ZÉLIA E JERÔNIMO – O PRIMEIRO CASAL A
SER BEATIFICADO NO BRASIL
As histórias
virtuosas de Zélia Pedreira Abreu Magalhães (1857-1919) e de Jerônimo de Castro
Abreu Magalhães (1851 -1909) cruzaram-se pelo casamento. No entanto, mesmo
antes disso, ambas apresentavam características da mais profunda fé cristã.
Zélia, a
primogênita de João Pedreira do Couto Ferraz, secretário do Supremo Tribunal de
Justiça e aposentado do Supremo Tribunal Federal, e de Elisa Amália de Bulhões
Pedreira, nasceu em 5 de abril de 1857, no bairro do Ingá, em Niterói, capital
da então Província do Rio de Janeiro.
Recebeu
primeiramente o nome da mãe, Elisa, logo trocado pelo anagrama Zélia, composto
pelo pai. De família proeminente, Zélia teve como avós paternos o Desembargador
Luís Pedreira do Couto Ferraz e Guilhermina Amália Correia Pedreira e como avós
maternos, o Comendador José Manuel de Carvalho Bulhões e Justina Justa de
Oliveira Bulhões.
Entre os
parentes próximos, havia o Barão do Bom Retiro, presidente da Província do Rio
de Janeiro, cargo que hoje corresponde ao de Governador do Estado, seu tio
paterno; a Baronesa de Anadia, sua tia materna; o Visconde de Duprat, seu
cunhado; e o Arcebispo de Porto Alegre, Dom José Claudio Ponce de Leão, seu
primo.
Filho do
fazendeiro Fernando de Castro Abreu Magalhães e de Rosa Rodrigues Magalhães,
Jerônimo de Castro Abreu Magalhães (1851-1909) nasceu em Magé, Província do Rio
de Janeiro, em 26 de julho de 1851. Seu pai, que veio para o Brasil acompanhar
o irmão, Monsenhor Baccelar, Capelão do Imperador, construiu a grande fazenda
de café Santa Fé, próxima ao Carmo do Cantagalo, e fez grande fortuna.
Colaborou para o desenvolvimento da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, onde
situava-se a fazenda, cooperou com a fundação do Colégio Anchieta em Nova
Friburgo e extinguiu a escravatura em sua fazenda muito antes do decreto
imperial. Teve quatro irmãos sacerdotes e algumas sobrinhas religiosas.
Jerônimo fez
os estudos preparatórios em Lisboa, mas formou-se em Engenharia Civil pela
Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1873.
Zélia,
enquanto isso, recebia primorosa educação literária, artística e científica e
apresentava especial pendor para o estudo de idiomas. Aprendeu a falar e
escrever fluentemente o francês, inglês, espanhol e italiano, além do
português. Conhecia também alemão, latim e grego.
Aos 14 anos,
traduziu do italiano para o português obra “Il Giovinetto” de Cesare Cantu, que
publicou com o título de “O Adolescente”. O livro, de 250 páginas, foi
oferecido ao Imperador D. Pedro II que agradeceu através de carta. Sua vida
espiritual sempre recebeu grande atenção.
Durante dez
anos, foi orientada pelo frade capuchinho Frei Luiz Gubbio e, depois de casada,
recebeu orientação do grande sacerdote jesuíta padre Yabar e de outros
sacerdotes importantes que frequentavam sua casa.
Em 27 de julho
de 1876, Zélia, com pouco mais de 19 anos, e Jerônimo, com 25 anos
recém-feitos, casaram-se na Chácara da Cachoeira, no bairro da Tijuca, na
cidade do Rio de Janeiro.
Após uma
temporada em Petrópolis, o casal fixou residência na Fazenda Santa Fé, de
propriedade da família de Jerônimo e constituiu um autêntico lar cristão.
Na fazenda
havia uma capela onde Zélia rezava inúmeras vezes ao dia. O casal jamais
tratava os escravos, que viviam em liberdade e recebiam salário, como propriedade.
Eles iniciavam
seu dia de trabalho com uma oração guiada por ela e acompanhada por Jerônimo,
no coreto do pátio da fazenda. A preocupação de Zélia e Jerônimo com a vida
espiritual desses homens, mulheres e crianças era tão grande que eles sempre
participavam da Missa, das confissões e da catequese promovidas pelo casal e
Zélia, pessoalmente, encarregava-se da catequese e da assistência aos escravos
e necessitados. Tanto que construiu uma enfermaria para tratar dos doentes com
visitas periódicas de um médico, dela mesma e de seus filhos.
Ao ser
assinada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, os escravos agora libertos
legalmente lá permaneceram, uma vez que sempre haviam sido tratados como
pessoas livres, a partir do exemplo do pai de Jerônimo.
