TERCEIRO
DOMINGO DA PÁSCOA
Ano –
B; Cor – Branco; Leituras: At 3,13-15.17-19; Sl 4; 1Jo 2,1-5; Lc 24,35-48
“E
VOCÊS SÃO TESTEMUNHAS DISSO” (Lc 24,48).
Diácono Milton Restivo
Nos domingos do Tempo Pascal a Igreja focaliza, nas
primeiras leituras de cada liturgia, o livro dos Atos dos Apóstolos.
No domingo da Páscoa da Ressurreição Pedro tomou a
palavra em praça pública e, depois de um longo discurso testemunhando o Cristo
ressuscitado, arremata, dizendo:
·
“Todo aquele
que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados.” (At 10,43).
No segundo domingo, que foi o domingo passado, esse
mesmo livro relata como era a igreja que estava se iniciando, dizendo que
·
“a multidão
dos fiéis era um só coração e uma só alma”, que “os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” e
que, entre os primeiros cristãos “ninguém passava necessidade”. (At
4,32.33.34).
Neste terceiro Domingo da Páscoa, os Atos narram Pedro
dirigindo-se ao povo, novamente em praça pública após haver recebido o Espírito
Santo em companhia de Maria, a Mãe de Jesus e dos demais apóstolos e discípulos
(cf At 2,1-13), testemunhando, destemidamente, o Cristo ressuscitado, dizendo
que eles, os apóstolos, eram testemunhas do julgamento iníquo do Filho de Deus
e de sua morte e ressurreição dizendo: “e disso nós somos testemunhas” (At
3,15), arrematando, dizendo:
·
“Portanto,
arrependam-se e convertam-se para que os pecados de vocês sejam perdoados.” (At 3,19).
O Salmo desta liturgia é o 4, que é uma oração
individual de extrema confiança em Yahweh, através do qual o pobre adquire
forças para enfrentar os inimigos e encorajar, assim, seus próprios
companheiros:
·
“Quando te
invoco, responde-me, ó Deus, meu defensor! Na angústia tu me aliviaste: tem
piedade de mim, ouve a minha prece! [...]
Saibam que Yahweh faz maravilhas por seu fiel: Yahweh ouve quando o invoco. [...]
Em paz me deito e logo adormeço, porque só tu, Yahweh, me fazes viver
tranquilo.” (Sl 4,2.4.9).
Este Salmo dá ao fiel a tranquilidade da presença de
Deus em sua vida e da sua misericórdia derramada abundantemente, e que o Senhor
não leva em consideração os pecados quando a ele se volta, cheio de confiança,
o pecador.
Na segunda leitura, na sua primeira carta, João
tranquiliza o fiel que tenha cometido algum deslize contra os ensinamentos do
Senhor, e atesta que,
·
“se alguém
pecar, temos junto do Pai um defensor: Jesus Cristo, o justo. Ele é a vítima de
expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos pecados, mas também pelos
pecados do mundo inteiro.” (1Jo
2,1-2).
João é taxativo e não deixa margem a dúvidas num teste
se o fiel segue realmente os mandamentos, quando afirma:
·
“Quem diz: ‘Eu
conheço Deus’, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não
está nele. Naquele, porém, que guarda a sua palavra, o amor de Deus é
plenamente realizado.” (1Jo 2,4-5).
O Evangelho desta liturgia, apesar de a Igreja
privilegiar o Evangelho de Marcos neste ano litúrgico, traz uma passagem do
Evangelho de Lucas.
Os acontecimentos que antecedem a narrativa exposta
neste domingo é uma passagem que só é narrada por Lucas e por nenhum mais dos
outros Evangelistas: os discípulos de Emaús (cf Lc 24,13-35).
A narrativa desta liturgia começa exatamente quando
termina a dos discípulos de Emaús, no seu versículo 35, quando, após a
manifestação de Jesus a eles e eles haverem reconhecido o Mestre ao partir o
pão,
·
“na mesma hora
eles se levantaram e voltaram para Jerusalém, onde encontraram os Onze,
reunidos com os outros.” (At 24,33).
Pelo visto, os apóstolos já tinham conhecimento da
ressurreição do Mestre porque confirmaram, dizendo:
·
“Realmente, o
Senhor ressuscitou e apareceu a Simão’!” (Lc 24,34).
Na sequência os discípulos de Emaús
·
“contaram o
que tinha acontecido no caminho, e como eles tinham reconhecido Jesus quando
ele partiu o pão.” (At 24,35).
Esse “partir o pão”
tem um significado muito especial. Todas as vezes que, nos Santos Evangelhos,
vemos que Jesus partia o pão, estava acontecendo alguma coisa muito especial.
Partir o pão é “doar-se!” Partir o pão é “evangelizar!”
Partir o pão é tornar Jesus presente. Partir o pão é transmitir a palavra de
Deus aos famintos da verdade. É no ouvir a Palavra e no partir do pão da
verdade que reconhecemos Jesus Ressuscitado.
