sábado, 5 de maio de 2012

MEDITANDO A PALAVRA - “EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI É O AGRICULTOR”

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QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA

Leituras: At 9,26-31; Sl 21; 1Jo 3,18,24; Jo 15,1-8.

“EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI É O AGRICULTOR” (Jo 15,1).

Diácono Milton Restivo

A primeira leitura desta liturgia retrata a dificuldade que Paulo teve para, depois de convertido ao Cristo, aproximar-se dos fiéis da Igreja iniciante porque “todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo” (At 9,26).

Paulo teve de enfrentar muitos problemas para dizer que realmente acreditava no Cristo Ressuscitado, como vemos até o medo de Ananias, a quem o Senhor determinara que recebesse Paulo em sua casa: “Ananias respondeu: ‘Senhor, já ouvi muita gente falar desse homem e do mal que ele fez aos teus fiéis em Jerusalém. E aqui em Damasco, ele tem plenos poderes, que recebeu dos chefes dos sacerdotes, para prender todos os que invocam o teu nome.” (At 9,13-14).

Paulo foi por demais ousado e, depois de convertido, passou a falar de Jesus por onde quer que passasse. A ousadia com que Paulo anunciava a Jesus acabava por incomodar muita gente.

Em Damasco o perseguidor começa a ser perseguido. Em primeiro lugar, os cristãos não aceitavam Paulo porque tinham medo dele. A ousadia de Paulo, após a sua conversão, levou-o a tentar pregar o Cristo nas sinagogas dos judeus: E logo começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o Filho de Deus. Os ouvintes ficaram impressionados e comentavam: ‘Não é este o homem que descarregava em Jerusalém a sua fúria contra os que invocavam o nome de Jesus? E não é ele que veio aqui justamente para os prender e levar aos chefes dos sacerdotes?”(At 9,20-21). Em segundo lugar, os judeus, inconformados pela conversão de Paulo, combinaram matá-lo: “Passado algum tempo, os judeus fizeram uma trama para matar Saulo, mas seus planos chegaram ao conhecimento de Saulo. Os judeus montavam guarda dia e noite também junto às portas da cidade, a fim de o eliminar.” (At 9,24-25).
Nem os seguidores de Jesus que estavam em Jerusalém acreditaram em Paulo, exceto Barnabé, homem iluminado, que tentou aproximar Paulo dos demais apóstolos: “Saulo chegou a Jerusalém, e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo. Então Barnabé tomou Saulo consigo, o apresentou aos apóstolos, e lhes contou como Saulo no caminho tinha visto o Senhor, como o Senhor lhe havia falado, e como ele havia pregado corajosamente em nome de Jesus na cidade de Damasco.” (At 9,26-27).

Não somente os cristãos tinham medo de Paulo e os judeus tentavam matá-lo, mas também os judeus de origem grega, os helenistas, tentaram contra Paulo: “Saulo também falava e discutia com os judeus de língua grega, mas eles procuravam um jeito de o matar.” (At 9,29). A partir daí, os apóstolos preocupados com a vida de Saulo, manda-o para a Cesaréia e depois para Tarso (At 9,30), e Saulo desaparece por um tempo de cena, só aparecendo, novamente, de At 11,25 em diante quando Barnabé foi então para Tarso em busca de Saulo. E o encontrou e o levou para Antioquia”.

As consequências da conversão de Paulo não foram auspiciosas. A conversão tirou Paulo de uma posição na sociedade e o colocou em outra bem inferior. Ao invés de empresário empregador, dono de uma oficina de confecção de tendas com seus empregados e escravos, acabou, sendo ele mesmo, um empregado, um trabalhador assalariado com aspecto de escravo, como ele mesmo afirmaria: “Por causa de Cristo, perdi tudo, e considero tudo um lixo, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,8-9). Paulo mal e mal ganhava o suficiente para poder sobreviver: “E quando passei necessidade entre vocês, não fui pesado a ninguém... Em tudo evitei ser pesado a vocês e continuarei a evitá-lo”. (2Cor 11,9).

A conversão para Cristo criou para Paulo uma situação nova, imprevista. De um lado, cortado da comunidade judaica, perdeu o círculo de amizades que tinha. Deve ter perdido, também, a clientela entre os judeus, pois eles passaram a odiá-lo a ponto de querer matá-lo (At 9,23).

Por outro lado, enviado para a missão pela comunidade de Antioquia (At 13,2-3), levou vida errante, durante mais de doze anos, sem domicílio, sem oficina e sem a possibilidade de montar uma clientela fixa. Essa nova situação obrigou Paulo a buscar uma nova maneira de sobreviver.

Durante a ausência de Paulo em Jerusalém, “a Igreja vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se edificava e progredia no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.” (At 9,31).

Depois de sua conversão, Paulo descobre que Jesus o amou antes até que ele próprio conhecesse Jesus, chegando ao cúmulo de Jesus dar a sua vida por ele: “E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gl 2,20b); “Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8b).

