SÃO BENEDITO, O NEGRO
- 1526-1589
Corria o
ano de 1589. Em uma pobre cela no convento franciscano de Santa Maria de Jesus,
a três quilômetros de Palermo, sul da Itália, o enfermeiro observa o irmão
leigo, iletrado, que faz alguns movimentos no leito de dores em que se encontra
há dois meses.
Seu
rosto, alquebrado pela fadiga de 63 anos transcorridos em meio a intensas
atividades apostólicas, em dado momento ilumina-se. Sua boca se abre e os olhos
tornam-se fixos e extáticos. "É o fim, o irmão está cruzando o
limiar da eternidade" - pensou o enfermeiro. E sai correndo a
fim de chamar outros frades para as derradeiras orações que se fazem pelos
agonizantes. O doente, entretanto, terminado o êxtase e após o retorno do
enfermeiro, diz-lhe: "Fique tranqüilo. Eu o avisarei
do dia e hora da minha morte. Vou falecer no dia 4 de
abril". Ao
que o enfermeiro retruca: "Imagine, Frei, como esta casa
ficará cheia!" Pois ele bem conhecia a extraordinária fama de
santidade daquele frade, a qual foi tão grande por toda parte, quando ainda
vivo, que raramente se encontra algo semelhante na História da Igreja. "Pode ficar sossegado, não virá
ninguém", garantiu-lhe
o Santo. As duas profecias cumpriram-se ao pé da letra.
Com
efeito, no dia da morte e do sepultamento houve um grande afluxo de gente para
a festa do Divino, numa igreja do Espírito Santo, nos arredores de Palermo, e
por isso ninguém foi ao convento. No dia aprazado, o Santo recebeu o consolo
dos Sacramentos da Igreja: confissão, comunhão, extrema-unção, inclusive a bênção
papal. O
enfermo senta-se na cama e, olhando para o céu, reza e contempla. Invoca seus
santos padroeiros: São Francisco de Assis, São Miguel Arcanjo, os Apóstolos São
Pedro e São Paulo. Em determinado momento das orações, e depois de uma visão de
Santa Úrsula, Benedito - é esse o nome do moribundo - pronuncia em alta voz: "Em
vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito". Em seguida,
deita-se, fecha os olhos e dá o último suspiro. Naquele exato momento, não
longe dali, Benedita Nastasi, de 10 anos de idade e sobrinha do Santo,
observando uma pombinha que entrara dentro de casa, ouviu a voz do tio: "Benedita, queres alguma coisa de lá. - "De lá, onde, meu tio?" - indaga a menina. - "Lá do Céu, minha filha" - completa a conhecida voz. E a
pombinha desaparece ...
Nosso tão
popular São Benedito, o Negro, chamava-se Benedito de São Filadelfo, pois tal
era o nome da localidade (hoje San Fratello) perto de Messina (Sicília) onde
ele nasceu em 1526.
Era filho
de escravos etíopes, comprados pela família Manasseri. Sabe-se que o Santo foi
pastor, tornando-se depois eremita. Para obedecer a uma ordem do Papa,
ingressou posteriormente como irmão leigo na Ordem Franciscana, no convento de
Santa Maria de Jesus, nas imediações de Palermo. Ali se notabilizou como
cozinheiro milagroso, pois, com frequência, os Anjos do Céu desciam para
ajudá-lo na preparação das refeições.
Apesar de
iletrado e de ser apenas irmão leigo, eram tais os dons e carismas com os quais
a Divina Providência ornou sua alma, que foi eleito Superior e Mestre de
Noviços do convento. A exemplo do Seráfico Pai São Francisco, seu Fundador, o
sem número de milagres e prodígios operados já em vida por São Benedito
constituem também verdadeiros fioretti. Impossível referi-los todos.
Resta-nos mencionar ao menos alguns.