Ouvir a Palavra e repartir o pão da verdade é dar de
comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os
doentes, orar pelos pecadores, consolar os aflitos e desesperados, conduzir
para o bom caminho os extraviados pelas estradas da existência.
Ouvir a Palavra e repartir o pão, no sentido cristão,
é socorrer os irmãos em suas necessidades, tanto materiais como espirituais. E
somente chegaremos à conclusão da extensão das maravilhas e satisfação desse
ouvir a Palavra e desse repartir o pão quando sentimos aquele ardor no coração
que vem do Espírito Santo, assim como sentiram os discípulos de Emaús e tantas
outras personagens santas das Sagradas Escrituras e de todos os tempos.
Os discípulos de Emaús
·
“ainda estavam
falando, quando Jesus apareceu no meio deles, e disse: ‘A paz esteja com
vocês.” (Lc 24,36).
É dessa paz que o mundo precisa. É dessa paz que cada
um de nós precisa. A verdadeira paz que vem do Ressuscitado. Então, porque não
falar dessa paz?
Às vezes, em muitas circunstâncias da vida, como os
apóstolos estavam se sentindo após a crucificação e morte de Jesus, nos
sentimos sozinhos, abandonados, isolados.
Nesse isolamento sentimos um vazio intenso e o
silêncio grita alto dentro de nós todas aquelas coisas que gostaríamos que se
tornassem conhecidas e aceitas para provar que somos humanos, que acertamos
algumas vezes e erramos outras tantas; e o silêncio explode dentro de nosso
cérebro, dentro do nosso peito, dentro do nosso coração, ressoando fortemente
em nossa alma e, desesperadamente, buscamos paz, procuramos a paz, lutamos pela
paz, desejamos ardentemente a paz... paz... paz...
Como necessitamos de paz. Como procuramos a paz, como
desejamos a paz. Paz interior. Paz de espírito. Paz na alma. Paz onde vivemos.
Paz onde trabalhamos. Como procuramos a paz.
Mas como a procuramos nos lugares mais equivocados,
nos lugares onde, absolutamente, ela não está, não se encontra, e, nessa busca
desenfreada pela paz mais nos confundimos, mais nos desesperamos, mais nos
perdemos, mais nos equivocamos.
Mas, o que é paz? Se procurarmos no dicionário
encontraremos que paz é ausência de guerra, é tranquilidade, serenidade,
sossego, descanso, ausência de hostilidade, silêncio... Mas a paz que o nosso
espírito, o nosso coração, a nossa alma busca não é somente ausência de guerra,
nem tranquilidade, nem o que tudo o mais que o dicionário pressupõe.
A paz que buscamos, a paz verdadeira é estarmos de bem
conosco mesmos e com Deus, mesmo que à nossa volta haja confusão, guerra,
incompreensão, agressões...
A paz verdadeira vem de Deus, somente de Deus; paz
interior, paz de consciência, paz de espírito, paz na alma, paz no coração...
A paz que buscamos não é essa paz que é sinônimo de
tranquilidade, mesmo contrariando a definição de paz que nos dão os dicionários
da nossa língua portuguesa.
Realmente, a paz que vem de Deus
não pode ser sinônimo de tranquilidade, porque, por um paradoxo, o Senhor Nosso
Deus nos dá a sua paz exatamente para não nos deixar em paz, para não nos
deixar tranquilos, porque, quem tem a paz que vem do Senhor não pode estar
tranquilo ao conviver com tantas injustiças, tantas mentiras, agressões,
infidelidades, falsidades, desumanidade, desamor, tantos interesses escusos e
mesquinhos que existem entre as pessoas, e o pior, pessoas que se dizem
cristãs, e isso em quaisquer seguimentos cristãos e no mundo inteiro.
Quem tem a paz que vem do Senhor
não pode se acomodar, não pode se tranquilizar, porque a paz que o Senhor nos
dá não é a mesma paz que o mundo transmite:
·
“A
minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá. Não se perturbe nem se
intimide o vosso coração.” (Jo 14,27).
Quem tem a paz que vem do Senhor Nosso Deus não pode
se omitir ao ver tantas e tantas faltas e falhas, tantos pecados imperarem nos
locais que, por força das circunstâncias e princípios, deveriam ser santos; não
podem concordar com aqueles que deveriam se postar em defesa dos oprimidos e
dos injustiçados se calarem criminosa e covardemente; não podem ter repouso ao
presenciar tantas agressões covardes contra aqueles que não podem e não sabem e
nem tem condições de se defender, tanto física quanto moral, psicológica e até
religiosamente.
Por isso, a paz não é e nem pode ser sinônimo de
tranquilidade.
O Senhor nos dá a paz, mas não nos deixa em paz...
