domingo, 10 de outubro de 2021

 

"VÁ, VENDA TUDO, DÊ O DINHEIRO AOS POBRES, E VOCÊ TERÁ UM TESOURO NO CÉU”. (Mc 10,21).

 

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM

Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Sb 7,7-11; Sl 89; Hb 4,12-13; Mc 10,17-30.

 

Diácono Milton Restivo

 

A primeira leitura é tirada do livro da Sabedoria que é o último livro escrito no Antigo Testamento, por volta do ano 50 aC.

Na passagem abordada, o autor sagrado diz que a sabedoria é o maior dom que o homem pode receber do seu Criador e que é mais valiosa que todos os bens da terra:

·         “Eu a preferi aos cetros e tronos e, em comparação com ela, considerei a riqueza como um nada. Não a comparei com a pedra mais preciosa, porque todo o ouro, ao lado dela, é como um punhado de areia. E junto dela a prata vale o mesmo que um punhado de barro.” (Sb 7,8-9).

Na sequência do seu Evangelho, Marcos diz que Jesus

·         “ao retornar seu caminho, alguém correu e ajoelhou-se diante de Jesus, perguntando: ‘Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna’?” (Mc 10,17).

A narrativa de Marcos deste domingo está contida, também, em Mateus 19,16-22 e Lucas 18,18-23, e a pessoa que se dirige a Jesus é qualificada como “o moço, ou o jovem rico”.

Em Marcos, o homem que se dirigiu a Jesus, numa atitude de respeito e adoração, pois “ajoelhou-se diante dele”, pela pergunta formulada, aparentemente tinha um respeito profundo por Jesus e demonstrava boas intenções, como nos demais Evangelhos.

Era alguém que, possivelmente, seguia à risca a Lei de Moisés e já ouvira os ensinamentos de Jesus e acreditava que Jesus tinha o mapa que indicava o caminho para a casa do Pai.

À primeira vista parece ser uma pessoa instruída, de apurada educação ou, simplesmente bajuladora, pois que não se contenta em somente chamar Jesus de Mestre; tentando ser agradável, o chama de “bom Mestre”.

Aparentemente Jesus refuta esse elogio ou bajulação atribuindo esse adjetivo a Deus:

·         "Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão só Deus." (Mc 10, 18).

Demonstrando com isso que, mesmo sem o saber, aquela pessoa ao chamar Jesus de "bom Mestre", admitia e afirmava a divindade de Jesus.

Os Evangelhos não declinam o nome desse "alguém", tendo ficado, no Evangelho de Mateus conhecido como “o jovem rico”, ou “o rico de notável posição”, ou ainda “o moço rico”, portanto, vamos nos referenciar a ele como o “jovem rico”.

Não sendo citado o seu nome fica mais fácil nós mesmos atribuirmos a ele o nosso próprio nome; colocarmos-nos no lugar desse jovem rico, nos dirigirmos a Jesus e fazer a mesma pergunta; correr até Jesus, cair de joelhos à seus pés em atitude de adoração, e perguntar-lhe:

·         “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (Mc 10,17).   

E Jesus nos responderia: “... se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos.”

Num primeiro momento, Jesus coloca diante do jovem as exigências conhecidas por todo judeu piedoso e ensinadas pelas escolas rabínicas - o cumprimento dos mandamentos.

Mas o homem – que, sem dúvida, era um praticante piedoso da Lei – sente que isso não é o suficiente, antes, é o mínimo. Então, quer saber mais.

O jovem rico perguntou, e perguntaríamos também: “Quais?”, e Jesus responde:

·         “Estes: Não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho; honra pai e mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo.”

E assim Jesus põe diante dele as mínimas exigências do Reino – o seguimento a Jesus, o despojamento dos bens e a partilha e solidariedade.

E, ainda, como o jovem rico, ficaríamos contentes por julgarmos que tudo isso que tenhamos feito e o fato de cumprirmos aqueles mandamentos nos daria a quase certeza de já termos as chaves do céu e condições de herdar a vida eterna e, com alegria, com a certeza de já termos conseguido a salvação eterna, responderíamos a Jesus, com a certeza do dever cumprido, assim como fez o jovem rico:

·         “Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?” (Mt 19,17-20).

Talvez, diríamos mais ainda:

·         Todos esses mandamentos tenho guardado, Senhor: eu nunca transgredi os mandamentos da Lei do Senhor; eu nasci numa família cristã e temente a Deus, participei das escolas dominicais da minha comunidade, não perco uma missa aos domingos e dias santos, eu nunca matei e nem feri ninguém; jamais cometi adultério; nunca roubei; nunca falei mal de ninguém nem prejudiquei quem quer que seja; eu amo o meu pai e minha mãe, aliás, eu até cuido deles, eles moram comigo Que me falta ainda?”.

