XV DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Am
7,12-15; Sl 84; Ef 1,3-14; Mc 6,7-13.
“JESUS CHAMOU
OS DOZE COMEÇOU A ENVIÁ-LOS DOIS A DOIS." (Mc 6,7).
Diácono Milton Restivo
Estamos no XV Domingo do Tempo Comum. Durante o Tempo
Comum a liturgia coloca-nos em caminhada com Jesus, bebendo de sua sabedoria e
nos alimentando da sua palavra.
O Novo Testamento está latente no Antigo Testamento e
o Antigo está patente no Novo Testamento. O Antigo Testamento deve ser lido à
luz do Novo Testamento. Por isso a liturgia sempre nos faz voltar ao Antigo
Testamento para mostrar que o Novo Testamento é a realização plena das
promessas, profecias e preocupação que Deus Pai tem pelo povo ele escolheu por
herança: “O plano de Iahweh permanece
para sempre, os projetos do seu coração, de geração em geração. Feliz é o
povo cujo Deus é Iahweh, o povo que ele escolheu como herança.” (Sl 33,12).
O profeta Amós, que viveu por volta do ano 760 aC , é uma antevisão da
atitude de Jesus de chamar os doze discípulos e enviá-los dois a dois para os
lugares circunvizinhos (cf Mc 6, 7-13).
Assim como Jesus não foi bem recebido em sua cidade de
Nazaré e de lá saiu quase que enxotado, como vimos no Evangelho de domingo
passado, o profeta Amós também foi expulso dos lugares onde profetizava e
levava a palavra de Yahweh.
Amós diz aos que tentavam impedi-lo de realizar o
plano de Deus no meio do povo: “Foi
Iahweh quem me tirou de trás do rebanho e me ordenou: ‘Vá profetizar ao meu
povo Israel. ’” (Am 7,15); e Amós mesmo diz: “... eu sou um vaqueiro (ou criador de gado) e cultivador de sicômoros.” (Am 7,14b). Amós, como vemos na sua afirmativa, cuidava
de vacas ou ovelhas e era, portanto, pastor e também agricultor, pois era
cultivador de sicômoros, uma árvore de grande porte fornecedora de madeira para
marcenaria, e Iahweh o arrebatou desses seus afazeres e ele se sentiu
irresistivelmente compelido a levar, para o povo afastado do Senhor do reino do
norte, Israel, ele que era do reino do sul, Judá, a palavra de Iahweh.
O chamamento de Deus para o apostolado é irresistível,
mas, apesar disso, quantos não agem como o jovem rico que, depois de ouvir o
convite de Jesus para seguí-lo, viram as costas e vão embora: “quando ouviu isso, o jovem foi embora...” (Mt
19,22).
Antes dos fatos narrados no Evangelho desta liturgia,
Jesus começa, no Evangelho de Marcos, por escolher os seus discípulos, que mais
tarde seriam seus apóstolos, entre os pescadores do mar da Galiléia: “Sigam-me, e eu farei vocês se tornarem
pescadores de homens. Eles imediatamente deixaram as redes e seguiram a Jesus.”
(Mc 1,17-18). E assim aconteceu com os demais. Depois, “Jesus subiu ao monte e chamou os que desejavam escolher. E foram até
ele. Então Jesus constituiu o grupo dos Doze, para que ficassem com ele e para
ensiná-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios.” (Mt
3,13-15).
Agora Jesus chama seus doze discípulos para o
apostolado, e começa a enviá-los dois a dois (cf Mt 7,7). Jesus sente que havia
chegado a hora de sua mensagem espandir-se, e por isso nomeia mensageiros,
missionários, apóstolos para levar para outras paragens os seus ensinamentos e,
a exemplo de Amós, os discípulos se põem a caminho.