Paulo joga para o alto tudo o que ele tinha vivido, até então, como fariseu, deixando bem claro isso na sua carta aos Filipenses: “Por causa de Cristo, porém, tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como perda. E mais ainda: considero tudo uma perda diante do bem superior que é o conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo. Por causa dele perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar Cristo, e estar com ele.” (Fl 3,7-9a).

No Evangelho deste domingo, o quinto domingo da Páscoa, Jesus identifica-se como “a verdadeira videira”. No Antigo Testamento, sempre que o Pai queria manifestar o seu imenso amor pelo seu povo, evocava a figura do pastor ou da vinha. Para Iahweh, o seu rebanho ou a sua vinha era o povo de Israel como vemos em Isaias 5,1-7, onde Deus demonstra o grande amor que tem pela sua vinha, e faz tudo o que é possível por ela, mas, em vez de haver reciprocidade, a vinha só lhe causava desgosto e amargura: “Eu esperava dela o direito, e produziram a injustiça; esperava justiça, e ai estão gritos de desespero”. (Is 5,7b).

Ainda, no Antigo Testamento, por ver a ingratidão de seu povo, de sua vinha, Iahweh se mostra extremamente irado, e chega ao extremo de compará-la de noiva à prostituta: “Já faz muito tempo que você quebrou a sua canga, arrebentou o seu cabresto, e disse: ‘Não quero servir. ’ Você se deitava e se prostituía no alto de qualquer colina mais elevada ou debaixo de qualquer árvore frondosa. Eu havia plantado você como lavoura especial, com mudas legítimas. E como é que você se transformou em ramos degenerados de vinha sem qualidade? Mesmo que você se esfregue com sabão e use muito detergente, a mancha de sua culpa continua diante de mim – oráculo de Iahweh”. (Jr 2,20-22). E, no seu desgosto, Iahweh a entrega a sua vinha, o seu povo à escravidão: “Eu queria colher alguma coisa deles, - oráculo de Iahweh -, mas não há uvas na parreira nem figos na figueira, e até suas folhas secaram. Eu os entreguei à escravidão”. (Jr 8,13), e Yahweh propõe-se a destruí-la: “Subam para os terraços da vinha, e provoquem a destruição, mas não acabem com tudo: arranquem as mudas, porque não são de Iahweh”. (Jr 5,10), e ainda mais, entregou sua vinha ingrata aos pastores vândalos: “Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam a minha propriedade; transformaram a minha propriedade querida num deserto desolado; dela fizeram um lugar devastado, e a deixaram em um estado deplorável; está desolada diante de mim...”. (Jr 12,10-11), e, por fim, acaba por queimá-la: “Por isso, assim diz o Senhor Iahweh: ‘Como aconteceu com a parreira silvestre que joguei no fogo para ser queimada, assim tratarei os moradores de Jerusalém’”. (Ez 15,6).

Mas o coração misericordioso do Senhor Deus parece verter-se em lágrimas quando canta essa lamentação por ver sua vinha, antes bem tratada e plantada à beira d’água, agora jogada ao chão e pisoteada e seus ramos sendo destruídos pelo fogo: “Sua mãe era como parreira plantada à beira d’água. Produzia bastante e ficava frondosa, porque havia boa umidade. Seus ramos eram fortes, bons para se tornarem cetros reais. A sua altura sobressaia por cima das copas, a sua imponência se destacava pela quantidade de ramos. Ela, porém, foi arrancada com raiva e jogada ao chão. O vento leste acabou de secá-la e os seus frutos despencaram. Os seus fortes ramos secaram e foram destruídos pelo fogo. Agora ela está plantada no deserto em chão duro e seco. O fogo sai do seu tronco e queima seus ramos e frutos. Nela não há mais ramo forte, um cetro para governar’. Essa é uma lamentação, e como lamentação se deve cantar”. (Ez 19,10-14).

Mas, apesar de suas lamentações, ameaças e destruições no Antigo Testamento, o Senhor Iahweh prevê dias melhores para a sua vinha e vislumbra aquele que “será a verdadeira vinha e o Pai o agricultor, e cujos ramos darão frutos desde que unidos à vinha” (cf Jo 15,1-4), e assim se pronuncia Iahweh oitocentos anos antes da plenitude dos tempos, quando aconteceu a vinda do Messias: “Nesse dia, cantarão para a vinha formosa: ‘Eu, Iahweh, sou responsável por ela. Eu a rego com frequência: para que ninguém venha estragá-la, eu a vigio dia e noite. Eu não estou encolerizado. Se alguém produzisse nela espinhos e ervas daninhas, eu me lançaria contra ele para queimá-lo. Quem busca a minha proteção, fará as pazes comigo; sim, comigo fará as pazes’”. (Is 27,2-5). Mas, essa promessa não se realizaria com o povo de Israel.