Cura de cancerosa
Antes de
fixar-se no convento de Santa Maria, Benedito levou vida eremítica em Nazana,
durante oito anos, e em Mancusa, na região de Palermo. Então, sua fama de
santidade já ia alta. Certo dia em que atravessava Mancusa, chamaram-no para
ver uma doente num casebre. "Não posso fazer muita coisa por
ela, pois não sou sacerdote. Mas posso fazer-lhe uma visita e rezar por
ela",respondeu. "Me acode, Frei", gritava a pobre mulher, roída
por um câncer no seio, que se alastrava terrivelmente. "Me
dá uma bênção, por amor de Deus!" Condoído pelas dores da enferma
e pela aflição de seus familiares, o Santo aproximou-se do leito, rezou com
todos os presentes, animou a enferma a ter Fé em Deus, e depois, a pedido dela,
traçou o sinal da cruz sobre a chaga do seio. Instantaneamente foi curada,
restando-lhe uma cicatriz apenas! Logo em seguida, Benedito bateu em retirada,
para fugir de qualquer agradecimento ou louvor.
Ressurreição de
mortos
Certa
vez, quatro senhoras de Palermo - Eulália, Lucrécia, Francesca e Eleonora, esta
última com o filho de cinco meses nos braços vieram visitar o Santo no convento
de Santa Maria. De regresso à cidade, ainda perto do convento, a carroça virou
e prensou a criança, que teve morte instantânea. Os frades vieram socorrê-las,
e Benedito deparou-se com a patética cena da mãe abraçada ao corpinho disforme.
Benedito
aproximou-se e disse: "Pare de chorar. A criança não
está morta; pode dar-lhe de mamar". Os circunstantes pensavam que o
Santo delirava. Entretanto, mal a mãe lhe obedecera, a criança começou a
sorrir, deixando a todos atônitos. Fato análogo sucedeu com o filho de João
Jorge Russo. Quando visitava o convento com sua esposa e alguns parentes, a
carroça em que viajavam caiu de uma ponte e a criança ficou esmagada. "Tenham muita confiança
Esse
recurso à mediação da Santíssima Virgem, aliás, era uma constante em todas as
intervenções de São Benedito. Todos se ajoelharam e começaram a rezar; ato
contínuo, a criança abriu os olhos, despertando do sono da morte. Antes mesmo
de fazer-se eremita - e talvez este tenha sido o primeiro milagre operado por
São Benedito -, trouxeram à sua presença uma criancinha morta. Condoído, o
Santo tomou aquele corpo inanimado em seu braço esquerdo, e com a mão direita
fez o sinal da cruz sobre a pequena fronte enregelada. Após os presentes
rezarem o Pai Nosso e a Ave Maria, o milagre da ressurreição se realizou!
Milagre das flores
São Benedito
tinha o costume de recolher os restos de comida do convento em seu avental de
cozinha, para distribuí-los depois aos pobres. Certa vez o Santo encontrou-se
com o vice-rei da Sicília, Dom Marcantonio Colonna, que, atraído pela fama de
sua santidade, veio visitá-lo.
Curioso,
o ilustre visitante perguntou a Benedito o que levava com tanto cuidado. Ele
simplesmente abriu o avental e mostrou ... flores, tão frescas e aromáticas,
que o vice-rei levou-as para o altar de sua capela particular.
Peixes que aparecem e
pães que se multiplicam
Em certa
ocasião acabaram as provisões do convento. Era inverno e chovia
torrencialmente. E os religiosos não tinham sequer condições de sair para pedir
esmolas. Benedito pediu a um frade, que o auxiliava na cozinha, que abrisse os
Santos Evangelhos em qualquer lugar e lesse o que estava escrito.
A
seguinte passagem foi lida: "Não vos preocupeis com a vossa
vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo, quanto ao que
haveis de vestir. Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam
Iluminado
por essas palavras e movido pela sua heróica confiança na Providência, o Santo
pôs-se a agir. Encheu com água todas as panelas, tachos e latas grandes que
havia no convento. Na manhã seguinte, estavam cheios de peixes frescos, muitos
deles vivos.
Em outra
ocasião
O fato
chegou ao conhecimento de Benedito, que intimou o porteiro a chamar de volta
todos os pobres que ficaram sem pão: "Dê aos pobres tudo o que estiver
na cesta mandou
Benedito -, pois a Providência nos
socorrerá". Ao
obedecer, o irmão Vito notou maravilhado que o pão da cesta não se acabava
mais; quanto mais ele tirava, mais aparecia!
