XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM
“ESTE HOMEM NÃO É O CARPINTEIRO, FILHO
DE MARIA?” (Mc 6,3).
Ano –B; Cor – Verde; Leituras: Ez 2,2-5;
Sl 122; 2Cor 12,7-10; Mc 6,1-6.
Diácono Milton Restivo
A cidade da infância de Jesus, conforme consta dos
Evangelhos segundo Mateus 2,22-23 e Lucas 2,4-5.39, foi Nazaré, cidade da
região da Galiléia, voltada para a agricultura e afazeres artesanais. Segundo o
Evangelho de Lucas, Maria, quando jovem, residia em Nazaré, e foi em Nazaré que
Maria recebeu a visita do Anjo que lhe anunciou o nascimento do Filho de Deus
(Lc 1,26-38). Também, foi em Nazaré que Jesus passou a sua infância,
adolescência e juventude.
Foi em Nazaré que Jesus aprendeu a profissão e
trabalhou como carpinteiro, como seria conhecido depois: “Este homem não é o carpinteiro, o filho de Maria, e irmão de Tiago, de
José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco?” (Mc
6,3).
A Galiléia era uma província do norte da Palestina
que, no Antigo Testamento, foi chamada de “Galiléia dos pagãos”, como vemos em
Mateus quando referencia Isaias: “...
para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaias (Is 8,23): Terra de Zabulon, terra de Neftali, caminho
do mar, região do outro lado do rio Jordão, Galiléia dos que não são judeus!” (Mt
4,14-15). Nazaré, por sua vez, era uma pequena aldeia, jamais citada no Antigo
Testamento e totalmente desconhecida até aparecer nos escritos do Novo
Testamento como residência da Sagrada Família, José, Maria e Jesus.
A cidade de Nazaré estava situada na região da
Galiléia, ao norte da Judéia e, por isso, os primeiros cristãos, entre outros
nomes com os quais eram identificados, também eram chamados, de “galileus”,
amparado na ordem dada por Jesus aos discípulos, tendo como mensageiras as
mulheres que o viram ressuscitado: “As mulheres
se aproximaram e se ajoelharam diante de Jesus, abraçando seus pés. Então Jesus
disse a elas: ‘Não tenham medo. Vão anunciar aos meus irmãos que se dirijam
para a Galiléia. Lá eles me verão. [...] Os onze discípulos foram para a Galiléia, ao monte que Jesus lhes tinha
indicado.” (Mt 28,10.16).
Além de “galileus” eram também conhecidos por
“nazarenos”, que acabou sendo um nome depreciativo, como vemos no Evangelho de
João: “Felipe se encontrou com Natanael,
e disse: ‘Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e também os
profetas: é Jesus de Nazaré, o filho de José. ’ Natanael disse: ‘De Nazaré pode
sair coisa boa?” (Jo 1,45-46).
Até o início de sua vida pública, como disse Lucas: “Jesus tinha cerca de trinta anos quando
começou sua atividade pública.” (Lc 3,23), Jesus trabalhou como carpinteiro
na sua pequena cidade e, com certeza, nas cidades circunvizinhas a Nazaré;
então, Jesus era um profissional muito competente e conhecido, tendo herdado a
honradez do seu trabalho de seu pai, José.
Daí conclui-se que Jesus teve uma infância e
adolescência normal na sua família e na sua cidade, entre seus parentes,
vizinhos e toda a população da pequena aldeia de Nazaré, sendo sobejamente
conhecido como pessoa e profissional que era, chegando à fase adulta dessa
maneira.
Certo dia, “Jesus
foi da Galiléia para ao rio Jordão, a fim de se encontrar com João (Batista),
e ser batizado por ele.” (Mt 3,13).
Depois disso Jesus deixou sua cidade, sua família, seus amigos, seus clientes e
partiu, foi morar em outra cidade para iniciar a sua vida pública; “Deixou Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que
fica às margens do mar da Galiléia, nos confins de Zabulon e Neftali. [...]
Daí em diante, Jesus começou a pregar,
dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino de Deus está próximo’. [...] Jesus andava por toda a Galiléia, ensinando
em suas sinagogas, pregando a Boa Nova do Reino e curando todo tipo de doença e
enfermidade do povo.” (Mt 4,13.17.23).
Mas, como Jesus era humano, um dia bateu a saudade de
casa: saudade da mãe, dos irmãos, dos parentes, dos amigos, das ruelas de sua
cidade. Sentiu forte desejo e necessidade de voltar para rever os lugares onde
havia passado, despreocupadamente, a sua infância, adolescência, puberdade e o
início da vida adulta. E Lucas irá dizer: “Jesus
foi à cidade de Nazaré, onde se havia criado.” (Lc 4,16). E voltou, e levou
consigo os amigos e os discípulos que angariara no início de sua vida missionária.
Queria que todos conhecessem sua família e a cidade de onde viera.
