XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM
“E TODOS FICARAM SATISFEITOS”. (Jo 6,12).
Diácono Milton Restivo
Jesus, para fugir da perseguição, violência e opressão
de Herodes, atravessa o mar da Galiléia. Isso nos traz à memória a travessia do
mar Vermelho feita por Moisés e o povo israelita para fugir da violência e
opressão do faraó e da escravidão do Egito. O povo israelita, na fuga do Egito,
era uma grande multidão e, Jesus “Levantando
os olhos viu uma grande multidão que a ele acorria...” (Jo 6,5).
Lucas nos diz que a multidão percebeu que o barco
havia atracado em Betsaida, e chegou lá antes de Jesus, para isso, percorreu
uma distância de oito quilômetros para ir onde estava Jesus.
Quando Jesus subiu naquele barco e atravessou para o
lado de Betsaida, com certeza, buscava um tempo de privacidade e descanso. Mas
aquele povo não tinha limites. Aqueles cinco mil homens, sem contar mulheres e
crianças, vão correndo pela margem do lago para se encontrar com Jesus.
Jesus já havia feito milagres, já havia ensinado a
eles, mas eles estavam ali ao seu encalço.
A Palavra de Deus nos diz que Jesus olha para a
multidão e a vê como “ovelhas sem pastor” (Mc
6,34). Jesus enxerga aquele povo como um
rebanho de ovelhas carente e necessitado.
Ao chegar a Betsaida e ao ver a multidão, Jesus
poderia ter ido mais além, ou voltado para onde estava anteriormente. Mas, pela
sua bondade e misericórdia, resolveu parar ali e abordar aquele grupo. Isso
porque viu, na multidão que está à sua volta, um grupo de ovelhas sem pastor.
No Antigo Testamento, na travessia do deserto rumo à
Terra Prometida, o povo israelita estava faminto e reclamava para Moisés: “Quem nos dará carne para comer?” (Nm
11,4), e Moisés faz uma súplica emocionante para Iahweh: “Onde acharei carne para dar a todo esse povo, visto que me importuna
com as suas lágrimas, dizendo: ‘Dá-nos carne para comer?’.” (Nm 11,13).
E Jesus “Levantando os olhos viu uma grande multidão”. (Jo 6,5).
Posteriormente ficamos sabendo que se tratava de cinco
mil homens, claro, do sexo masculino. Os outros evangelistas dizem que eram
cinco mil homens, e mais mulheres e crianças: “Ora, os que comeram eram cerca de cinco mil homens, sem contar
mulheres e crianças.” (Mt 14,21).
Somando essa numerosa multidão teríamos pelo menos dez
mil pessoas entre homens, mulheres e crianças. Todos querendo ver e tocar
Jesus.
Quando Jesus se viu diante daquelas pessoas, percebeu
que era uma ótima situação para passar o ensino, a Palavra e os conceitos de
Deus a elas.
Esse é também um privilégio do cristão, como fala
Paulo em Romanos 10,14-17: “Como, pois,
invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram
falar? E como ouvirão se não houver quem pregue? E como pregarão se não forem
enviados?” Como também está escrito em Isaias: “Como são belos sobre os
montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que apregoa
a vitória, que diz a Sião: ‘Já reina o teu Deus”. (Is 52,7). No
entanto, nem todos os judeus aceitaram as boas novas que foram anunciadas,
primeiramente, a eles, pois Isaías diz: “Senhor,
quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor?”. (Is
53,1; Jo 12,38).
Ao ver aquela situação, Jesus viu que a multidão não
tinha alimento e estava faminta, e dirige-se a Felipe, dizendo: “Onde vamos comprar pão para que eles possam
comer?” (Jo 6,5).
Jesus, claro, sabia que atitude deveria tomar naquelas
circunstâncias, mas não perde a oportunidade de testar os seus discípulos numa
emergência como essa.
Filipe pensou exclusivamente com sua mente e critérios
humanos: “Vão ser necessários duzentos denários, para alimentar dez mil pessoas”.
Felipe não pensou nada mais, além disso. Aliás, qualquer um faria
facilmente essa conta. A única variante na mente de Filipe é a variante que
reina no mundo: somente se resolve os problemas à custa do dinheiro.
O texto não diz nada sobre André possuir fé ou não.
André simplesmente constata que havia um rapaz com dois peixes e cinco pães de
cevada, o pão mais simples da época, naquela região. Cinco pães de cevada e
dois peixes eram o sustento diário do pobre. O menino colabora em sanar a fome
da multidão entregando o seu sustento!
Era o pão do povo. Aquela região era até conhecida por
ser produtora de trigo, mas os pobres comiam pão de cevada. Era um pão pequeno,
assado em uma grelha, ou em pedras quentes.
O rapaz também tinha dois peixinhos. Tratava-se de um
peixe pequeno, salgado, que era misturado com o pão, e lhe dava algum tipo de
sabor. Porém, André mesmo reconhece que não tem recursos necessários, em apenas
cinco pães e dois peixinhos.
André, ao ver a quantidade de pessoas e ter diante de
si o menino com somente cinco pães e dois peixes, pensa, também como pensam os
que acreditam somente nos bens materiais, e diz: “Mas o que é isso para tanta gente?” (Jo 6,9).
