V DOMINGO DA
QUARESMA
Ano – B; Cor – Roxo; Leituras: Jr 31,31-34; Sl 50; Hb
5,7-9; Jo 12,20-33.
“SE ALGUÉM QUER SERVIR A MIM, QUE ME
SIGA. E ONDE EU ESTIVER, AÍ TAMBÉM ESTARÁ O MEU SERVO”. (Jo 12,26).
Diácono Milton Restivo
O profeta Jeremias é o escritor sagrado da primeira
leitura deste domingo.
Jeremias e Oséias foram os dois profetas mais radicais
do Antigo Testamento, pois foram os que mais perto chegaram de uma compreensão
profunda das causas da opressão que o povo de Israel vivia naquele tempo e a
maneira como o povo se afastava de Yahweh, muitas vezes induzido pelas
autoridades civis, militares e religiosas.
Como Oséias e Miquéias, Jeremias pertencia ao mundo
camponês e ele se aproveita muito disso para transmitir a sua mensagem com
conotações das coisas do campo.
O significado do nome Jeremias é incerto; podemos
citar as seguintes: “Yahweh exalta”, “Yahweh é sublime” ou “Yahweh abre (faz
nascer)”.
O nome Jeremias era bastante comum nos tempos
bíblicos. São conhecidos nove personagens, mais ou menos importantes, com este
nome.
Na leitura desta liturgia, através de Jeremias, Yahweh
sugere uma nova aliança com seu povo infiel. E Yahweh diz que não será uma
aliança como foi feita com os ancestrais desse povo quando Yahweh
·
“... os tomou
pela mão para retirá-los da terra do Egito, e que eles violaram, mas eu fiz
valer a força sobre eles.” (Jr
31,32). Yahweh promete uma nova aliança: “Esta será a aliança que concluirei com a
casa de Israel, depois desses dias, diz o Senhor: imprimirei a minha lei em
suas entranhas e hei de escrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão
meu povo.” (Jr 31,33).
E Yahweh deixa transparecer toda a sua misericórdia,
esquecendo toda infidelidade e pecados do povo:
·
“Todos me
reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor, pois perdoarei sua
maldade, e não mais lembrarei o seu pecado.” (Jr 31,34).
O Salmo 50, lido nesta liturgia, possivelmente seja o
Salmo mais lido e rezado nas orações da Igreja, como o é em todas as
sextas-feiras na oração da manhã (Laudes) da Liturgia Diária das Horas, que é a
oração por excelência da Igreja.
Para entender esse Salmo há a necessidade de conhecer
a sua procedência. É a oração de Davi pedindo perdão e fazendo penitência por
um grave pecado cometido contra um seu general, o seu povo e Yahweh: o
adultério com Betsabéia, mulher de seu general Urias. Conforme vemos no segundo
livro de Samuel, capítulo 11, Davi engraçou-se com Betsabéia, por ser uma
mulher muito bela, mandou que a trouxessem ao seu palácio, ainda que sabendo
que era mulher de um seu general, o heteu Urias, dormiu com ela. Betsabéia
engravidou-se de Davi considerando que seu marido estava em missão de guerra
por seu povo e seu rei e, para encobrir o acontecimento, Davi mandou que
buscassem o marido de Betsabéia, que estava em campo de batalha, para que
passasse uns dias em sua casa e dormisse com sua esposa a fim justificar a
gravidez e acobertar sua atitude.
Mas existia um código de honra entre os soldados em
batalha, que deveriam abster-se de sexo antes de um embate com o inimigo e,
Urias, embora estivesse em sua casa, recusou-se dormir com sua mulher e “dormiu
na porta do palácio com os guardas do seu senhor” (cf 2Sm 11,9).
A recusa de Urias levou Davi a ordenar a morte do seu
general em batalha (leia 2Sm 11,2-17). Após a morte de Urias o profeta Natã foi
portador da palavra de Yahweh para Davi que lhe avisou sobre a ira de Yahweh
por sua atitude covarde e criminosa. (leia 2Sm 12,1-25).
E Davi, através deste Salmo, faz sua penitência e
súplica de perdão a Yahweh.
Assim como na primeira leitura do livro de Jeremias,
Yahweh demonstra sua misericórdia:
·
“Todos me
reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor, pois perdoarei sua
maldade, e não mais lembrarei o seu pecado.” (Jr 31,34).
Através do
arrependimento de Davi, Yahweh perdoa, sim, mas o homem deve manifestar seu
arrependimento e voltar-se para Yahweh:
·
“imprimirei a
minha lei em suas entranhas e hei de escrevê-la em seu coração; serei seu Deus
e eles serão meu povo.” (Jr 31,33).
No Evangelho Jesus, como sempre fez, não esconde nada
de ninguém e para ninguém.
Jesus jamais disse alguma coisa se referindo ao plano
de Deus referente aos homens e dizendo como se deve viver uma vida
verdadeiramente voltada para Deus e para o próximo, onde escondesse alguma coisa
para não chocar seus ouvintes.