E Jesus, ao ouvir isso, como fez com o jovem rico, voltaria para nós o seu olhar e nos olharia no mais profundo dos olhos, continuaria a nos amar com a mesma intensidade que só Deus sabe amar, ainda que sabendo e conhecendo as nossas limitações e pretensões equivocadas de santidade, nos diria, cheio de doçura e amor:

·         “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.” (Mc 10,21).

Isso o jovem é incapaz de aceitar. Isso nós somos incapazes de aceitar.

O jovem estava amarrado aos seus bens, pois era muito rico, e nós, apesar de menos ricos, somos apegados demais às pouquíssimas coisas que nos prendem neste mundo.

O jovem fez a sua opção – optou por uma vida “regular” que não exigisse partilha nem despojamento e, como consequência, foi embora “muito abatido”, pois tinha colocado bens secundários acima do bem maior. 

Quantas vezes, a cada um de nós, Jesus tenha feito essa mesma proposta?

Vender pode ser não desfazer dos bens, mas partilhar; o que temos recebemos do Senhor, portando somos apenas administradores dos bens que Deus coloca em nossas mãos e, sob a nossa administração, esses bens devem ser partilhados, e quem partilha com generosidade os seus bens, só tem um caminho: o seguimento a Jesus. 

Quando Jesus dirige-se a alguém e profere o chamamento “segue-me”, ele está convidando e convocando esse alguém para o apostolado, assim como fez com todos os doze apóstolos que os convocou com esse chamamento.

A opção de seguir Jesus é de cada um, nos é dado o direito da escolha: podemos tomar a iniciativa de seguí-lo ou não, como diz a música do Padre Zezinho: “a decisão é sua”.

Os atrativos do mundo são obstáculos para tomarmos posse das coisas do céu. Cumprimos os mandamentos de Deus, e nos vangloriamos disso; participamos de todos os ritos e rituais da Igreja, e por isso nos julgamos superiores aos que não o fazem; cumprimos todas as determinações que nos são sugeridas ou impostas por uma religiosidade flácida, tênue e descompromissada e, além do mais, somos por demais apegados às coisas materiais.

E, por isso, julgamos já ter comprado um lote no céu e já ter recebido a chave do apartamento, só faltando o passaporte para a grande viagem.

O desapego dos bens materiais não é fácil; muito pelo contrário, lutamos sempre para ter mais e mais e, quanto mais conseguimos mais queremos e mais nos afastamos do irmão, porque o irmão menos afortunado não tem condições de competir com a nossa ânsia de poder.

Jesus disse ao jovem rico:

·         “Uma só coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mc 10,21),

Ao ouvir isso o jovem rico:

·         “... porém, contristado com essa palavra, saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.” (Mc 10,22).

O jovem rico possuía muitos bens, muitas propriedades, muitas joias, muito dinheiro, muitas coisas a se apegar.

Qual teria sido o pensamento que passou na cabeça desse jovem quando Jesus lhe propôs se desfazer-se dos seus bens? Em primeiro lugar, a mentalidade judaica era que os ricos eram os abençoados por Deus, pois, na interpretação deles, Deus acumulava de riquezas quem ele amava.

Segundo a teologia da prosperidade, no entendimento dos judeus, os ricos eram os queridos de Yahweh, enquanto os pobres e os doentes eram por ele amaldiçoados.

Possivelmente faria como nós mesmos faríamos e diríamos:

·         “o pobre é que vai trabalhar como eu trabalhei para conseguir o que eu consegui. Trabalhei tanto, consegui tudo e agora vou dar tudo de mão beijada? Tudo, menos isso”.

Os bens materiais, erroneamente usados, têm força tamanha que nos prende ao mundo.

O chamamento de seguir a Jesus e o seguimento a Jesus tem a força de nos libertar dessa atração terrena e nos atrair para os bens celestes.  Talvez não possuamos tanto, mas o pouco que temos já é um grande obstáculo para possuirmos a vida eterna.

Talvez, o “vender tudo” queira dizer: desfaça-se do seu egoísmo, do seu orgulho, da sua vaidade, da sua avareza, da sua falta de amor, da sua frieza para as coisas de Deus, da sua apatia no relacionamento com o próximo e tudo o mais que coloca obstáculo ao nosso relacionamento com as coisas do céu.

Jesus diz claramente, sem rodeios:

·         “Só uma coisa te falta: vai, vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me” (Mc 10,21),

Como já havia dito antes:

·         “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3);

·         “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o caruncho os corroem e onde ladrões arrombam e roubam, mas ajuntai para vós tesouros nos céus, onde nem a traça, nem o caruncho corroem e onde os ladrões não arrombam nem roubam; pois onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt 6,19-21).

