QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA
Leituras: At 9,26-31; Sl 21; 1Jo
3,18,24; Jo 15,1-8.
“EU SOU A VIDEIRA VERDADEIRA, E MEU PAI
É O AGRICULTOR” (Jo 15,1).
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura desta liturgia retrata a
dificuldade que Paulo teve para, depois de convertido ao Cristo, aproximar-se
dos fiéis da Igreja iniciante porque:
·
“todos tinham
medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo” (At 9,26).
Paulo teve de enfrentar muitos problemas para dizer
que realmente acreditava no Cristo Ressuscitado, como vemos até o medo de
Ananias, a quem o Senhor determinara que recebesse Paulo em sua casa:
·
“Ananias
respondeu: ‘Senhor, já ouvi muita gente falar desse homem e do mal que ele fez
aos teus fiéis em
Jerusalém. E aqui em Damasco, ele tem plenos poderes, que
recebeu dos chefes dos sacerdotes, para prender todos os que invocam o teu
nome.” (At 9,13-14).
Paulo foi por demais ousado e, depois de convertido,
passou a falar de Jesus por onde quer que passasse. A ousadia com que Paulo
anunciava a Jesus acabava por incomodar muita gente.
Em Damasco o perseguidor começa a ser perseguido. Em
primeiro lugar, os cristãos não aceitavam Paulo porque tinham medo dele. A
ousadia de Paulo, após a sua conversão, levou-o a tentar pregar o Cristo nas
sinagogas dos judeus:
·
“E logo
começou a pregar nas sinagogas, afirmando que Jesus é o Filho de Deus. Os
ouvintes ficaram impressionados e comentavam: ‘Não é este o homem que
descarregava em Jerusalém a sua fúria contra os que invocavam o nome de Jesus?
E não é ele que veio aqui justamente para os prender e levar aos chefes dos
sacerdotes?”(At 9,20-21).
Em segundo lugar, os judeus, inconformados pela
conversão de Paulo, combinaram matá-lo:
·
“Passado algum
tempo, os judeus fizeram uma trama para matar Saulo, mas seus planos chegaram
ao conhecimento de Saulo. Os judeus montavam guarda dia e noite também junto às
portas da cidade, a fim de o eliminar.” (At 9,24-25).
Nem os seguidores de Jesus que estavam em Jerusalém acreditaram
em Paulo, exceto Barnabé, homem iluminado, que tentou aproximar Paulo dos
demais apóstolos:
·
“Saulo chegou
a Jerusalém, e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele,
pois não acreditavam que ele fosse discípulo. Então Barnabé tomou Saulo
consigo, o apresentou aos apóstolos, e lhes contou como Saulo no caminho tinha
visto o Senhor, como o Senhor lhe havia falado, e como ele havia pregado
corajosamente em nome de Jesus na cidade de Damasco.” (At 9,26-27).
Não somente os cristãos tinham medo de Paulo e os
judeus tentavam matá-lo, mas também os judeus de origem grega, os helenistas,
tentaram contra Paulo:
·
“Saulo também
falava e discutia com os judeus de língua grega, mas eles procuravam um jeito
de o matar.” (At 9,29).
A partir daí, os apóstolos preocupados com a vida de Saulo,
manda-o para a Cesaréia e depois para Tarso (At 9,30), e Saulo desaparece por
um tempo de cena, só aparecendo, novamente, a partir do capítulo 11,25 do livro
dos Atos dos Apóstolos em diante, quando
·
“Barnabé foi
então para Tarso em busca de Saulo. E o encontrou e o levou para
Antioquia”. (At 11,25).
As consequências da conversão de Paulo não foram
auspiciosas. A conversão tirou Paulo de uma posição na sociedade e o colocou em
outra bem inferior.
Ao invés de empresário empregador, dono de uma oficina
de confecção de tendas com seus empregados e escravos, acabou, sendo ele mesmo,
um empregado, um trabalhador assalariado com aspecto de escravo, como ele mesmo
afirmaria:
·
“Por causa de
Cristo, perdi tudo, e considero tudo um lixo, a fim de ganhar Cristo e estar
com ele” (Fl 3,8-9).