Em seu extremado amor, o Pai envia o seu Filho unigênito, não para cuidar da vinha, mas para ser “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1). E o Filho unigênito do Pai relembra a vinha do Antigo Testamento, chama a atenção do povo, mas ninguém o entende.

Jesus retoma a parábola de Isaias, 5,1-7 e resume a história do povo eleito: o Pai não deixou de esperar os frutos de sua vinha; mas, ao invés de ouvir os profetas que ele enviou, os vinhateiros os maltrataram e até os mataram, conforme deve ser lido em Marcos 12,1-5, em Mateus 21,33-46 e em Lucas 20,9-19. Não acreditando no que via e acontecia, o Pai, então, resolve mandar o seu próprio e único Filho muito amado, pensando que os vinhateiros o respeitariam (Mc 12,6; Lc 20,15; Mt 21,38), mas, a decepção foi maior ainda: no cúmulo da infidelidade do povo incitado pelos chefes do povo, matam também o Filho, cuja herança é a vinha.

Por essa atitude inconsequente e criminosa, os culpados serão castigados, mas, diferente do que se esperava, a morte do Filho abre uma nova etapa no plano de salvação do Pai: a vinha será, por fim confiada a vinhateiros fieis e ela dará frutos (cf Mc 12,7ss; Mt 21,41ss; Lc 20,16).

O que Israel não foi capaz de dar a Yahweh, Jesus vem e lhe dará. E o próprio Jesus é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (Jo 15,1) que produz bem, a vida autêntica, digna de tal nome. Jesus, a vinha plantada pelo Pai, é a vinha querida do Pai e cercado de cuidados, e podado a fim de dar frutos abundantes: “Eu sou a videira e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5).

Em primeira instância, o fruto que a vinha Jesus dá, é a sua própria vida, derramando o seu sangue, prova suprema de amor: “A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Não existe amor maior do que dar a vida por seus amigos”. (Jo 15,8-9.13).

E quem dá a vida por seus amigos só quer que eles tenham vida, e a tenham em abundância: “Eu vim para que tenham vida, a e a tenham em abundância”. (Jo 10,10), e Jesus acrescenta, nessa sua doação total: “O Pai me ama porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a minha vida; eu a dou livremente. Tenho o poder de dar a vida e tenho o poder de retomá-la. Esse é o mandamento que recebi do meu Pai”. (Jo 10,17-18).

E Jesus alerta para os falsos vinhateiros, falsos pastores, falsos profetas, que existem em todos os seguimentos religiosos que se dizem cristãos, alertando que só ele é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf Jo 15,1); a vinha plantada pelo Pai: “Toda planta que não foi plantada pelo meu Pai celeste será arrancada”. (Mt 15,13).

E o vinho, que é o fruto da videira, será o sangue derramado na cruz, o sinal da nova Aliança que é selada no mistério eucarístico, o sinal sacramental deste sangue para selar a Aliança nova.

E este será o meio de comungar do amor de Jesus, de permanecer nele: “Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e,tendo pronunciado a benção,o partiu e distribuiu aos discípulos, e disse: ‘Tomem e comam, isto é o meu corpo.’ Em seguida, , tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles, dizendo: ‘Bebam deles todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança , que é derramado em favor de muitos para remissão dos pecados. Eu lhes digo: de hoje em diante não beberei deste fruto da videira, até o dia em que com vocês beberei o vinho novo na casa de meu Pai’”. (Mt 26,26-29); e, no Evangelho de João, diz Jesus: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em mim e eu vivo nele”. (Jo 6,56); e ainda: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unidos a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, se não ficarem unidos a mim. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor.” (Jo 15,4.9).

Jesus é a videira verdadeira, nós somos os ramos: “Eu sou a videira, vocês são os ramos.” (Jo 15,5), da mesma forma em que ele é o Corpo e nós somos os membros.

Sem a comunhão com Jesus, somos ramos secos, infrutíferos, separados do tronco, sem receber a seiva vitalizadora e sem poder dar frutos, e é bem por isso que ele afirma: “Sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5b).

Se formos ou estivermos separados do tronco, não somos alimentados pela seiva do tronco, ficamos estéreis e para nada serviremos, senão para o fogo: “Quem não fica unido a mim será jogado fora como um ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados no fogo e queimados”. (Jo 15,6).

Pela nossa comunhão com Jesus, assim como a comunhão do ramo ao tronco, nos tornamos ramo da verdadeira videira, vivificado pelo amor que une Jesus ao Pai e dá fruto.

Vivificados pelo amor que une Jesus ao Pai, damos frutos, o que glorifica o Pai.

Participamos, assim, da alegria do Filho que é glorificar o Pai: “A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam no meu amor. Se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor. Eu disse isso a vocês para que a minha alegria esteja em vocês, e a alegria de vocês seja completa”. (Jo 15,8-11).

Esse é o mistério da verdadeira vinha: exprime a união fecunda de Jesus e da Igreja e sua alegria que permanece perfeita e eterna: “Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para que eles sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e que os amaste como amaste a mim”. (Jo 17,22-23).

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