Do feliz
casamento nasceram treze filhos, quatro dos quais falecidos em tenra idade.
Todos os
demais abraçaram ordens religiosas. Os três homens tornaram-se um Lazarista, um
Jesuíta e um Franciscano. Dentre as seis mulheres, quatro tornaram-se Dorotéias
e duas da Congregação do Bom Pastor.
O casal sempre
preocupou-se com a educação dos filhos. A princípio, Zélia e Jerônimo os
educavam em casa, em um ambiente intensamente cristão, frequentado por
sacerdotes e bispos com assiduidade, no qual sempre havia Missas, Confissões e
eram ministrados os demais sacramentos.
Já um pouco
mais velhos, os filhos eram encaminhados para colégios católicos para
aprimorarem não apenas os conhecimentos intelectuais como religiosos.
Jerônimo era
tão dedicado à formação dos futuros sacerdotes seculares que reservava parte de
suas economias para enviar aos seminários e casas religiosas, além de ajudar a
propagação da mais profunda vivência da fé cristã. Sempre reunia os fazendeiros
da região, não apenas para participarem da Missa e da Confissão, como para
ajudarem com doações para a Igreja.
Por ter, assim
como Zélia, entre seus diretores espirituais, o jesuíta padre Yabar, Jerônimo
tinha muita afeição e espiritualidade inaciana, mas teve São Francisco como
modelo de desprendimento dos bens terrenos e chegou a tornar-se franciscano da
Ordem Terceira. Mas, na fazenda Santa Fé, Zélia e Jerônimo acolhiam diversos
missionários Lazaristas, Redentoristas, Franciscanos e Jesuítas em missões que
abrangiam toda a região e todo o povo de Deus, de escravos e colonos até
fazendeiros insignes.
Como pai de
família, Jerônimo, por várias vezes renovou o sacrifício de oferecer a Deus
cada um dos seus filhos. Além disso, escreveu a um sacerdote que, seguindo os
desígnios de Deus, ele próprio e sua esposa seguiriam ordens religiosas. Quando
isso ocorresse, ele iria doar a Fazenda Santa Fé para alguma congregação e os
demais bens para a Igreja e para os pobres.
No entanto,
ele não pode concretizar sua vontade. Faleceu em alto grau de perfeição de vida
cristã em 12 de agosto de 1909, aos 58 anos, deixando nove filhos religiosos,
Zélia e acima de tudo um exemplo de santo pai amoroso.
Com a morte de
Jerônimo, Zélia foi cuidar de seu pai viúvo com quem morou até a morte dele em
1 de novembro de 1913, quando tornou-se religiosa, ao ingressar no convento das
Servas do Santíssimo Sacramento, o “Venite Adoremus”, estabelecido em 1912, no
Largo do Machado, Rio de Janeiro. No entanto, a doença grave de uma das filhas
e o filho mais novo, Fernando, jesuita, ainda sem os votos perpétuos,
fizeram-na adiar um pouco o atendimento ao chamado de Cristo.
Após vender e
doar seus bens aos mais necessitados e à Igreja, conforme o desejo de Jerônimo
e a passagem do Evangelho, Zélia concretizou o total desprendimento dos bens
materiais, tomou o hábito religioso em 22 de janeiro de 1918 e adotou o nome de
Irmã Maria do Santíssimo Sacramento.
Em 8 de
setembro de 1919, a edificante vida de Zélia, a Irmã Maria do Santíssimo
Sacramento, teve fim. Ela foi sepultada em um simples jazigo no Cemitério São
João Batista, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.
Por causa do
grande número de fiéis que frequentavam seu túmulo para rezar, seus restos
mortais foram transladados para a Paróquia Nossa Senhora de Copacabana em uma
cerimônia que deveria ser discreta, com Missa celebrada pelos três filhos. Mas,
a notícia da transladação fez acorrer uma multidão para o cemitério e o número
de fiéis foi tão grande que mais parecia uma procissão. A igreja não comportou
o povo que acomodou-se nas ruas laterais da Paróquia.
A Missa teve
transmissão através da Rádio Nacional e todos os jornais noticiaram o ocorrido.
A fama de Zélia espalhou-se por todo o país. Sua
biografia chegou à 7ª edição, ainda em 1960, e foi traduzida para o alemão, o
inglês, o francês, o espanhol, o italiano, o eslavo e publicada em português de
Portugal. Inúmeras são as graças e milagres alcançados por esta grande mãe de
família, filha fiel e toda de Deus.
O casal Zélia
e Jerônimo não apenas renovou o sacrifício de entregar todos os seus filhos a
Deus como entregar a si mesmos, como maior prova de amor.
São lembrados, também, neste dia:
Santa Catarina de Ricci (virgem), Santa Joana de Valois (rainha, viúva,
fundadora), Santo André Corsini, São Gilberto.
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