Para se colocar a serviço de Jesus, há a necessidade
do chamamento por parte de Deus, porque Jesus escolhe a dedo os seus apóstolos,
e por isso Marcos diz: “Chamou os doze
discípulos, começou a enviá-los...” (Mc 7,7). Jesus chama para o apostolado
a todos e a cada um de nós; muitos atendem ao seu chamamento e partem para a
missão, outros, entretanto, agem como o jovem rico e se entristecem com esse
chamamento, viram as costas, e vão embora.
Para Amós Iahweh disse: “Vai profetizar ao meu povo Israel.” (Am 7,15). Israel, o povo da
Antiga Aliança. Jesus, por sua vez, manda seus discípulos levarem sua mensagem
para o novo povo, o povo da Nova Aliança, que vai surgir do seu coração aberto
pela lança na cruz, e isso não somente para Israel, ou para os judeus, mas para
a salvação do mundo inteiro, principalmente “...
para quem acreditar e for batizado...” (Mc 16,16).
Amós deixa claro que Israel é o povo de Iahweh, porque
Iahweh disse: “Vai profetizar ao meu povo
Israel.” Deus afirma que o povo é seu, o povo lhe pertence, e esse povo não
pode ser manipulado por mentes doentias e mal intencionadas que querem fazer da
religião um meio para a sua própria promoção pessoal e meio de vida, desviando
o povo de Deus do seu verdadeiro destino que é a posse do Reino dos Céus.
Jesus, da mesma maneira, preocupa-se com isso: veio
anunciar a chegada do Reino e o convite à conversão: “O tempo já se cumpriu, e o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e
acreditem na Boa Notícia.” (Mc 1,15), e, por isso, começa a enviar missionários
para auxiliá-lo neste mistér. Jesus não somente os envia, mas dá-lhes poder,
dá-lhes instruções e os orientam sobre quais as atitudes que devem ser tomadas
se são bem recebidos ou mal entendidos.
Deu-lhes
poder sobre espíritos maus e esse poder não foi dado somente àqueles doze, mas
que permanece em todos os tempos na sua Igreja: “... dando-lhes poder sobre
espíritos impuros.” (Mc 6,7). Espíritos maus ou imundos são tudo aquilo que
se opõe à realização completa do Reino que Jesus veio trazer para todos. Tudo o
que contraria os valores do Reino é espírito mau. Quantos, ainda hoje,
interpretam essas palavras ao pé da letra, os fundamentalistas que criam uma
religião que sataniza e demoniza quase tudo, uma religião de exorcismos e
diabos.
Existem seitas, que se dizem cristãs, que
falam mais do demônio do que de Jesus, valorizam mais o demônio do que o
sacrifício feito por Jesus, esquecendo-se de que Jesus veio para nos libertar
de todos os males, bastando para isso guardar a sua palavra: “Se vocês guardarem a minha palavra, vocês
de fato serão meus discípulos; conhecerão a verdade, e a verdade libertará
vocês.” (Jo 8,31-32). Esqueceram ou
nunca tomaram conhecimento do que Paulo escreveu aos romanos: “Se Deus está a nosso favor, quem estará
contra nós? [...] Quem poderá nos
separar do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a
nudez, o perigo, a espada? [...] Mas,
em todas essas coisas somos mais do que vencedores por meio daquele que nos
amou! Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos, nem os
principados, nem o presente, nem o futuro, nem os poderes nem as forças das
alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá
separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo , nosso Senhor!” (Rom
8,31.35.37-39). Seitas que assim agem
não convencem pelo amor, mas pelo terror, pelo medo e que ainda não se realizou
no amor. A respeito disso, João afirma: “No
amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque
o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado
no amor.” (1Jo 4,18-19).
Paulo define espíritos impuros como sendo
as obras da carne, e ele especifica quais são: “Ora, as obras da carne são
estas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades,
brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras,
orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas previno vocês, como já lhes
preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus”. (Gl 5,19-21).
