SANTA JOANA D’ARC – A VIRGEM HEROICA
Quis Deus
salvar a França do domínio inglês, na Idade Média, e em vez de fazer nascer
entre os filhos dessa nação um grande general, chamou para realizar sua obra
uma donzela, inocente pastorinha da Lorena.
De repente, um
país derrotado e decadente, retalhado pela ambição, governado por um príncipe
fraco e hesitante, ressuscita ao ouvir a convocação de Joana. Sua voz virginal
dá força aos fracos, coragem aos covardes e fé aos descrentes.
Sua inocência
infunde terror nos inimigos, restaura a pureza dos devassos. Seu nome é um
brado de guerra. Sua figura, um estandarte imaculado. Em sua curta vida,
conheceu os esplendores da glória e as humilhações da mais vil perseguição: a
da calúnia - último recurso dos invejosos, arma traiçoeira dos infames, que
poupa o corpo e fere a honra.
Condenada à
morte como bruxa, reduzida a cinzas pelo fogo, sua inocência triunfou nos
altares para todo o sempre: Santa Joana d'Arc.
No tempo em que
a frança feudal, a França do heroísmo e da cavalheirosidade, encontrava-se sob
o pé conquistador da Inglaterra, uma pastorinha foi suscitada por Deus numa
aldeia muito humilde, cujo nome soa como toque de sino: Domremy. Desde muito
cedo tinha o costume de rezar enquanto se achava sozinha no campo, apascentando
o rebanho de seus pais.
Certo dia ouviu
vozes misteriosas, que acabaram por identificar-se como sendo de São Miguel e
de duas santas. Urgiram-na a apresentar-se ao rei de França e comunicar-lhe que
Deus a enviava a fim de anunciar seu auxílio para expulsar os ingleses do
território francês.
Aquela virgem
encantadora resolveu então partir e apresentar-se ao soberano. Logo que chegou
à corte, passou-se com ela um belíssimo fato que veio provar a autenticidade de
sua missão.
Numa época como
aquela, em que não havia imprensa nem televisão, só restava um modo de se
conhecer o semblante do rei: olhá-lo diretamente.
Quem nunca o
houvesse visto, não saberia identificá-lo pela fisionomia no meio de muitas
pessoas. No dia em que o rei Carlos VII condescendeu em ouvir Santa Joana
d'Arc, vestiu-se ele como um simples nobre e, no salão de audiências, repleto
de pessoas, retirou-se para um lugar secundário, mandando que outro se
colocasse no lugar central, trajado como se fosse monarca. Joana d'Arc entrou,
olhou para todos e, sem titubear, foi em direção àquele que se ocultava num dos
cantos, dizendo-lhe:" Ó Rei, eu venho vos falar!"
Na conversa que
se seguiu, Carlos VII pôs dificuldades à jovem pastora, contudo ela venceu-as
todas. Convencido de sua missão, o monarca colocou-a, frágil e débil, à frente
de um dos exércitos mais fortes da Europa.
E ela, na sua
debilidade virginal e encantadora, comandou-o e empurrou os ingleses quase
completamente para fora da França. Certa feita, Joana d'Arc dirigiu-se a Carlos
VII, dizendo querer dele um inapreciável presente, e perguntou se o monarca
estava disposto a dá-lo.
Disse ele que
sim. Ela, então, afirmou que desejava o Reino da França!
Surpreso e
contrafeito, o rei entretanto condescendeu. Joana d'Arc imediatamente mandou
chamar quatro tabeliães e lavrou um ato pelo qual recebia de Carlos VII a
França, despojando-se o soberano, em favor dela, de todos os seus direitos
sobre o Reino.
Após ter ele
assinado o documento, santa Joana d'Arc mandou lavrar um outro, pelo qual ela,
em nome de Deus, entregava novamente ao monarca o Reino da França! Em Carlos
VII, que ainda não havia sido coroado, a realeza se achava bastante viva para
não ser morta, mas bastante morta para não reviver.
Na verdade,
encontrava-se a ponto de expirar, e quase estorvava o curso da História. Joana
d'Arc pediu a sua desistência, e reinstaurou nele - por mandato divino - aquilo
que estava morrendo, dando ao reino da França uma nova vida. Era uma pastora
chamada a brilhar na corte de um rei. Era uma virgem chamada a viver num campo
militar onde, infelizmente, tantas e tantas vezes a linguagem é impura, e a
presença das mulheres perdidas se faz notar.
Ela ali reluziu
como um círio de puríssima cera em plena noite. Sua virgindade tinha algo de
imaculadamente prateado, tinha refulgências de uma arquiprata.
Foram tão
grandes as vitórias de Joana d'Arc que, antes mesmo de os ingleses estarem fora
do território francês, surgiram condições propícias para a coroação de Carlos
VII na catedral de Reims. Conduziu ela até ali Carlos VII e este foi coroado em
meio a uma glória indizível.