Paulo mal e mal ganhava o suficiente para poder
sobreviver:
·
“E quando
passei necessidade entre vocês, não fui pesado a ninguém... Em tudo evitei ser
pesado a vocês e continuarei a evitá-lo”. (2Cor 11,9).
A conversão para Cristo criou para Paulo uma situação
nova, imprevista. De um lado, excluído da comunidade judaica, perdeu o círculo
de amizades que tinha. Deve ter perdido, também, a clientela entre os judeus
que lhe comprava as tendas que ele fabricava, pois os judeus passaram a odiá-lo
a ponto de querer matá-lo (At 9,23).
Por outro lado, enviado para a missão pela comunidade
de Antioquia (At 13,2-3), levou vida errante, durante mais de doze anos, sem
domicílio, sem oficina e sem a possibilidade de montar uma clientela fixa. Essa nova situação obrigou Paulo a buscar uma
nova maneira de sobreviver.
Durante a ausência de Paulo em Jerusalém,
·
“a Igreja
vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela se edificava e progredia
no temor do Senhor, e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.” (At 9,31).
Depois de sua conversão, Paulo descobre que Jesus o
amou antes até que ele próprio conhecesse Jesus, chegando ao cúmulo de Jesus
dar a sua vida por ele:
·
“E esta vida
que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou
por mim (Gl 2,20b);
·
“Cristo morreu
por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm
5,8b).
Paulo joga para o alto tudo o que tinha vivido, até
então, como fariseu, deixando bem claro isso na sua carta aos Filipenses:
·
“Por causa de
Cristo, porém, tudo o que eu considerava como lucro, agora considero como
perda. E mais ainda: considero tudo uma perda diante do bem superior que é o
conhecimento do meu Senhor Jesus Cristo.
Por causa dele perdi tudo e considero tudo como lixo, a fim de ganhar
Cristo, e estar com ele.” (Fl
3,7-9a).
No Evangelho deste domingo, o quinto domingo da
Páscoa, Jesus identifica-se como “a verdadeira videira”.
No Antigo Testamento, sempre que o Pai queria
manifestar o seu imenso amor pelo seu povo, evocava a figura do pastor ou da
vinha. Para Iahweh, o seu rebanho ou a sua vinha era o povo de Israel como
vemos em Isaias 5,1-7, onde Deus demonstra o grande amor que tem pela sua
vinha, e faz tudo o que é possível por ela, mas, em vez de haver reciprocidade,
a vinha só lhe causava desgosto e amargura:
·
“Eu esperava dela o direito, e produziram a injustiça;
esperava justiça, e ai estão gritos de desespero”. (Is 5,7b).
Ainda, no Antigo Testamento, por ver a ingratidão de
seu povo, de sua vinha, Yahweh se mostra extremamente irado, e chega ao extremo
de compará-la de noiva à prostituta:
·
“Já faz muito tempo que você quebrou a sua canga,
arrebentou o seu cabresto, e disse: ‘Não quero servir. ’ Você se deitava e se
prostituía no alto de qualquer colina mais elevada ou debaixo de qualquer
árvore frondosa. Eu havia plantado você como lavoura especial, com mudas
legítimas. E como é que você se transformou em ramos degenerados de vinha sem
qualidade? Mesmo que você se esfregue com sabão e use muito detergente, a
mancha de sua culpa continua diante de mim – oráculo de Yahweh”. (Jr 2,20-22).
E, no seu desgosto, Yahweh entrega a sua vinha, o seu
povo à escravidão:
·
“Eu queria colher alguma coisa deles, - oráculo de Yahweh
-, mas não há uvas na parreira nem figos na figueira, e até suas folhas
secaram. Eu os entreguei à escravidão”. (Jr
8,13).
E Yahweh propõe-se a destruí-la:
·
“Subam para os terraços da vinha, e provoquem a
destruição, mas não acabem com tudo: arranquem as mudas, porque não são de Yahweh”.
(Jr 5,10),
E ainda mais, entregou sua vinha ingrata aos pastores
vândalos:
·
“Muitos pastores devastaram a minha vinha e pisotearam
a minha propriedade; transformaram a minha propriedade querida num deserto
desolado; dela fizeram um lugar devastado, e a deixaram em um estado
deplorável; está desolada diante de mim...”. (Jr 12,10-11).
