“PAI, PERDOA-LHES...” (Lc 23,34)
Andando solitário, saudoso,
melancólico, esnobado e descrente pelas estradas poeirentas da vida, deparei-me
com um homem de porte majestoso, alto, de pele bronzeada, rosto suave, olhos
meigos, cabelos negros e longos, roupas longas, pés descalços, gestos medidos,
voz cativante, palavras de vida eterna. Aproximou-se alguém de mim que, como
eu, o via passar, estendeu o seu braço direito e, com o dedo indicador em
riste, apontou para aquele homem majestoso e me diz: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” (João, 1,
29).
Passei, então, a seguí-lo, em seu
caminhar silencioso e meditativo. Ao notar minha presença, ele se volta, e
pergunta: “Que está procurando?”, e
eu lhe respondo, com outra pergunta: “Mestre,
onde moras?” e ele me responde prontamente: “Vem e vê.” (Jo 1,38-39).
Comecei a caminhar ao seu lado, e ele
se volta para mim encarando-me com seu olhar doce, meigo e profundo e me diz: “Arrepende-se, porque está próximo o Reino
dos Céus.” (Mt 4,17), e, como se estivesse vivendo em uma outra dimensão
sem tirar os pés do chão, continuou: “Se
alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois
aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida
por causa de mim, vai encontrá-la.” (Mt 16,24-25), e, a seguir, dizendo: “Na casa de meu Pai há muitas moradas. se
não fosse assim, eu lhe teria dito, pois vou lhe preparar um lugar, virei
novamente e lhe levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, você esteja
também” (Jo 14,2-3), acrescentando: “Eu
sou o Caminho, a Verdade e a Vida.” (Jo 14,6).
Dizendo isso me convida a conhecer as suas moradas... Levou-me até onde brincava uma inocente
criança, abraçando-a olhando profundamente os seus olhinhos inocentes, calmos e
cristalinos como uma lagoa que assimila e reflete o azul do céu e os raios
dourados do sol, e me diz: “... se você não se converter e não se tornar como as crianças, de modo algum entrará no Reino dos Céus. Aquele, portanto,
que se tornar pequenino como esta criança, este é o maior no Reino dos Céus.”
(Mt 18,2-4). “Aquele que receber uma
criança como esta por causa do meu nome, recebe a mim, e aquele que me recebe,
recebe aquele que me enviou...” (Lc 9,46-48); “Em
verdade lhe digo: aquele que não receber o Reino de Deus como uma criança, não
entrará nele”. (Mc 10,15), porque,
como essa criança, serão “Bem-aventurados
os puros de coração, porque verão a Deus.” (Mt 5,8).
Passamos, depois, por diversas outras
moradas do Mestre: o faminto, o sedento, o despido, o peregrino, o doente, o
encarcerado e, olhando e apontando para
cada um deles, me disse o Mestre: “E quem der, nem que seja um copo d’água a
um desses pequeninos... em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.”(Mt,
10,42), porque serão “Bem-aventurados os
puros de coração porque verão a Deus.” (Mt 5,8); socorra sempre os necessitados, disse-me ele, e aprenda esta regra
de ouro: “Tudo aquilo, portanto, que você
quer que os homens lhe faça, faça você a eles, pois esta é a Lei e os
Profetas.” (Mt 7,12).
O Mestre, vendo-me calado e,
penetrando em meu coração notou tantas amarguras, mágoas, ressentimentos e
dores, colocou a mão em meu ombro e me conforta: “Ame os seus inimigos, faça o bem aos que lhe odeiam, bendiga os que
lhe amaldiçoam, ore por aqueles que lhe difamam. A quem lhe ferir numa face,
oferece a outra; a quem lhe arrebatar a capa, não recuse a túnica. Dá a quem
lhe pedir e não reclame a quem tomar o que é seu. Como você quer que os outros
lhe façam, faça também a eles. Se você ama os que lhe amam, que graça você vai
alcançar? ...ame seus inimigos, faça o bem e empreste sem esperar coisa alguma
Ao me dizer isso, eu o encarei
descrente dessa possibilidade, pois, como iria eu amar meus inimigos que tantos
males me fizeram? E os que disseram serem meus amigos, se só tentaram me
prejudicar? E as pessoas que disseram que me amavam, se só pensaram em si
próprias? Como poderia eu amar quem me fez mal?
O Mestre, ao observar a minha
descrença e na impossibilidade do perdão, acrescenta: “Seja misericordioso como o seu Pai é misericordioso. Não julgue para
não ser julgado; não condene para não ser condenado; perdoa, e lhe será
perdoado. Dê, e lhe será dado; será derramada no seu regaço uma boa medida,
calcada, sacudida, trasbordante, pois com a medida com que você medir, você
será medido também.” (Lc 6,36-38), e continuou: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.”
(Mt 5,7); e disse ainda para que eu não esquecesse o seu mandamento novo,
quando afirmou: “Dou a você um mandamento
novo: que amem-se uns aos outros. Como eu amei voces, vocês devem se amar
também uns aos outros.” (Jo13,34).
E eu lhe respondi: “Mestre, amo a Deus, mas é tão difícil
perdoar a quem nos fez mal, é tão difícil esquecer as ofensas, é tão difícil
esquecer as esnobações, é tão difícil esquecer ingratidões, despresos,
traições...”, ele, prontamente, me respondeu: “não se esqueça do que eu disse, do alto da cruz, me referindo aos
meus algozes: “Pai, perdoa-lhes, não sabem o que fazem” (Lc 23,34); porque,
se lhe prenderam, a mim prenderam também, se lhe caluniaram, a mim caluniaram
também, se lhe desacreditaram, a mim desacreditaram também, se falaram mentiras
a seu respeito, falaram também ao meu respeito, se lhe levaram a um tribunal, a
mim levaram também, se lhe humilharam, lhe abandonaram, a mim fizeram isso
também, porque você quer ser diferente de mim? Lembre-se do que eu disse: “Não existe discípulo superior ao seu
mestre, nem servo superior ao seu senhor.” (Mt 10,24); então, porque você quer ser
diferente? Não se esqueça do que o meu Apóstolo João escreveu: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas odeia
o seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a
quem não vê, não poderá amar. E este é o mandamento que dele recebemos: aquele
que ama a Deus, ame também o seu irmão.” (1Jo 4,20-21).
E o Mestre continuou: “Quando você estiver rezando, perdoe tudo o
que tiver contra alguém, para que o seu Pai que está no céu também perdoe os
seus pecados. Porque, se você não perdoar, o seu Pai que está no céu também não
perdoará os seus pecados” (Mc 11,25-26). Ao ouvir isso do Mestre, mesmo com
o peito ferido e o coração sangrando, mesmo sem ver perspectivas de dias
melhores, eu lhe respondo, do fundo do coração: “SENHOR,... EU... AMO... EU PERDOO...
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