SETE SANTOS E BEATOS MARTIRIZADOS PELOS
NAZISMO E FASCISMO
O século XX
é considerado o século em que a Igreja Católica mais teve mártires. Leigos e
leigas, ministros ordenados, religiosas e religiosos foram vítimas de todos os
tipos de totalitarismo e de fanatismo, de esquerda e de direita, nas mais
variadas partes do mundo. O mesmo pode ser dito de cristãos de outras
comunidades eclesiais.
Uma boa
parte deles encontrou o martírio pelas mãos do nazi-fascismo, durante a Segunda
Guerra Mundial. O campo de concentração de Dachau, por exemplo, mantinha um
bloco de prisioneiros reservado apenas para padres e ministros de outras
confissões. Mais de 100 católicos martirizados no período já foram beatificados
ou canonizados. Conheça a história de alguns deles:
Teresio Olivelli (1916-1945)
Olivelli
era, em alguns aspectos, o típico jovem católico engajado da Itália do começo
do século XX: frequentava a paróquia, mantinha algumas práticas de oração e era
também membro da Ação Católica. Tendo se formado em Direito aos 22 anos pela
Universidade de Pavia, ele inicialmente acreditava que o fascismo era
compatível com os valores cristãos – tanto que chegou ao cargo de secretário do
Instituto de Cultura Fascista e colaborava com artigos para a revista
Civilização
Fascista
. Ele
colocou essa conciliação em dúvida, porém, devido a duas experiências que teve:
as duas viagens oficiais que fez à Alemanha e o seu alistamento – voluntário –
nas fileiras do exército, para, segundo ele, “fundir-se na massa, em solidariedade
com o povo que, sem ter decidido por isso, combate e sofre”. Olivelli combateu
na Rússia entre 1941 e 1943 e na volta foi nomeado reitor do renomado Collegio
Ghislieri. Já em setembro de 1943, porém, ele se recusou a jurar fidelidade à
nova República Social Italiana, Estado criado a partir da invasão alemã à
península.
Como
resultado, foi preso e deportado para Innsbruck, na Áustria. Conseguiu fugir e
chegou a Bréscia, onde se uniu à resistência católica antifascista, fundando um
jornal clandestino chamado Il Ribelle – “O Rebelde”. Em abril de 1944, foi
preso novamente, em Milão. Sofreu tortura no Cárcere de São Vítor e depois
passou pelos campos de concentração de Fossoli, Bolzano e Flossenbürg.
Procurava consolar os colegas prisioneiros, cuidava dos mais fracos, ficava sem
comer para dar o seu alimento a quem precisasse mais, assistia os que tinham
dores e feridas e organizava reuniões clandestinas de leitura do Evangelho.
Sofria represálias físicas por seus gestos de caridade – em dezembro de 1944,
seu corpo já estava cheio de feridas. No dia 31, interpôs-se entre um jovem
prisioneiro ucraniano e um guarda que iria agredi-lo, recebendo um forte chute
no estômago. Foi castigado ainda com 25 golpes e permaneceu as duas semanas
seguintes convalescendo – morreu em 17 de janeiro. Foi beatificado em 2018.
Edith Stein (1891-1942)
Edith nasceu
em uma família judaica, em um lar alemão, embora hoje sua cidade natal,
Breslau, esteja na Polônia. Deixou a fé judaica ainda antes de ir para a
universidade. Foi uma das primeiras mulheres a se doutorar em Filosofia na
Alemanha, o que aconteceu em 1916, sob orientação de Edmund Husserl, de quem se
tornou assistente. Não alcançou a livre-docência justamente por ser mulher, mas
em 1932 começou a lecionar em Münster. A essa altura, ela já tinha abraçado a
fé católica. A experiência docente, porém, não durou muito, porque logo a
ascensão do nazismo a obrigou a renunciar às aulas. Em 1933, quando os
primeiros sinais da violência contra os judeus começaram a despontar, escreveu
uma carta ao Papa Pio XI.
