprindo a Lei, mas não vivem o amor. Exemplo disso temos nas nossas cidades,
onde casas e mansões são cercadas de muros altos, grades intransponíveis,
sistema de segurança infalível; pessoas que têm tudo, todos os bens materiais e
vivem num conforto invejável a reis e rainhas, mas que estão isolados do mundo
e sem contato com o irmão e são pobres em afeto, calor humano e colaboração
fraterna, enquanto que, nas casas de periferia os muros não são tão altos e nas
favelas nem muro tem e as pessoas vivem numa fraternidade de dar inveja aos
grandes santos, socorrendo-se mutuamente e dividindo tudo o que tem.
A esses Jesus
dirá um dia: “Venham,
benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês
desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive
sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram;
necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de
mim; estive preso, e vocês me visitaram. [...] O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram'.”
(Mt 25,34-37.40). Para aqueles
outros, Jesus dirá: '”Malditos,
apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos. Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e nada
me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram;
necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês
não me visitaram'. Eles também responderão: 'Senhor, quando te
vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou necessitado de roupas ou enfermo
ou preso, e não te ajudamos?' Ele responderá: 'Digo a verdade: O
que vocês deixaram de fazer a alguns destes mais pequeninos, também a mim
deixaram de fazê-lo'. "E estes irão para o castigo eterno,
mas os justos para a vida eterna". (Mt 25,41-46).
Será que
entendemos porque Jesus disse: “Os
cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino dos
Céus?”
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