E, por fim, acaba por queimá-la:
·
“Por isso, assim diz o Senhor Yahweh: ‘Como aconteceu
com a parreira silvestre que joguei no fogo para ser queimada, assim tratarei
os moradores de Jerusalém’”. (Ez
15,6).
Mas o coração misericordioso do Senhor Deus parece
verter-se em lágrimas quando canta essa lamentação por ver sua vinha, antes bem
tratada e plantada à beira d’água, agora jogada ao chão e pisoteada e seus
ramos sendo destruídos pelo fogo:
·
“Sua mãe era como parreira plantada à beira d’água.
Produzia bastante e ficava frondosa, porque havia boa umidade. Seus ramos eram
fortes, bons para se tornarem cetros reais. A sua altura sobressaia por cima
das copas, a sua imponência se destacava pela quantidade de ramos. Ela, porém,
foi arrancada com raiva e jogada ao chão. O vento leste acabou de secá-la e os
seus frutos despencaram. Os seus fortes ramos secaram e foram destruídos pelo
fogo. Agora ela está plantada no deserto em chão duro e seco. O fogo sai do seu
tronco e queima seus ramos e frutos. Nela não há mais ramo forte, um cetro para
governar’. Essa é uma lamentação, e como lamentação se deve cantar”. (Ez 19,10-14).
Mas, apesar de suas lamentações, ameaças e destruições
no Antigo Testamento, o Senhor Yahweh prevê dias melhores para a sua vinha e
vislumbra aquele que
·
“será a verdadeira vinha e o Pai o
agricultor, e cujos ramos darão frutos desde que unidos à vinha” (cf Jo
15,1-4).
e assim se pronuncia Yahweh seiscentos anos antes da
plenitude dos tempos, quando aconteceu a vinda do Messias:
·
“Nesse dia, cantarão para a vinha formosa: ‘Eu, Yahweh,
sou responsável por ela. Eu a rego com frequência: para que ninguém venha
estragá-la, eu a vigio dia e noite. Eu não estou encolerizado. Se alguém
produzisse nela espinhos e ervas daninhas, eu me lançaria contra ele para
queimá-lo. Quem busca a minha proteção, fará as pazes comigo; sim, comigo fará
as pazes’”. (Is 27,2-5).
Mas, essa promessa não se realizaria com o povo de
Israel. Em seu extremado amor, o Pai envia o seu Filho unigênito, não para
cuidar da vinha, mas para ser
·
“a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf
Jo 15,1).
E o Filho unigênito do Pai relembra a vinha do Antigo
Testamento, chama a atenção do povo, mas ninguém o entende.
Jesus retoma a parábola de Isaias, 5,1-7 e resume a
história do povo eleito: o Pai não deixou de esperar os frutos de sua vinha;
mas, ao invés de ouvir os profetas que ele enviou, os vinhateiros os
maltrataram e até os mataram, conforme deve ser lido em Marcos 12,1-5, em
Mateus 21,33-46 e em Lucas 20,9-19. Não acreditando no que via e acontecia, o
Pai, então, resolve mandar o seu próprio e único Filho muito amado, pensando
que os vinhateiros o respeitariam (Mc 12,6; Lc 20,15; Mt 21,38), mas, a
decepção foi maior ainda: no cúmulo da infidelidade do povo incitado pelos
chefes do povo, matam também o Filho, cuja herança é a vinha.
Por essa atitude inconsequente e criminosa, os
culpados serão castigados, mas, diferente do que se esperava, a morte do Filho
abre uma nova etapa no plano de salvação do Pai: a vinha será, por fim confiada
a vinhateiros fieis e ela dará frutos (cf Mc 12,7ss; Mt 21,41ss; Lc 20,16).
O que Israel não foi capaz de dar a Yahweh, Jesus vem
e lhe dará.
E o próprio Jesus é “a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (Jo 15,1) que produz bem,
a vida autêntica, digna de tal nome. Jesus, a vinha plantada pelo Pai, é a
vinha querida do Pai e cercado de cuidados, e podado a fim de dar frutos
abundantes:
·
“Eu sou a videira e vocês são os ramos. Quem fica
unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer
nada”. (Jo 15,5).