“Durante
anos, os chefes nazistas pregaram o ódio […]. Depois de ter tomado o poder
governamental em suas mãos e de ter armado os seus aliados – entre os quais
notáveis elementos criminosos –, já aparecem os resultados dessa semeadura de
ódio. […] Tudo o que aconteceu e que ainda acontece diariamente vem de um
regime que se diz ‘cristão’”, escreveu ela. No mesmo ano, ingressou no Carmelo
de colônia, com o nome de Teresa Benedita da Cruz, professando os votos solenes
em 1938 – mesmo ano em que a perseguição contra os judeus se escancarou. Ela
fugiu então para o Carmelo de Echt, nos Países Baixos, mas em 1940 a Alemanha
invadiu o país e prendeu católicos descendentes de judeus, como Edith, que foi
levada primeiro a Amersfoort e Westerbork e depois a Auschwitz. Lá, foi morta
na câmara de gás.
Foi
beatificada em 1988 e canonizada em 1998.
Otto Neururer (1881-1940)
Pároco e
professor de educação religiosa, de temperamento tímido e vítima da depressão,
Neururer foi o primeiro presbítero a ser morto em um campo de concentração
nazista. Malvisto por seus superiores devido à sua pertença ao Movimento Social
Cristão, ele foi um dos muitos padres presos por ocasião da anexação da
Áustria. O pretexto foi uma acusação de “calúnia em detrimento de um casamento
alemão”, depois que ele aconselhou uma jovem a não se casar com um homem
divorciado membro do Partido Nazista. Neururer passou pelo campo de Dachau e
depois foi enviado a Buchenwald, onde foi torturado.
Em meio aos
trabalhos forçados, um outro prisioneiro pediu a ele que o batizasse. O padre
passou a catequizar ele e outros detentos e celebrou vários batismos – o que
era terminantemente proibido. Quando os fatos vieram à tona, ele foi separado
dos outros prisioneiros e levado para o bloco de punição: um lugar sem luz nem
ar onde ficavam vários prisioneiros sem alimento nem água. No seu caso, a
punição foi ainda mais sádica: Neururer foi pendurado de cabeça para baixo até
morrer, em 3 de junho de 1940. Ele foi beatificado em 1996.
Marianna Biernacka (1888-1943)
Polonesa,
Marianna nasceu em uma família ortodoxa de Lipsk, mas se tornou católica aos 17
anos. Três anos depois, casou-se com o fazendeiro Ludwik Biernacki, com quem
teve seis filhos. Foi com um deles, Stanislaw, que ela foi morar quando ficou
viúva. Em 1º de julho de 1943, os soldados nazistas deram início a uma onda de
prisões e execuções na região, como retaliação pela morte de alguns de seus
soldados em um vilarejo próximo. Stanislaw e a esposa, Anna, foram presos e
designados para ser fuzilados.
Marianna,
então, ofereceu-se para ser morta no lugar da nora, que estava grávida. Os
soldados concordaram e a fuzilaram em 13 de julho de 1943, em Niemowicze (atual
Bielorrússia), depois de mantê-la presa por duas semanas. Marianna foi
beatificada em 1999 com outros 107 mártires poloneses da II Guerra. Anna morreu
em 2014, aos 98 anos.
Titus Brandsma (1881-1942)
Brandsma
nasceu em Hartwerd, nos Países Baixos, em uma família católica em uma região
predominantemente calvinista. Ele entrou na Ordem dos Carmelitas aos 17 anos e
foi ordenado aos 24. Doutorou-se em Filosofia em 1909 e deu início aos
trabalhos de tradução das obras de Santa Teresa d’Ávila para o holandês. Foi um
dos fundadores da Universidade Radboud e nela lecionou Filosofia e História da
Mística, tornando-se depois reitor da instituição.
Ativo também
como jornalista, Brandsma se tornou um ferrenho crítico do nazismo sobretudo a
partir da ocupação dos Países Baixos, em 1940. Defendendo a liberdade religiosa
dos jornais católicos e o seu direito de se opor ao regime, foi preso em
janeiro de 1942 e levado a Amersfoort e depois a Dachau. Sua saúde piorou assim
que ele chegou ao campo, em junho, e ele acabou assassinado por uma injeção
letal, como parte de um programa de experimentação médica em prisioneiros, em
26 de julho de 1942. Ele foi beatificado em 1995.
