OFERTA DA VIDA: CINCO SANTOS QUE COLOCARAM
A VIDA EM RISCO POR AMOR AO PRÓXIMO
O papa Francisco abriu um novo
caminho para os processos de beatificação: a oferta livre da própria vida por
amor ao próximo, assumindo os riscos de uma morte iminente.
O papa Francisco emitiu na
terça-feira (11/09) uma Carta Apostólica que estabelece um novo caminho para os
processos de beatificação: a oferta da vida, para os casos de fiéis que
ofereceram livre e voluntariamente a própria vida por caridade para com o
próximo, aceitando heroicamente uma morte iminente e certa.
Trata-se de uma via que
valoriza de modo apropriado diversos casos ocorridos no último século e que a
Igreja tinha dificuldade de encaixar no sentido clássico de martírio. É,
além disso, uma decisão de grande porte – a última vez em que um papa
estabeleceu uma nova via para esses processos foi quando Urbano VIII, no século
XVII, instituiu a beatificação equipolente, adicionando um terceiro caminho,
além do martírio e da heroicidade das virtudes.
Sem pretensões de antecipar o
juízo da Igreja – até porque muito provavelmente a provisão do papa não terá
nenhum efeito retroativo, visto que se refere à condução dos processos de
beatificação –, aqui vai uma seleção de alguns santos e beatos do século XX
cujos traços remetem às características da oferta da vida.
Vale lembrar ainda que a carta
publicada pelo papa se intitula Maiorem
Hac Dilectionem, expressão tomada de Jo 15, 13: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
vida pelos seus amigos”.
SÃO MAXIMILIANO MARIA KOLBE (1894-1941)
O caso de Kolbe é praticamente
arquetípico para o caminho da oferta da vida. O padre polonês, franciscano
conventual, morreu como prisioneiro do campo de concentração nazista de
Auschwitz depois de se oferecer voluntariamente para ir para a câmara de
inanição – onde os condenados eram deixados para morrer de fome – no lugar de
outro preso.
Devido à dificuldade em
catalogar o seu caso como um martírio clássico, seu processo de beatificação
teve início pela via da heroicidade das virtudes. Ele foi beatificado em 1971
pelo Beato Paulo VI. Depois da eleição de seu compatriota São João Paulo II,
seu processo foi alterado para a via do martírio, culminando com sua
canonização em 1982. Ambos os papas o chamaram “mártir da caridade”.
SANTA GIANNA BERETTA MOLLA (1922-1962)
A médica Gianna Beretta Molla
tinha 38 anos quando engravidou pela quarta vez. Ela e seu marido Pietro
estavam casados há seis anos e já tinham um menino e duas meninas. Nessa última
gestação, porém, descobriu um fibroma no útero e foi colocada diante da opção
de abortar o bebê, de remover totalmente o útero – o que também ocasionaria a
morte da criança – ou de se submeter a uma cirurgia arriscada para retirar o tumor.
Ela deixou claro aos médicos
que a vida de seu bebê era mais importante do que a dela e optou pela cirurgia
de retirada do fibroma. A cirurgia teve sucesso, mas mesmo assim o nascimento
da filha, sete meses depois, não foi fácil. De novo, Gianna suplicou aos
médicos: “Se tiverem que decidir entre mim e o bebê, nenhuma hesitação: exijo
que escolham a criança”. Gianna Emanuela nasceu saudável, mas uma semana depois
a mãe morreu, em meio a dores excruciantes. O Beato Paulo VI chamou o
seu gesto de “meditada imolação”.
SANTO OSCAR ROMERO (1917-1980)
O arcebispo de San Salvador
foi assassinado aos 62 anos enquanto celebrava uma missa, em uma segunda-feira
na capela de um hospital. Duas semanas antes, já havia sido descoberta uma
bomba plantada para matá-lo na Basílica do Sagrado Coração de Jesus, na capital
salvadorenha. Quem planejou a sua morte foi o militar e líder político Roberto
d’Aubuisson, chefe dos “esquadrões da morte” de cunho paramilitar que atuavam
em favor do governo.
Longe da caricatura ideologizada
que se quis colar à sua imagem, Romero era um bispo de traços conservadores
que, em um espaço de poucos anos, tomou consciência pouco a pouco que denunciar
as injustiças perpetradas pelo Estado contra o povo era uma exigência de sua fé
e não uma mera opção política – e de tal maneira estava convencido disso que,
mesmo sabendo que estava marcado para morrer, não se deteve.
BEATA LINDALVA JUSTO
DE OLIVEIRA (1953-1993)
A leiga consagrada potiguar,
membro da Companhia das Filhas da Caridade, trabalhava em um asilo de Salvador
havia dois anos quando a casa, a pedido de um político, acolheu um homem de 46
anos. Ele começou a assediar a irmã Lindalva e lhe fazia propostas
inconvenientes e ameaças.
As colegas sugeriram que
Lindalva se afastasse do asilo e pedisse para ser transferida a outra obra da
companhia. A consagrada, porém, repleta de caridade pelos 40 idosos de que
cuidava, respondia: “Prefiro que meu sangue seja derramado a afastar-me daqui”.
Até que, na manhã da Sexta-Feira Santa de 1993, o homem, que tinha comprado uma
peixeira na segunda-feira anterior, esfaqueou Lindalva até a morte.
BEATO STANLEY FRANCIS ROTHER (1935-1981)
O norte-americano Stanley
Rother era padre havia cinco anos quando pediu ao seu bispo para ser
missionário na Guatemala. Com a aprovação do bispo, ele se dirigiu em 1968 à
cidade de Santiago Atitlán. Aprendeu espanhol e tzutuhil e chegou a traduzir o
Novo Testamento e o rito da missa para essa língua, além de dirigir uma rádio
educativa e uma pequena enfermaria. Mas, em 1980, começou uma onda de violência
contra a sua comunidade. A estação de rádio foi destruída, seu diretor foi
assassinado e catequistas foram raptados e encontrados mortos com sinais
de tortura.
Rother ficou sabendo que o seu
nome estava assinalado para morrer e alguns paroquianos recomendaram que ele
voltasse aos Estados Unidos. Ele chegou a visitar sua cidade, Oklahoma, em
janeiro de 1981, mas pediu ao seu bispo para retornar à Guatemala. Seu irmão o
questionou: “Por que você quer voltar? Eles estão te esperando e vão te matar”.
Rother respondeu: “Bem, um pastor não pode fugir do seu rebanho”. Ele voltou em
abril, a tempo de celebrar a Páscoa, e foi assassinado em julho.
***
Além desses santos e
beatos, vale citar dois casos de pessoas que ainda não foram beatificadas,
mas cujo processo está aberto e claramente se encaixa na via da oferta da vida.
Um deles é Salvo d’Acquisto (1920-1943), um jovem policial italiano que, para
livrar da execução 22 pessoas acusadas de uma explosão que matou dois soldados
nazistas, acusou a si mesmo de ter detonado os explosivos – o que não era
verdade, pois a explosão tinha sido acidental.
Outro caso é o de Christian de
Chergé (1937-1996) e seus companheiros, que formavam uma comunidade de monges
trapistas em Tibhirine, na Argélia. Diante dos constantes ataques de
fundamentalistas islâmicos na região, a comunidade precisou enfrentar o duro
discernimento de decidir se permanecia ali ou se retornava à França. Eles
decidiram permanecer e, em 1996, vinte homens armados invadiram a abadia e
sequestraram sete monges, incluindo Charles, mantendo-os reféns e
decapitando-os dois meses depois.
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