XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; leituras: 2Rs
4,42-44; Sl 144 (145); Ef 4,1-6; Jo 6,1-15.
“E TODOS FICARAM SATISFEITOS”. (Jo 6,12).
Diácono Milton Restivo
Na liturgia deste domingo começamos a ler e meditar o capítulo 6 do
Evangelho segundo João, que se estenderá na liturgia dos próximos dois
domingos, onde o evangelista aborda um fato de grande importância e
significação na vida pública de Jesus: o milagre da multiplicação dos pães.
Esse milagre que Jesus fez é o único que todos os quatro
evangelistas são unânimes em narrar. Marcos e Mateus transmitem até duas
versões do mesmo fato (Mt 14,13-21; 15,32-39; Mc 6,30-44; 8,1-10).
A diferença entre João e os demais evangelhos, os
sinóticos, porém, está em que
João não apenas narra o episódio em si, mas reflete
longamente sobre o seu significado, exatamente a sua transparência. É por isso
que, se João dedica quinze versículos à narração do fato, estende-se por mais
cinquenta versículos discutindo, refletindo e aprofundando o “sinal”.
O capítulo 6 de João, na sua totalidade, traz dois
sinais ou milagres: a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15) e a caminhada de Jesus
sobre as águas (Jo 6,16-21). Em seguida, traz o longo diálogo sobre o Pão da
Vida (Jo 6,22-71) que versa sobre a Eucaristia.
João não narra a instituição da Eucaristia na última
ceia de Jesus com os seus discípulos, como o fazem Mateus (26,26-29), Marcos
(14,22-24) e Lucas (22,19-20) que, por ter sido discípulo de Paulo, segue a
instituição paulina contida em 1Cor 11,23-26.
João situa o fato perto da festa de Páscoa (Jo 6,4).
O enfoque central é o confronto entre a antiga Páscoa
do Êxodo e a nova Páscoa do Cordeiro de Deus, que se realiza em Jesus. O diálogo sobre o
pão da vida vai esclarecer a nova Páscoa que se concretiza em Jesus.
Em sua narrativa João faz questão de deixar clara a
popularidade que Jesus já gozava no meio do povo que o seguiam onde quer que
fosse, não importando as necessidades que o povo passaria por isso, conforme
narra Marcos:
·
“Eles não
tinham tempo de comer, ou descanso” (Mc 6,31).
O capítulo 6 de João começa com os dizeres: “Depois
disso”. Depois disso, o quê?
No capítulo 5 de João existem fatos que nada dizem
respeito às narrativas do capítulo 6, mas não podemos negar que, pelas forças
das circunstâncias, eles as originaram.
Pegando as narrativas dos quatro evangelhos dos
acontecimentos que antecederam este fato, podemos saber o que foram essas
coisas que ocorreram logo antes da multiplicação dos pães.
Vemos então, três acontecimentos importantes, que antecederam
esse evento.
Primeiro, Jesus, pela primeira vez, mandou seus
discípulos pregarem o Evangelho às pessoas, e eles ficaram entusiasmados com a
sua tarefa (Lc 9,1-17; Mt 10,1-16; Mc 6,7-13).
Segundo, João Batista fora executado à espada por
Herodes (Mc 6,17-29; Lc 3,19-20; Mt 14,3-12).
E, terceiro, Herodes ouviu falar de Jesus, e do que
ele estava fazendo e dizendo, e ficou impressionado ao ponto de pensar que
Jesus seria João Batista ressuscitado (Mc 6,14-15; Mt 14,1-2; Lc 9,7-9). Jesus inteirou-se das reações de Herodes, de
que Herodes havia matado João Batista e, por precaução, saiu do lugar onde
estava:
·
“Depois destas
coisas, atravessou Jesus o mar da Galiléia” (Jo 6,1; Mc 6,32; Lc 9,10).
Ou seja, Jesus estava na região de Cafarnaum, que era
de domínio de Herodes e, fugindo da ira sanguinária de Herodes, deslocou-se de
barco para Betsaida.
Com isso Jesus afasta-se da tendência agressiva e
criminosa e sanguinária de Herodes, porque se sentiu como “cordeiro entre lobos” (cf Lc 10,3), transmitindo por atitudes o
que já havia ensinado por palavras:
·
“sejam prudentes como as serpentes e mansos como as
pombas” (Mt 10,16).
Jesus, para fugir da perseguição, violência e opressão
de Herodes, atravessa o mar da Galiléia. Isso nos traz à memória a travessia do
mar Vermelho feita por Moisés e o povo israelita para fugir da violência e
opressão do faraó e da escravidão do Egito.
O povo israelita, na fuga do Egito, era uma grande
multidão e, Jesus
·
“Levantando os olhos viu uma grande multidão que a ele
acorria...” (Jo 6,5).
Lucas nos diz que a multidão percebeu que o barco
havia atracado em Betsaida, e chegou lá antes de Jesus, para isso, percorreu
uma distância de oito quilômetros para ir onde estava Jesus.