A paz que vem do Senhor é aquela que deve nos
desalojar do nosso comodismo da mesma maneira como aconteceu com Maria, a mãe
de Jesus que, após receber em seu coração e no seu ventre a Paz Personificada
no Filho de Deus, não se acomodou e partiu para uma longa viagem ao tomar conhecimento,
pela boca do Anjo que viera lhe trazer a Boa Nova da vinda do Messias, que a
sua parenta Isabel, mulher já de idade avançada, necessitava de sua ajuda, de
sua presença para auxiliá-la nos preparativos dos últimos dias de sua gravidez
temporã, conforme narra Lucas, 1,26-27.
Só os valentes têm essa paz verdadeira. Os valentes
que assumem de corpo e alma os preceitos emanados das Sagradas Escrituras e ditados
pelo Senhor Nosso Deus e que se sintonizam com a vontade divina para servirem
de instrumentos nas mãos do Pai a fim de dar continuidade ao plano de salvação
iniciado por Jesus Cristo e que se prolonga na luta do dia-a-dia de sua Igreja.
E o resultado dessa paz nem sempre é uma velhice tranquila
ou uma aposentadoria sem lutas e abastada como todos desejariam que fossem,
como aconteceu com a irmã Dóroty.
O resultado dessa paz é, muitas vezes, a incompreensão
dos homens e do mundo, é uma coroa de espinhos, são flagelos, chacotas,
indiferenças e dores que, muitas vezes, terminam ao se ver o mundo do alto, mas
do alto de uma cruz, como aconteceu com o Senhor Jesus, e isso não é novidade
pois que, o Senhor Jesus já nos alertava a respeito disso:
·
“Não existe discípulo superior ao mestre, nem servo
superior ao seu senhor. Basta que o discípulo se torne como o mestre e o servo
como o seu senhor.” (Mt 10,24-25).
Essa paz que buscamos desesperadamente somente a
encontramos, e gratuitamente, nos é transmitida, através dos apóstolos e
discípulos, pelo Senhor Jesus: ”A paz
esteja com vocês”. (Lc 24,36; Jo 20,21.26), e
·
“Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz. A
paz que eu dou para vocês não é a paz que o mundo dá. Não fiquem perturbados ,
nem tenham medo.” (Jo 14,27).
Por incrível que possa parecer, vemos que todos
aqueles que receberam a paz diretamente do Senhor Jesus e, estando em pleno
gozo dessa paz, foram perseguidos, caluniados, flagelados, assassinados,
martirizados.
E ai nos vem a pergunta:
·
“Que tipo de
paz é essa que, para gozá-la plenamente, passa-se por todas essas privações?”
Essa é a paz verdadeira que vem do Senhor Nosso Deus
nos dando plena segurança de que vale à pena ser perseguido injustamente pelo
mundo e incompreendido pelos homens e até por aqueles que amamos de verdade;
vale à pena, desde que permaneçamos fieis às observâncias dos preceitos
evangélicos transmitidos por Jesus Cristo e consolados por sua exortação:
·
“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da
justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados são vocês, quando lhes
injuriarem e lhes perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vocês por
causa de mim. Alegrem-se e regozijem-se, porque será grande a recompensa de
vocês nos céus, pois foi assim que perseguiram os profetas, que vieram antes de
vocês.” (Mt 5,10-12).
A paz que recebemos do Senhor Nosso Deus nos traz
alegria interior. A paz que o mundo nos oferece se transforma em remorso.
O Senhor faz bem-aventurados todos aqueles que vivem
na sua paz e a sua paz e as bem-aventuranças evangélicas são o conforto que o
Senhor dá aos que vivem na sua paz.
Bem-aventurados os que buscam a paz no Senhor, os que
vivem plenamente essa paz e que a transmitem a todos os que o cercam.
Precisamos dessa paz, buscamos essa paz e somente essa
paz porá fim ao silêncio gritante que ecoa em nossos corações pelas indecisões
que a vida nos traz.
No Evangelho de João, na oportunidade dessa mesma
narrativa, Jesus transmite a paz juntamente com o envio dos apóstolos para o
mundo, transmitindo a eles o Espírito Santo que ele havia prometido durante
quase toda a sua pregação, além de lhes facultar uma atitude que só a Deus
pertence: a de perdoar pecados: “Jesus disse de novo para eles:
·
A paz esteja
com vocês. Assim como o Pai me enviou eu também envio vocês. Tendo falado isso
Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo. Os pecados que
vocês perdoarem, serão perdoados. Os pecados que vocês não perdoarem, não serão
perdoados.” (Jo 20,21-23).
A presença do Espírito Santo transmitido à Igreja de
Jesus Cristo só pode trazer e transmitir a paz, não a paz do mundo,
·
“a paz que eu
dou para vocês não é a paz que o mundo dá”.
A presença do Espírito
Santo na Igreja patrocina o perdão pleno e irrestrito dos pecados.
A presença do Espírito
Santo transmitido por Jesus ao soprar sobre os seus apóstolos, deve ser
materializada no amor, porque, como disse João na sua carta:
·
“Filhinhos, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem
de Deus. E todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama,
não conhece a Deus, porque Deus é amor. [...] “Nós
reconhecemos o amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse amor. Deus é
amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele.” 1Jo 4,7-8.16).
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