Sempre que falava de como se deve viver para pertencer
ao Reino de Deus, Jesus era claro, preciso e objetivo e jamais usou de meias
palavras ou termos dúbios. Jesus jamais obrigou alguém a seguí-lo, prova disso
está nessa sua afirmativa:
·
“Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz cada dia e siga-me.”
(Lc 9,23).
Jesus não obriga; ele respeita o livre arbítrio de
cada um e diz:
·
“Se alguém quer vir após mim...”; e ainda em João: “Se alguém quer servir a mim,
que me siga”. (Jo 12,26).
Jesus deixa a decisão para cada um. É necessário “querer” ir após ele, e isso é uma atitude
de livre e espontânea vontade. Mas, mesmo deixando para cada um a escolha de
seguí-lo ou não, Jesus não se omite quanto às consequências que recairá sobre
as atitudes dos que a tomam, sejam boas ou más:
·
“Pois aquele que quiser salvar a sua vida vai
perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará.” (Lc,
9, 24).
O velho Simeão, quando da apresentação de Jesus ainda
bebê nos braços sua mãe no Templo de Jerusalém, profetizou:
·
“Eis que este menino foi colocado para a queda e para
o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição.” (Lc 2,34);
Para a queda daqueles que virariam as costas para os
seus ensinamentos e para o soerguimento dos que aderissem às suas mensagens e
as vivessem intensamente, e, como um sinal de contradição, pois que, Jesus
mesmo afirmou:
·
“Não pensem que vim trazer paz à terra. Não vim trazer
paz, mas espada. Vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a
mãe, entre a nora e a sogra.” (Mt
10,34). E, por essa maneira dura de falar, é que os escribas e fariseus diziam:
“Está possuído por Beelzebu.” (Mc
3,22).
Por jamais omitir qualquer coisa e sempre dizer a verdade,
considerando que a verdade, para quem não a assume e a nega incomoda e dói,
Jesus já previa qual seria o seu fim:
·
“O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado
pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto...” (Mc 8,31).
E acrescenta em João:
·
“Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica
sozinho. Mas, se morre, produz fruto. Quem tem apego à sua vida, vai perdê-la;
quem despreza sua vida neste mundo, vai conservá-la para a vida eterna”. (Jo 12,24-25).
Todos aqueles que se propuserem a seguir Jesus terão o
mesmo destino que ele, e isso Jesus jamais escondeu de ninguém e orientou seus
seguidores, quando disse:
·
“Eu envio vocês como ovelhas no meio de lobos. Sejam,
pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas. Cuidado com os
homens. Eles entregarão vocês a seus tribunais e lhes açoitarão em suas
sinagogas. Por minha causa vocês serão conduzidos diante dos governadores e dos
reis. Assim vocês servirão de testemunho para eles e para os pagãos. [...] O irmão
entregará o seu irmão à morte, e o pai entregará o seu filho. Os filhos
levantar-se-ão contra seus pais e os matarão. Vocês serão odiados por todos por
causa do meu nome.” (Mt 10,16-22).
Jesus é realmente motivo de contradição, conforme
profetizou o velho Simeão; é incrível acreditar que, alguém que seja perseguido,
injuriado, maltratado e açoitado seja bem-aventurado.
Mas é exatamente isso que Jesus afirma:
·
“Bem-aventurados serão vocês, quando lhes insultarem,
quando, por minha causa, lhes perseguirem e disserem falsamente todo o mal
contra vocês. Alegrem-se e exultem, porque será grande a sua recompensa nos
céus.” (Mt 5,11-12).
E complementa:
·
“E todo aquele que tiver deixado casas ou irmãos, ou
irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras, por causa do meu nome, receberá
muito mais e herdará a vida eterna.”
(Mt 19,29).
E, bem por isso, Jesus determina as condições para
quem quiser seguí-lo:
·
“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo,
tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, irá
perdê-la; mas o que perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, irá
salvá-la. Com efeito, o que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e
arruinar a sua vida? Pois o que daria o homem em troca de sua vida? De fato,
aquele que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e de
minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele quando vier na glória
do seu Pai com os santos e anjos”. (Mc
8,34-38).
Renunciar-se a si mesmo significa não se preocupar tanto
com os próprios problemas, que talvez não sejam tão grandes e graves como se
imagina; é ir ao encontro do irmão que se encontra no seu leito de dor e o tira
do convívio da sociedade e, às vezes, até do convívio de seus familiares.
Renunciar a si mesmo é parar de reclamar do alto custo
das roupas que se usaria para ir ao baile do clube para ouvir o irmão que
reclama do alto preço do arroz, da carne, do pão, que, pelo seu baixo salário,
o deixa sem condições de abastecer a sua mesa com o mínimo necessário para a
manutenção e o sustento decente de sua família.
Renunciar a si mesmo significa esquecer-se um pouco de
si próprio para se lembrar do irmão necessitado e carente de... Deus...