Quando Jesus subiu naquele barco e atravessou para o
lado de Betsaida, com certeza, buscava um tempo de privacidade e descanso.
Mas aquele povo não tinha limites. Aqueles cinco mil
homens, sem contar mulheres e crianças, vão correndo pela margem do lago para
se encontrar com Jesus.
Jesus já havia feito milagres, já havia ensinado a
eles, mas eles estavam ali ao seu encalço.
A Palavra de Deus nos diz que Jesus olha para a
multidão e a vê como “ovelhas sem pastor” (Mc
6,34). Jesus enxerga aquele povo como um
rebanho de ovelhas carente e necessitado.
Ao chegar a Betsaida e ao ver a multidão, Jesus
poderia ter ido mais além, ou voltado para onde estava anteriormente. Mas, pela
sua bondade e misericórdia, resolveu parar ali e abordar aquele grupo. Isso
porque viu, na multidão que está à sua volta, um grupo de ovelhas sem pastor.
No Antigo Testamento, na travessia do deserto rumo à
Terra Prometida, o povo israelita estava faminto e reclamava para Moisés:
·
“Quem nos dará carne para comer?” (Nm 11,4).
E Moisés faz uma súplica emocionante para Iahweh:
“Onde acharei
carne para dar a todo esse povo, visto que me importuna com as suas lágrimas,
dizendo: ‘Dá-nos carne para comer?’.” (Nm 11,13).
·
“E Jesus levantando
os olhos viu uma grande multidão”. (Jo 6,5).
Posteriormente ficamos sabendo que se tratava de cinco
mil homens, claro, do sexo masculino. Os outros evangelistas dizem que eram
cinco mil homens, e mais mulheres e crianças:
·
“Ora, os que comeram eram cerca de cinco mil homens,
sem contar mulheres e crianças.” (Mt
14,21).
Somando essa numerosa multidão teríamos pelo menos dez
mil pessoas entre homens, mulheres e crianças. Todos querendo ver e tocar
Jesus.
Quando Jesus se viu diante daquelas pessoas, percebeu
que era uma ótima situação para passar o ensino, a Palavra e os conceitos de
Deus a elas.
Esse é também um privilégio do cristão, como fala
Paulo em Romanos 10,14-17:
·
“Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E
como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão se não houver
quem pregue? E como pregarão se não forem enviados?”
Como também está escrito em Isaias:
·
“Como são
belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa
nova, que apregoa a vitória, que diz a Sião: ‘Já reina o teu Deus”. (Is 52,7).
No entanto, nem todos os judeus aceitaram as boas novas
que foram anunciadas, primeiramente, a eles, pois Isaías diz:
·
“Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi
revelado o braço do Senhor?”. (Is
53,1; Jo 12,38).
Ao ver aquela situação, Jesus viu que a multidão não
tinha alimento e estava faminta, e dirige-se a Felipe, dizendo:
·
“Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?” (Jo 6,5).
Jesus, claro, sabia que atitude deveria tomar naquelas
circunstâncias, mas não perde a oportunidade de testar os seus discípulos numa
emergência como essa.
Filipe pensou exclusivamente com sua mente e critérios
humanos:
·
“Vão ser
necessários duzentos denários, para alimentar dez mil pessoas”.
Felipe não pensou nada mais, além disso. Aliás,
qualquer um faria facilmente essa conta.
A única variante na mente de Filipe é a variante que
reina no mundo: somente se resolve os problemas à custa do dinheiro.
O texto não diz nada sobre André possuir fé ou não.
André simplesmente constata que havia um rapaz com dois peixes e cinco pães de
cevada, o pão mais simples da época, naquela região. Cinco pães de cevada e
dois peixes eram o sustento diário do pobre.
O menino colabora em sanar a fome da multidão entregando
o seu sustento!
Era o pão do povo. Aquela região era até conhecida por
ser produtora de trigo, mas os pobres comiam pão de cevada. Era um pão pequeno,
assado em uma grelha, ou em pedras quentes.
O rapaz também tinha dois peixinhos. Tratava-se de um
peixe pequeno, salgado, que era misturado com o pão, e lhe dava algum tipo de
sabor. Porém, André mesmo reconhece que não tem recursos necessários, em apenas
cinco pães e dois peixinhos.
André, ao ver a quantidade de pessoas e ter diante de
si o menino com somente cinco pães e dois peixes, pensa, também como pensam os
que acreditam somente nos bens materiais, e diz:
·
“Mas o que é isso para tanta gente?” (Jo 6,9).
Jesus deve ter amargamente sorrido da descrença de
seus discípulos e de seus apegos às coisas materiais e;
·
"Jesus tomou os pães e, depois de ter dado
graças, distribuiu-os aos presentes, assim como os peixes, tanto quanto
queriam!" (Jo 6,11).
Com esta frase João evoca o gesto da Última Ceia
conforme vemos na Primeira Carta aos Corintios, 11,23-24:
·
“Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o
pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é meu corpo que é dado
para vocês; façam isso em memória de mim”. (1Cor 11,23-24).