Jesus deve ter amargamente sorrido da descrença de
seus discípulos e de seus apegos às coisas materiais e, "Jesus tomou os pães e, depois de ter dado graças, distribuiu-os
aos presentes, assim como os peixes, tanto quanto queriam!" (Jo 6,11).
Com esta frase João evoca o gesto da Última Ceia
conforme vemos na Primeira Carta aos Corintios, 11,23-24: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de
dar graças, partiu-o e disse¨’Isto é meu corpo que é dado para vocês; façam
isso em memória de mim”.
A Eucaristia, quando celebrada como deve ser, levará
as pessoas à partilha como levou o menino a entregar seu sustento para ser
partilhado.
O interessante é que, enquanto em Mateus 14,17 Jesus
determina que os próprios apóstolos distribuam o pão: “Dai-lhes vós mesmos de comer”, em João é o próprio Jesus que começa a repartir aqueles pães e peixes: “Jesus
tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto
quanto queriam” (Jo 6,11), mas à medida que as pessoas pegam, o pão se
multiplica.
Não falta alimento, e João
confirma isso em 6,11: “Eles comeram
o quanto queriam”, e 6,12
acrescenta: “eles estavam fartos”. Comeram o que quiseram e ainda
sobraram doze cestos de pães.
O número doze, no Antigo Testamento, evoca a
totalidade do povo israelita com suas doze tribos e, no Novo Testamento o
número dos doze Apóstolos, colunas mestras da Igreja que começa a se delinear.
João não informa se sobrou algo dos peixes. O que interessa a ele é evocar o
pão como símbolo da Eucarística.
O evangelho de João não tem a descrição da Ceia
Eucarística, mas descreve a multiplicação dos pães como símbolo do que deve
acontecer nas comunidades através da celebração da Ceia Eucarística. E sobraram
doze cestos de pães.
Se, por um lado, Jesus veio para que tenhamos vida em
abundância: “Eu vim para que vocês tenham
vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10), por outro lado ele quer deixar
claro que seria bom notar que também é um Deus econômico.
Nos versículos 12 e 13 disse Jesus: “Recolham os pedaços que sobraram para que
nada se perca”. Que nada seja
desperdiçado. Então os apóstolos os ajuntaram e encheram doze cestos com os
pedaços de cinco pães de cevada deixados por aqueles que tinham comido.
Naquela cultura havia o pensamento de que o
desperdício de alimento era uma afronta a quem o dava, ou seja, a Deus. Também
consideravam uma afronta ao pobre. Jesus, da mesma forma, manda que recolham o
que sobrou, ensinando com isso: “Eu tenho multiplicado, sou capaz de dar em abundância,
mas não tratem com pouco caso a bênção, a expressão de poder que eu tenho.
Guardem o excedente”; “Recolham os
pedaços que sobraram, para que nada se perca”. (Jo 6,12). Jesus, movido
pela sua bondade, supre-os, naquela situação de crise, a ponto de sobrar. Mas, “vendo
o sinal que Jesus tinha realizado aqueles homens exclamavam: ‘Este é
verdadeiramente o profeta, aquele que deve vir ao mundo”. (Jo 6,14). E queriam fazê-lo rei.
A mensagem do profeta estava em Deuteronômio: “Yahweh teu Deus suscitará um profeta como
eu no meio de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis.” [...] “Vou suscitar para eles um profeta como tu,
do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes
comunicará tudo o que eu lhes ordenar.” (Dt 18,15-19). Eles esperavam esse
profeta que seria semelhante a Moisés.
Uma das características do profeta Moisés se mostra
quando o povo estava sob seus cuidados no deserto, Deus manda pão dos céus, o
maná: “Eis que vou fazer chover para
vocês pão do céu” [...] Isso é o pão
que Yahweh lhes deu para comer”. (Ex 16,4.15).
O maná era recolhido diariamente para suprir a
alimentação deles. Agora Jesus está multiplicando pão e dando a eles numa época
bem perto da Páscoa, festa que se relacionava também com Moisés, e os homens
lembram: “Como Moisés nos trouxe pão,
Ele também nos trouxe”, ou seja, “Ele é como Moisés”.
Mas vejam o que faz Jesus: “Jesus, sabendo que pretendiam
vir a proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente sozinho para o monte”.
(Jo 6,15). Jesus viu que aqueles homens tinham percebido, pelo menos por
interesse, que ele era o profeta, e que eles poderiam fazer dele o rei, porque,
com certeza não passariam mais fome, pois ele tinha o poder de multiplicar
alimento e saciar a fome do povo.
Também, talvez, eles estivessem imaginando que
poderiam se libertar do domínio de Roma, embora não sofressem tanto debaixo
desse domínio quanto Jerusalém, mas também tinham seu nível de sujeição. Vendo,
portanto, que Jesus tinha poder, podia curar as doenças (não precisariam mais
de médicos) e dar comida (não precisariam mais trabalhar), e queriam fazer de
Jesus algo que ele mesmo não desejava, naquele momento. Jesus recusou e fugiu
dali quando o povo quis fazer dele aquilo para o qual ele não viera, ou seja,
ser um rei de um reino deste mundo.
No Evangelho do próximo domingo, que será a
continuação do que meditamos hoje, Jesus dirá: “Eu sou o pão da vida”. (Jo 6,24-35), e, no domingo subsequente ele
afirmará: “Eu sou o pão que desceu do
céu”. (Jo 6,41).
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