Renunciar a si mesmo significa abandonar-se à
Providência Divina:
·
“Por isso lhes digo: não se preocupem com a sua vida
quanto ao que haverão de comer, nem com o seu corpo quanto ao que haverão de
vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? Olhem
as aves do céu: não semeiam nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E , no
entanto, vosso Pai Celeste as alimenta. Ora, não vocês não valem mais do que
elas? Quem dentre vocês, com as suas preocupações, pode acrescentar um só minuto
à duração da sua vida? E com a roupa, porque andam preocupados? Aprendam dos
lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam. E no entanto eu lhes asseguro que
nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste
assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançada ao forno, não fará
ele mesmo mais por vocês, homens fracos na fé? Por isso, não andem preocupados,
dizendo: ‘Que iremos comer?’ Ou, ‘Que
iremos beber?’ Ou, ‘que iremos vestir?’ De fato, são os gentios que estão à
busca de tudo isso: o vosso Pai Celeste sabe que vocês têm necessidade de todas
essas coisas. Busquem, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e
todas essas coisas lhes serão acrescentadas. Não se preocupem, portanto, com o
dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo. A cada dia
basta o seu mal.” (Mt 6,25-34).
Para cada dia bastam as suas próprias preocupações, e
cada dia tem as preocupações próprias, por isso Jesus orienta para preocuparmos
com o hoje, com o agora, com o minuto presente, pois que, o próximo minuto já
poderá não nos pertencer.
Se quisermos seguir Jesus, é necessário que tomemos a
nossa cruz de cada dia.
Geralmente achamos a nossa cruz pesada, e sempre
reclamamos disso. E, bem a propósito, vale aqui registrar uma pequena estória.
Certo cidadão vivia reclamando dos seus problemas, da sua cruz. Achava que a
sua cruz era pesada demais e que as dos outros não se comparavam com a sua por
considerá-las leves. Determinado dia foi reclamar com Jesus sobre o peso de sua
cruz, e Jesus, em sua infinita misericórdia e paciência, o leva até um campo
onde estavam depositadas milhares de cruzes, e diz ao reclamante que escolhesse
uma para si. Ele se pôs a procurar uma bem leve, passando por entre gigantescas
cruzes de todos os tamanhos e pesos, até encontrar uma bem pequenina que se
encontrava num canto. Feliz da vida a pega e diz para Jesus:
·
“Senhor eu
troco a minha cruz por essa.”
Jesus, então, lhe diz:
·
“Não há como
trocar, meu filho, essa cruz é a sua mesmo, da qual você tanto reclama. Veja
como os seus irmãos têm cruzes muito mais pesadas que a sua, e nenhum deles vem
aqui reclamar de seus pesos porque as aceitam com resignação e amor, e esses
terão a sua recompensa no céu”.
Isso é apenas uma pequena ilustração, mas que serve
para aqueles que só sabem reclamar dos seus problemas, ignorando os problemas
dos irmãos, que resignadamente, aceitam as suas cruzes.
Aceitar o dia como ele é. Problemas, preocupações,
desilusões, sempre as teremos. Faz parte
do nosso dia-a-dia. A nossa cruz de cada dia é a nossa própria vida vivida
minuto a minuto, com todas as suas alegrias e tristezas, realizações e
frustrações, saúde e doença, felicidade e desilusões, e tudo o mais o que a
vida nos oferece a cada momento.
A nossa cruz de cada dia apresenta-se de muitas
maneiras, de vários modos, tamanhos e lugares diversos; mas, qualquer que seja
o seu tamanho e o seu peso, devemos tomá-la com amor, sem reclamar, assim como
fez o próprio Jesus, e, como Jesus, devemos carregá-la rumo ao nosso Calvário,
porque, se não passarmos pelo Calvário, jamais chegaremos à glória da
ressurreição.
Pedro, Apóstolo, sem dúvida, estava inspirado pelo
Espírito do Pai quando escreveu:
·
“É louvável que alguém suporte aflições, sofrendo
injustamente por amor de Deus. Mas que glória há de suportar com paciência, se vocês
são bofeteados por terem errado? Ao contrário, se, fazendo o bem, vocês são
pacientes no sofrimento, isso sim constitui uma ação louvável diante de Deus.
Com efeito, para isto é que vocês foram chamados, pois que também Cristo sofreu
por vocês, deixando-lhes um exemplo, a fim de que vocês sigam os seus passos.
Ele não cometeu nenhum pecado; mentira nenhuma foi achada em sua boca. Quando injuriado, não revidava; ao
sofrer, não ameaçava, antes, punha a sua causa nas mãos daquele que julga com
justiça. Sobre o madeiro, levou os nossos pecados em seu próprio corpo, a fim
de que, mortos para os nossos pecados, vivêssemos para a justiça. Por suas
feridas vocês foram curados, pois estavam desgarrados como ovelhas, mas agora vocês
retornaram ao Pastor e Supervisor de suas almas.” (1Pd 2,19-25).
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