Só uma coisa falta para herdar o reino dos céus: desapegar-se das coisas da terra, das coisas do mundo, das coisas que as traças e os carunchos corroem e os ladrões arrombam e roubam, mas que é tão difícil dispor delas, ainda mais para atender, com elas, as necessidades dos menos afortunados. É aquilo mesmo que Jesus diz:

·         “... onde está o teu tesouro aí estará também o teu coração.” (Mt 6,21).

O nosso coração está por demais apegado às coisas da terra.

Ao ouvir a determinação do Mestre de dispormos dos nossos bens materiais e dos nossos vícios e defeitos para seguí-lo, fazemos como o jovem rico: ficamos entristecidos, viramos as costas e nos afastamos de Jesus, e, ai então:

·         “... Jesus, olhando em torno, disse a seus discípulos: ‘Como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,23).

Como é difícil alguém, apegado às coisas materiais, apegado a seus defeitos e vícios, e sem nenhum interesse de se converter, de mudar de vida e mentalidade, entrar no Reino de Deus.

Não é suficiente cumprir mandamentos. É necessário, antes de qualquer coisa, vivê-los, porque:

·         “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21).

·         “Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” (Mt 6,24).

Jesus é taxativo, não deixa dúvidas a respeito disso, quando diz:

·         “... portanto, qualquer de vocês, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14,33).      

Ao ouvirem Jesus dizer:

·         “Como é difícil a quem tem riquezas entrar no reino de Deus!’, os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Jesus, porém, continuou a dizer: ‘Filhos, como é difícil a quem tem riquezas entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus’!” (Mc 10,24-25).

O centro do relato está no debate entre Jesus e os seus discípulos. Jesus afirma que:

·         “é mais fácil passar um camelo pelo buraco duma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,25).

Os discípulos ficam “muito espantados” quando ouviram isso e se perguntaram “então quem pode ser salvo?”.

Porque ficaram espantados? O que houve de espantoso na colocação de Jesus?  Aqui está o âmago da questão. Os discípulos, realmente, ficaram admirados, como também nós ficaríamos e ficamos admirados com essa afirmativa e, como eles, também diríamos:

·         “Então, quem pode ser salvo?” (Mc 10,26).

Realmente, ninguém poderá ser salvo se não receber Jesus como seu Salvador e aceitar a sua palavra de vida eterna, porque, nos diz Jesus:

·         “... sem mim, nada podeis fazer.” (Jo 15,5).

Jesus, vendo os discípulos admirados ao afirmar que é difícil um rico entrar no Reino dos Céus e perguntarem:

·         “Então, quem pode ser salvo?”, fitou-os, disse: ‘Aos homens é impossível, mas não a Deus, pois para Deus tudo é possível’.” (Mc 10,26-27).

Talvez, se o jovem rico tivesse atendido ao convite do Mestre, teria sido escolhido como mais um de seus apóstolos. O chamamento que Jesus fez a esse jovem foi o chamamento para o apostolado, foi o mesmo chamamento que ele fez a todos e a cada um dos apóstolos:

·         “venha e sigam-me”. (Mc 10,21)

E quem poderia dizer que, ao invés de doze, não teríamos treze apóstolos?

Talvez, se tivesse se desapegado de seus bens materiais, teria sido ele um fervoroso seguidor do Mestre, como o foi Pedro, Tiago, João, André e todos os demais, e hoje o honraríamos, como honramos todos os que foram apóstolos de Jesus.

Por não ter aceitado o convite de Jesus, hoje, para nós, esse jovem é simplesmente um anônimo de quem desconhecemos até o próprio nome, um ilustre desconhecido, e nada temos de qualquer coisa que o pudesse identificar.

Ele apenas conhecia e dizia ser cumpridor dos mandamentos do Senhor, mas se descuidou em vivenciá-los, principalmente os mais importantes:

·         “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo.” (Lc 10, 27).

A doutrina de Jesus Cristo está alicerçada no desapego dos bens do mundo, e Tiago, como os demais apóstolos, e todos os santos da Igreja do Cristo, abraçou essa doutrina e a viveu nos moldes apresentados pelo Divino Mestre, conforme ele mesmo escreveu em sua carta 4,13-17 e 5,1-6.

Desapego não sugere não possuir, mas partilhar o que tem.

Ter bens não é pecado; pecado é querê-los e retê-los todos só para si, porque o pão não é meu nem seu, o pão é nosso, como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso.

Seguir a Jesus implica, em primeiro plano, o desapego total às coisas que promovem a injustiça e o desamor, a insatisfação e, dentre essas coisas, está o apego demasiado às coisas terrenas, às riquezas que não podemos levar para a vida eterna, a vida que não se acaba mais.

A escolha é sempre nossa, somente nossa: “a decisão é sua”...       

O direito de opção é de cada um, porque:

·         "Aquele que acha a sua vida, vai perdê-la, mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai achá-la." (Mt 10,39). 

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