Quem não sente saudade dos tempos felizes da infância,
da adolescência, dos amiguinhos, dos primeiros professores e professoras, dos e
das catequistas, dos lugares que marcaram sua vida, e não sente vontade,
alegria e orgulho de voltar e mostrar isso para seus novos amigos? Todos somos
assim! Com Jesus não foi diferente. E Jesus voltou...
Assim como Jesus estava anunciando uma Boa Nova às
outras cidades e regiões por onde passava: ‘Convertam-se,
porque o Reino de Deus está próximo’, com certeza, quis, também, que os
seus conhecidos da sua cidade conhecessem e aderissem à Boa Nova do Reino de
Deus que estava chegando. Como ele fazia quando morava em Nazaré, no sábado
Jesus foi cumprir o preceito religioso judeu de ouvir a palavra de Deus na
sinagoga da cidade, mas Jesus não se contentou somente em ouvir; começou a
ensinar: “Quando chegou o sábado, Jesus
começou a ensinar na sinagoga.” (Mc 6,2a). Marcos não especifica o que
Jesus se propôs a ensinar. Mas, se ele estava anunciando, em outras
localidades, a chegada da Boa Nova e convidando o povo a converter-se porque o
Reino de Deus estava próximo, com certeza, era sobre isso que Jesus falava. A
princípio houve um impacto nos ouvintes. Começaram por não acreditar no que
estavam vendo e ouvindo.
O carpinteiro, filho de José e Maria, que estudara na
mesma escola que todos frequentaram, mudara-se para outra cidade, ficara um
tempo fora, e é sabido que não estudara nada além que já havia estudado nas
escassas e limitadas escola e sinagoga de Nazaré e nem havia frequentado em
outros lugares escolas superiores ou faculdades, começa a ensinar como quem tem
autoridade: “As pessoas ficavam admiradas
com o seu ensinamento, porque Jesus ensinava como quem tem autoridade e não
como os doutores da Lei.” (Mc 1,22).
E mais: além dos ensinamentos, Jesus passara a fazer
prodígios e até milagres, começando a despertar nos ouvintes admiração
passando, da admiração, para a desconfiança: “Muitos que o escutavam ficavam admirados e diziam: ‘De onde vem tudo
isso? E esses milagres que são realizados pelas mãos dele?” (Mc 6,2b). E
brota logo perguntas na cabeça de cada um: “Quem
ele pensa que é? Será que ele pensa que é melhor que nós? Afinal das contas,
nós o conhecemos, estudamos a mesma escola, frequentamos a mesma sinagoga”.
Iniciando-se pela admiração, passando para a
desconfiança, dai para a descrença e desta para a inveja chegando-se ao
escândalo e ao ceticismo: “Esse homem não
é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de
Simão? E suas irmãs não moram aqui conosco? ’ E ficaram escandalizados por
causa de Jesus.” (Mc 6,3).
Também alimentamos discriminações a respeito de Jesus:
é fácil aceitá-lo, nos nossos dias, como Deus que é, mas como é difícil
acreditar que ele foi homem, teve família, pai, mãe, irmãos... E se ele teve família,
é tão igual a nós como todos o são, então, quem ele pensa que é? Afinal de
contas, ele não passava de um carpinteiro que, possivelmente, tivesse deixado a
sua cidade para tentar uma vida melhor em outras localidades. Está patente a
discriminação, porque, para falar das coisas de Deus, existiam os doutores da
Lei que eram versados nisso e somente eles tinham respostas para todas as
indagações do povo, e o que entenderia um carpinteiro a respeito disso?
Rotulamos as pessoas de acordo com a sua profissão,
aparência e a nossa maneira de pensar, agir e julgar, com a nossa ideologia e
com a parca capacidade de entendermos o que Deus quer de cada um de nós, e
ignoramos que Deus “não faz diferença
entre as pessoas” (At 10,34; 1Pd 1,17).
O Espírito Santo, conforme disse Jesus no Evangelho segundo
João, é como o vento: assim ouve-se o vento, mas não se pode dizer de onde ele
vem ou para onde vai depois. Assim é com o Espírito Santo. O vento sopra. Não podemos vê-lo. Vem de
algum lugar, embora não saibamos de onde e vai para outro lugar qualquer,
embora também não saibamos para onde. E Jesus finaliza: “Acontece a mesma coisa com quem nasceu do Espírito.” (Jo 3,8). E
Jesus havia nascido do Espírito e por isso estava pleno do Espírito, conforme
disse o Anjo a Maria por ocasião da anunciação: “O Espírito virá sobre você,
e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua sombra. Por isso, o Santo que vai
nascer de você será chamado Filho de Deus.” (Lc 1,35).
O homem quer impor a sua religiosidade popular e a sua
ideologia em contraste aos dons e poder do Espírito Santo. Se não entende, não
aceita, e ponto final. Se não entende de onde vem tanta sabedoria no jovem
carpinteiro, o melhor a fazer é desacreditá-lo, é ridicularizá-lo diante de
todos e, se possível, colocá-lo para fora da sinagoga, da cidade, da vida.