Em primeira instância, o fruto que a vinha Jesus dá, é
a sua própria vida, derramando o seu sangue, prova suprema de amor:
·
“A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão
muitos frutos e se tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também
amei vocês; permaneçam no meu amor. Não existe amor maior do que dar a vida por
seus amigos”. (Jo 15,8-9.13).
E quem dá a vida por seus amigos só quer que eles
tenham vida, e a tenham em abundância:
·
“Eu vim para que tenham vida, a e a tenham em
abundância”. (Jo 10,10), e Jesus
acrescenta, nessa sua doação total: “O
Pai me ama porque eu dou a minha vida para retomá-la de novo. Ninguém tira a
minha vida; eu a dou livremente. Tenho o poder de dar a vida e tenho o poder de
retomá-la. Esse é o mandamento que recebi do meu Pai”. (Jo 10,17-18).
E Jesus alerta para os falsos vinhateiros, falsos
pastores, falsos profetas, que existem em todos os seguimentos religiosos que
se dizem cristãos, alertando que só ele é
·
“a verdadeira vinha e o Pai o agricultor” (cf
Jo 15,1);
A vinha plantada pelo Pai:
·
“Toda planta que não foi plantada pelo meu Pai celeste
será arrancada”. (Mt 15,13).
E o vinho, que é o fruto da videira, será o sangue
derramado na cruz, o sinal da nova Aliança que é selada no mistério
eucarístico, o sinal sacramental deste sangue para selar a Aliança nova.
E este será o meio de comungar do amor de Jesus, de
permanecer nele:
·
“Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo pronunciado
a benção, o partiu e distribuiu aos discípulos, e disse: ‘Tomem e comam, isto é
o meu corpo. ’ Em seguida, tomou um cálice, agradeceu, e deu a eles, dizendo:
‘Bebam deles todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado em favor de muitos para remissão dos
pecados. Eu lhes digo: de hoje em diante não beberei deste fruto da videira,
até o dia em que com vocês beberei o vinho novo na casa de meu Pai’”. (Mt 26,26-29).
E, no Evangelho de João, diz Jesus:
·
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue vive em
mim e eu vivo nele”. (Jo 6,56); e
ainda: “Fiquem unidos a mim, e eu ficarei
unidos a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto, se não
ficarem unidos a mim. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês; permaneçam
no meu amor.” (Jo 15,4.9).
Jesus é a videira verdadeira, nós somos os ramos: “Eu sou a videira, vocês são os ramos.” (Jo
15,5), da mesma forma em que ele é o Corpo e nós somos os membros.
Sem a comunhão com Jesus, somos ramos secos,
infrutíferos, separados do tronco, sem receber a seiva vitalizadora e sem poder
dar frutos, e é bem por isso que ele afirma:
·
“Sem mim vocês não podem fazer nada”. (Jo 15,5b).
Se formos ou estivermos separados do tronco, não somos
alimentados pela seiva do tronco, ficamos estéreis e para nada serviremos,
senão para o fogo:
·
“Quem não fica unido a mim será jogado fora como um
ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados no fogo e queimados”. (Jo 15,6).
Pela nossa comunhão com Jesus, assim como a comunhão
do ramo ao tronco, nos tornamos ramo da verdadeira videira, vivificado pelo
amor que une Jesus ao Pai e dá fruto.
Vivificados pelo amor que une Jesus ao Pai, damos
frutos, o que glorifica o Pai.
·
Participamos,
assim, da alegria do Filho que é glorificar o Pai: “A glória de meu Pai se manifesta quando vocês dão muitos frutos e se
tornam meus discípulos. Assim como o Pai me amou, eu também amei vocês;
permaneçam no meu amor. Se vocês obedecem aos meus mandamentos, permanecerão no
meu amor, assim como eu obedeci aos mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu
amor. Eu disse isso a vocês para que a minha alegria esteja em vocês, e a
alegria de vocês seja completa”. (Jo 15,8-11).
Esse é o mistério da verdadeira vinha: exprime a união
fecunda de Jesus e da Igreja e sua alegria que permanece perfeita e eterna:
·
“Eu mesmo dei a eles a glória que tu me deste, para
que eles sejam um como nós somos um. Eu neles e tu em mim, para que sejam
perfeitos na unidade, e para que o mundo reconheça que tu me enviaste e que os
amaste como amaste a mim”. (Jo
17,22-23).
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