Joana d'Arc
assistiu a cerimônia no lugar de honra, portando o seu estandarte azul e
branco, no qual estavam bordados os nomes de Jesus e Maria. Como ela sempre
tivera inimigos entre os franceses, um deles lhe perguntou: - O que faz o seu
estandarte aqui? É um estandarte para a guerra e não para festas! Ao que ela
respondeu: - Ele esteve comigo na hora da luta e do esforço, é natural que
esteja comigo na hora da glória!
Após a coroação
de Carlos VII, restava ainda uma parte da França a ser reconquistada.
Na batalha de
Compiège, a traição, imunda como a serpente, enroscou-se na heróica pastora.
Os borguinhões,
vassalos revoltados contra o rei da França, prenderam-na e, mediante dinheiro,
entregaram-na aos ingleses.
As vozes que ela ouvira parece lhe haverem
prometido que só morreria quando o poderio inglês estivesse quebrado na França.
E ela de tal maneira esperava salvar aquele nobre país, que chegou a pular de
uma torre onde se achava prisioneira, para fugir e continuar a luta.
Em seus
insondáveis desígnios, Deus não fez o milagre de ajudá-la, as vozes também não
a auxiliaram, e ela foi presa novamente!
Os ingleses
entraram em entendimento com um Bispo francês expulso há pouco de sua Diocese
por seu apoio ao invasor estrangeiro, e acusaram Joana d'Arc de ser bruxa.
Diziam que suas vitórias eram fruto de pacto com o demônio.
Durante o
julgamento, ela se defendeu como uma leoa. Suas respostas às perguntas dos
juízes eram castas como uma couraça e pontiagudas como uma lâmina de espada.
Porém, contra toda a expectativa, ela foi condenada pelo tribunal da Inquisição
a ser queimada viva, como vil feiticeira! Deus, que estivera tão presente em
todos os combates dela, agora fazia-se ausente.
Na manhã da
morte, vestem-na com uma túnica infamante e a conduzem numa carreta, de pé, com
mãos amarradas às costas, como se fosse malfeitora, em direção ao local do
suplício.
O povo enche as
vias por onde ela passa, e no caminho era lido a sentença, toda feita de
infames e falsas acusações. Continuando seu trajeto, a carreta chega à praça
onde está armada a fogueira. Santa Joana d'Arc desce e caminha em sua direção.
Pode-se bem imaginar a perplexidade que invafia sua alma: "Mas, então,
aquelas vozes não eram verdadeiras? Aquelas vozes teriam mentido? Meu Deus,
será que minha vida não foi senão um engano? É a Inquisição que me condena! É
um tribunal eclesiástico, dirigido por um Bispo, composto por teólogos e por
homens de lei... Será que eu não me enganei, ó meu Deus?!"
Acende-se a
fogueira. Não demora, e a supliciada vai sentindo crescerem as dores da morte.
Em certo momento, ela parece haver tido uma visão e ouvem-na gritar de dentro
das chamas: "As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!"
O fogo tomou
conta de seu corpo, ela morreu com todas as dores de quem é queimada viva,
porém repetindo até o último momento: "As vozes não mentiram! As vozes não
mentiram!" Como que a dizer: "Há um mistério, mas eu morro contente,
porque estou fazendo a vontade de Deus!" O mistério se explicou para ela:
as vozes não tinham mentido.
O ímpeto dado
por Santa Joana d'Arc na ofensiva contra os invasores ingleses havia sido tão
grande que eles não ousaram resistir ao exército francês. Pouco após o
sacrifício da heroína, foi derrubado o poderio inglês na França.
Ela morreu sem
poder ver o desmoronamento da muralha. Entretanto, as vozes não lhe haviam
mentido. Cerca de 120 anos depois, Calais, a última cidade inglesa na França,
tombou, terminando a reconquista do território francês.
A Inglaterra,
durante este tempo, tornara-se protestante, e Calais se transformara numa
cidade herética: era a unha da heresia encravada no solo bendito da França. Mas
as vozes não mentiram, e a obra de Santa Joana d'Arc chegara ao fim. Para Deus
não há pressa. Ele é eterno. Passaram-se mais de trezentos anos...
Somente em 1908
quis o Altíssimo que São Pio X, numa cerimônia magnífica, em meio a jubilosos
repiques de sinos, canonizasse a virgem guerreira de Domremy.
O triunfo da
santa pastorinha coberta de armadura constituía mais uma cintilação que a
Igreja emitia de dentro de si. O nome de Joana d'Arc permanecerá como uma saga,
um mito, um poema, até o fim do mundo: a virgem heróica e débil, que expulsou
os ingleses do doce Reino da França e realizou, assim, a vontade de Nossa
Senhora, Rainha do Céu e da terra. (Mons. João Clá Dias, EP)
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