Os frades relapsos
Certa
vez, três noviços resolvem fugir do convento e voltar para casa. De madrugada
galgam o muro, e na rua, quando cantam vitória pela pseudo-façanha, divisam um
vulto que vinha ao seu encontro. Era Frei Benedito, que os interpela: "Que
jazem aqui a estas horas? Voltem já para o convento!" E os aconselhou a rezar muito
pela perseverança na vocação.
Meses
depois, eles caem de novo na tentação de fugir, e tomam o maior cuidado para
que ninguém saiba de nada. Quando novamente ganham a rua, dão de frente com
Frei Benedito, que abre os braços, dizendo: "Alto lá, onde pensam que
vão?" Os
três reconhecem um sinal de Deus a fim de perseverarem, pedem perdão ao Santo,
prometendo não mais reincidir na falta.
"O Santo, o
Santo”...
A cada
milagre que acontecia, o povo acorria à portaria do convento, aclamando e
louvando o Santo. Sua popularidade e veneração se tornaram tais que ele acabou,
certa vez, transtornando uma procissão de "Corpus Christi".
Nessa
ocasião, os frades tomaram parte na procissão da Catedral de Palermo. E São
Benedito foi designado para portar a cruz processional, à frente do cortejo. Ao
fixar os olhos no Crucificado, sentiu-se arrebatado pelo amor a Nosso Senhor e
entrou
Ao ver
aquilo, o povo irrompeu em gritos de admiração: "Olhem
o Santo, o Santo!" As
filas da procissão se desorganizaram completamente. Os encarregados da ordem
gritavam para que as pessoas se enfileirassem. Mas não houve jeito, e a
procissão retomou logo para a Catedral...
O corpo incorrupto
Quando,
após as comemorações do Divino Espírito Santo, o povo ficou sabendo que
Benedito havia falecido e já estava sepultado, todos se dirigiram para Santa
Maria de Jesus.
O túmulo
estava em local de difícil acesso, e o grande afluxo de peregrinos perturbava a
vida dos frades. E o seu número crescia a cada dia, na proporção em que se
difundia a notícia dos milagres operados junto à sepultura. Começaram a
implorar relíquias do Santo. Suas vestes e as roupas da cama onde faleceu foram
transformadas em tiras.
Até mesmo
sua cama e colchão foram reduzidos a pedacinhos, avidamente disputados pelos
visitantes. A 07 de maio de 1592, três anos após sua morte, seu corpo,
incorrupto e exalando suave perfume, foi colocado numa urna instalada em cavidade
aberta em parede da sacristia da igreja de Santa Maria de Jesus. Entretanto, a
sacristia logo transformou-se em capela, com o povo cantando, rezando, pagando
promessas. Isso durante dezenove anos a fio.
No dia 3
de outubro de 1611, com a presença do Cardeal Dória, o corpo de São Benedito
foi transladado novamente para magnífica urna de cristal numa capela lateral da
própria igreja de Santa Maria de Jesus, no antigo convento franciscano, a três
quilômetros de Palermo, cidade que, antes mesmo do reconhecimento oficial da
Igreja, tomou-o por Padroeiro, em 1652.
São
Benedito foi declarado bem-aventurado em 1763, por Clemente XIII, e canonizado
pelo Papa Pio VII em 25 de maio de 1807.
Culto no Brasil
O Estado
da Bahia foi o pioneiro na devoção a São Benedito em terras brasileiras. Já
antes mesmo de sua canonização havia lá uma irmandade em sua honra.
Simultaneamente, a devoção ao Santo deitou profundas raízes no Maranhão.
Sabe-se
da existência de imagens de São Benedito pelo menos desde 1680, em Olinda,
Recife, Igaraçu (PE), Belém do Pará e Rio de Janeiro. O mesmo sucedia
Um século
antes de ele ser declarado santo pela Igreja, já era venerado como tal nas
igrejas frequentadas pelos membros da Venerável Irmandade de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos (1707). E hoje a devoção ao Santo já é um fenômeno
nacional. Não faltam pelo Brasil afora paróquias, capelas, ou ao menos um altar
com a imagem do Santo Negro.
São comemorados também nesta data:
Santa Maria Francisca, Santa Erotides, Santa Alberta de Agen (mártir), São
Barto de Vaison (bispo), Santos Marcelo, Casto, Saturnino (mártires de Cápua).
Nenhum comentário:
Postar um comentário