Jesus, como homem, foi discriminado e se
escandalizaram com ele, embora jamais homem algum fosse cheio da plenitude do
Espírito Santo como ele foi possuidor. Não aceitamos que a sabedoria de Deus se
manifeste no outro se esse outro não se enquadrar no modelo da ideologia e
religiosidade popular que projetamos para que Deus manifeste sua sabedoria. O
homem é tão ridículo que impõe normas até para que a sabedoria de Deus se
manifeste.
Nesta mesma passagem narrada por Marcos, Lucas complementa
dizendo que, na sinagoga, foi dado a Jesus o livro do profeta Isaias, e Jesus,
abrindo o livro, encontrou a passagem onde anunciava a realização da plenitude
dos tempos, e aquilo que estava reservado para a sua missão desde todos os
tempos: “O Espírito do Senhor está sobre
mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a boa nova aos pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da
vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor.” (Lc
4,18-19). E Jesus complementa, dizendo: “Hoje
se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” (Lc
4,21). Afinal de contas, quem era Jesus
para dizer isso, se não passava de um simples carpinteiro, filho de Maria,
irmão de Tiago, José, Tadeu e Simão, e de outras irmãs não citadas nominalmente
que todos conheciam?
Mas queiram ou não, escandalizando-se ou não,
acreditem ou não, o Espírito do Senhor está sobre ele, e o Espírito Santo age
até contrariando frontalmente a maneira de pensar do homem. Não há nada que se
possa fazer a respeito do vento. Não há como coibir ou proibir. Não há como
decretar uma lei proibindo o vento de soprar. Não há autoridade que diga: “Aqui
o vento não sopra”, porque o vento sopra aonde quer soprar! Assim é o Espírito
Santo.
Ao tomar conhecimento da sabedoria de Jesus, o povo
demonstrou todo o seu ceticismo: “De onde ele recebeu tudo isso? De onde vem
tanta sabedoria?” (Mc 6,2). Começa ai a rejeição de Jesus como Messias.
Começa a incredulidade sobre o mistério da Encarnação, como disse Agostinho de
Hipona: “Um Deus que se fez homem para
que todos os homens se tornassem filhos de Deus”. Começa-se a colocar em
dúvida a concepção de um Deus no ventre de uma mulher; um Deus, de natureza divina
que assume a natureza humana e se torna o “Emanuel”, o Deus conosco, o Deus que
vem morar no nosso meio, o Deus que instalou a sua tenda entre nós e promete
que “estará conosco todos os dias, até o
fim do mundo.” (Mt 28,20),
Se não entendermos Jesus como homem, jamais o
entenderemos como Deus.
Se não aceitarmos Jesus como homem, jamais o
aceitaremos como Deus porque, como Deus, ele se identifica no homem e toma para
si o que se faz a um irmão pequenino: “Pois
eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede e me deram de
beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e
me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão e vocês
foram me visitar. [...] Todas as
vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o
fizeram.” (Mt 26,35-36.40).
Se não vermos Jesus como o homem de Nazaré, jamais o
reconheceremos na pessoa do irmão, porque no irmão o vemos como o homem que ele
foi.
Que decepção a recepção que Jesus teve em sua cidade.
Com certeza, Jesus não esperasse isso; esperava, com certeza, mais calor, mas
amizade, mais receptividade, mais aconchego. Mas Jesus chegou à triste
conclusão que “um profeta só não é
estimado em sua própria pátria, entre os seus parentes e em sua família. [...]
E Jesus ficou admirado com a falta de fé
deles.” (Mc 6,4.6).
Sobre esta passagem, no seu Evangelho, Lucas vai além
e narra uma discussão entre Jesus e o povo que acaba tendo um fim lamentável e
dramático, quase trágico: “Quando ouviram
essas palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se, e
expulsaram Jesus da cidade. E o levaram até o alto de um monte, sobre o qual a
cidade estava construída, com intenção de lançá-lo no precipício. Mas Jesus,
passando apelo meio deles, continuou seu caminho”. (Lc 4,28-30). A rejeição
a respeito de Jesus apenas começa ai: rejeitado em Nazaré: “Ninguém é profeta na sua terra.” (Lc 4,
24), e vai se estender por toda a sua vida até culminar no Calvário.
Mais tarde Jesus diria: “Felizes vocês que forem insultados e perseguidos, e se disserem todo
tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes,
porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os
profetas que vieram antes de vocês.” (Mt 5,11-12). Tenhamos diante dos
olhos o ensinamento de Jesus: “Se o mundo
odiar vocês, saibam que odiou primeiro a mim. [...] Se perseguiram a
mim, vão perseguir vocês também; se guardaram a minha palavra, vão guardar
também a palavra de vocês. Farão isso a vocês por causa do meu nome, pois não
reconhecem aquele que me enviou.” (Jo 15,18.20-21).
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