A Eucaristia, quando celebrada como deve ser, levará
as pessoas à partilha como levou o menino a entregar seu sustento para ser
partilhado.
O interessante é que, enquanto em Mateus 14,17 Jesus
determina que os próprios apóstolos distribuam o pão:
·
“Dai-lhes vós mesmos de comer”, em João é o próprio Jesus que começa a repartir aqueles pães e peixes: “Jesus tomou os pães, deu
graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam” (Jo
6,11).
Mas à medida que as pessoas
pegam, o pão se multiplica.
Não falta alimento, e João
confirma:
·
“Eles comeram
o quanto queriam”, (Jo 6,11).
E acrescenta:
·
“eles estavam
fartos”. (Jo 6,12).
Comeram o que quiseram e ainda sobraram doze cestos de
pães.
O número doze, no Antigo Testamento, evoca a
totalidade do povo israelita com suas doze tribos e, no Novo Testamento o
número dos doze Apóstolos, colunas mestras da Igreja que começa a se delinear.
João não informa se sobrou algo dos peixes.
O que interessa a ele é evocar o pão como símbolo da
Eucarística.
O evangelho de João não tem a descrição da Ceia
Eucarística, mas descreve a multiplicação dos pães como símbolo do que deve
acontecer nas comunidades através da celebração da Ceia Eucarística. E sobraram
doze cestos de pães.
Se, por um lado, Jesus veio para que tenhamos vida em
abundância:
·
“Eu vim para que vocês tenham vida, e a tenham em
abundância” (Jo 10,10).
Por outro lado ele quer deixar claro que seria bom
notar que também é um Deus econômico.
Nos versículos 12 e 13 disse Jesus:
·
“Recolham os pedaços que sobraram para que nada se
perca”.
Que nada seja desperdiçado.
Então os apóstolos os ajuntaram e encheram doze cestos com os pedaços de cinco
pães de cevada deixados por aqueles que tinham comido.
Naquela cultura havia o pensamento de que o
desperdício de alimento era uma afronta a quem o dava, ou seja, a Deus. Também
consideravam uma afronta ao pobre.
Jesus, da mesma forma, manda que recolham o que
sobrou, ensinando com isso: “Eu tenho multiplicado, sou capaz de dar em
abundância, mas não tratem com pouco caso a bênção, a expressão de poder que eu
tenho. Guardem o excedente”;
·
“Recolham os pedaços que sobraram, para que nada se
perca”. (Jo 6,12).
Jesus, movido pela sua bondade, supre-os, naquela
situação de crise, a ponto de sobrar.
Mas,
·
“vendo o sinal que Jesus tinha realizado aqueles
homens exclamavam: ‘Este é verdadeiramente o profeta, aquele que deve vir ao
mundo”. (Jo 6,14).
E queriam fazê-lo rei.
A mensagem do profeta estava em Deuteronômio:
·
“Yahweh teu Deus suscitará um profeta como eu no meio
de ti, dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis.” [...] “Vou
suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei as
minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhes ordenar.”
(Dt 18,15-19).
Eles esperavam esse profeta que seria semelhante a
Moisés.
Uma das características do profeta Moisés se mostra
quando o povo estava sob seus cuidados no deserto, Deus manda pão dos céus, o
maná:
·
“Eis que vou fazer chover para vocês pão do céu” [...] Isso é o
pão que Yahweh lhes deu para comer”. (Ex 16,4.15).
O maná era recolhido diariamente para suprir a
alimentação deles. Agora Jesus está multiplicando pão e dando a eles numa época
bem perto da Páscoa, festa que se relacionava também com Moisés, e os homens
lembram: “Como Moisés nos trouxe pão,
Ele também nos trouxe”, ou seja, “Ele é como Moisés”.
Mas vejam o que faz Jesus:
·
“Jesus,
sabendo que pretendiam vir a proclamá-lo rei à força, retirou-se novamente
sozinho para o monte”. (Jo
6,15).
Jesus viu que aqueles homens tinham percebido, pelo
menos por interesse, que ele era o profeta, e que eles poderiam fazer dele o
rei, porque, com certeza não passariam mais fome, pois ele tinha o poder de
multiplicar alimento e saciar a fome do povo.
Também, talvez, eles estivessem imaginando que
poderiam se libertar do domínio de Roma, embora não sofressem tanto debaixo
desse domínio quanto Jerusalém, mas também tinham seu nível de sujeição.
Vendo, portanto, que Jesus tinha poder, podia curar as
doenças (não precisariam mais de médicos) e dar comida (não precisariam mais
trabalhar), e queriam fazer de Jesus algo que ele mesmo não desejava, naquele
momento. Jesus recusou e fugiu dali quando o povo quis fazer dele aquilo para o
qual ele não viera, ou seja, ser um rei de um reino deste mundo.
No Evangelho do próximo domingo, que será a
continuação do que meditamos hoje, Jesus dirá:
·
“Eu sou o pão da vida”. (Jo 6,24-35).
E, no domingo
subsequente ele afirmará:
·
“Eu sou o pão que desceu do céu”. (Jo 6,41).
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