Sára Salkaházi (1899-1944)
“Uma moleca
de vontade firme e ideias próprias”: era assim que o irmão de Sára a descrevia.
Nascida em Košice, na atual Eslováquia, ela era na juventude uma fumante
inveterada que flertava com o ateísmo e trabalhava como jornalista – chegou a
ser editora do jornal do Partido Socialista Nacional Cristão da
Tchecoslováquia. Chegou a noivar, mas terminou o relacionamento antes de se
casar. Aos 30 anos, decidiu entrar para a vida religiosa, ingressando na Irmãs
do Serviço Social. Seu primeiro trabalho como religiosa foi em sua cidade
natal, supervisionando ações caritativas, gerenciando uma livraria católica e
editando uma revista chamada Mulheres Católicas.
A pedido da
Conferência Episcopal Eslovaca, organizou os vários grupos católicos de
mulheres em uma Associação das Mulheres Católicas de âmbito nacional. Na
Hungria, fundou o Movimento Nacional de Mulheres Trabalhadoras Católicas. Como
diretora nacional da entidade, abriu casas para jovens mulheres que ingressavam
no mercado de trabalho, organizava cursos e deu início ao primeiro colégio da
Hungria para mulheres trabalhadoras.
Em protesto
contra o nazismo, mudou seu sobrenome alemão, Schalkhaz, para uma forma
húngara, Salkaházi. Ela planejava vir ao Brasil em missão quando a II Guerra
estourou. Sára empenhou-se sem descanso para esconder judeus nos lares que
tinha fundado e em outro edifício da congregação, em Budapeste. Uma mulher que
trabalhava no edifício denunciou o fato às autoridades e os judeus ali alojados
foram presos por membros do Partido da Cruz Flechada, de extrema-direita. Sára
não estava na casa no momento da prisão e poderia ter fugido, mas resolveu
voltar. Ela foi fuzilada junto com os outros prisioneiros, às margens do rio
Danúbio, em 27 de dezembro de 1944. Em seus esforços, foi a responsável por
salvar a vida de mais de cem pessoas. Sára foi beatificada em 2006.
Josef Mayr-Nusser (1910-1945)
Nascido em
Bolzano, na Itália, Mayr-Nusser aderiu na juventude à Sociedade de São Vicente
de Paulo e à Ação Católica, tornando-se líder das duas entidades em sua região.
Ele se casou aos 32 anos com Hildegard Straub, que conheceu em seu trabalho
como contador. O casal teve um filho, Albert, um ano depois. Desde o começo da
II Guerra Mundial, Mayr-Nusser participava de um grupo secreto antinazista
chamado Andreas Hofer Bund.
Em setembro
de 1943, as tropas alemãs ocuparam o Alto Adige e um ano depois ele foi
obrigado a se alistar nas SS, as forças nazistas. Com um grupo de oitenta
conterrâneos, ele foi levado a Konitz, na Prússia (atual Chojnice, na Polônia),
para o treinamento.
No começo de
outubro de 1944, mais precisamente no dia 4, os combatentes precisaram prestar
o juramento de fidelidade a Hitler.
Mayr-Nusser,
no entanto, se recusou, gritando desde o seu lugar nas fileiras: “Senhor
major-general, em nome de Deus eu não posso fazer o juramento a Hitler. Não
posso porque minha fé e minha consciência não o permitem”. Os oficiais,
impressionados, pediram que ele pusesse isso por escrito – seria a sua sentença
de morte. Um amigo tentou dissuadi-lo, dizendo que sua recusa não mudaria nada
e que, ainda por cima, deixaria sua mulher e seu bebê sozinhos. “Se ninguém
nunca tiver coragem de dizer a eles que não concorda com as suas ideias
nazistas, as coisas não mudarão nunca”, respondeu ele. Da prisão em Danzig,
escreveu à esposa: “Você não teria se tornado minha esposa se esperasse algo
diferente de mim”. A sentença saiu em fevereiro de 1945: acusado de traição,
ele seria fuzilado no campo de concentração de Dachau. Ele morreu, porém,
durante a viagem, em uma parada em Erlangen, doente, no dia 24 de
fevereiro."
Por Felipe Koller
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