O demônio nada pode contra o povo de Deus
porque “Se Deus está a nosso favor, quem
estará contra nós?” (Rm 8,31). Mas
acontece que os piores demônios somos nós mesmos que os fabricamos, que os
criamos, e que vem de dentro de nós mesmos, como fornicação, impureza,
libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio,
ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas
semelhantes. Esses são os espíritos imundos mais difíceis de serem vencidos
porque são criaturas nossas, que nós mesmos criamos.
O demônio que está no inferno, que fique
no inferno, que é o lugar dele, e ele nada pode contra o povo de Deus. Agora,
os demônios que nós mesmos criamos, são os mais difíceis de serem vencidos,
porque os valorizamos demais.
Uma Igreja comprometida com o amor e com os valores do Evangelho será
sempre uma Igreja rejeitada pelos poderes desse mundo, pelos espíritos maus,
imundos, e Jesus deu poder aos seus discípulos de vencê-los, e “Se Deus está a nosso favor, quem estará
contra nós?”. Quando somos bem aceitos, é porque não questionamos, porque perdemos
a nossa voz profética! A igreja verdadeira suscita mártires, literalmente,
testemunhas, e não acomodados, porque Jeus morreu de pé e de braços abertos
para que não ficássemos sentados e de braços cruzados!
“Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho,
a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura.” (Mc 6,8). Jesus recomendou aos discípulos que não
levassem nada para o caminho, a não ser um cajado ou um bastão para se apoiar
na sua caminhada. Não deveriam levar nem pão, nem sacola, nem dinheiro na
cintura. Deveriam andar de sandálias e que levassem apenas uma túnica.
O cajado ou o bastão seria a fé onde eles se apoiariam
para não vacilar na missão que lhes foi imposta ou perder o equilíbrio na
postura de assumir a verdade. Não deveriam levar pão, porque o seu alimento
seria “a palavra que sai da boca de Deus”
(Mt 4,4; Dt 8,3) e Jesus diria mais tarde: “O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar
plenamente sua obra” (Jo 4,34). Para levar a paz o discípulo não precisa de
pão, de sacola, de dinheiro, mas sim de confiança na providência e na
misericórdia do Senhor e no poder do Seu Espírito, porque: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Ele me guia por bons caminhos,
por causa do seu nome.” (Sl 23,1.3).
Deveriam, sim, calçar sandálias aos pés e levar apenas
uma túnica, isto é, as sandálias seriam a oração constante e a vivência
coerente aos seus ensinamentos, dando respaldo e firmeza para caminhar sem
machucar os pés e a túnica a proteção contra as intempéries da natureza, ou
seja, a perseverança na missão. Jesus deixa claro que não precisam, também,
ficar mudando de lugar a todo instante. Ele não os envia para longe, Com isso
Jesus quer nos ensinar essa nova mentalidade a partir dos nossos
relacionamentos familiares, os que estão mais próximos.
Jesus determina “Quando
vocês entrarem numa casa, fiquem ai até partirem. Se vocês forem mal recebidos
num lugar e o povo não escutar vocês, quando saírem sacudam a poeira dos pés
como protesto contra eles.” (Mc 6,10-11).
Com o profeta Amós não foi diferente; também lhe
viraram as costas e o expulsaram de onde ele levava a mensagem de Iahweh; “Vidente, vá embora daqui. Retire-se para a
terra de Judá. Vá ganhar a sua vida fazendo lá as suas profecias. Não me venha
mais fazer profecias em Betel, pois isso aqui é o santuário do rei, e é o
templo do reino.” (Am 712-13).
Jesus sabia que como para ele não foi fácil levar a
boa nova, pois que tinha sido rejeitado até pelos próprios familiares e amigos
(cf Mc 6,1-6), para os seus discípulos não seria diferente, porque "O
servo não é maior que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o
enviou." (Jo 13,16).
Se fossem bem recebidos, deveriam partilhar da alegria
dos corações generosos e abertos para a Boa Notícia; se não fossem bem recebidos,
de qualquer maneira a sua missão estava completa, porque ao semeador compete
lançar a semente, não sendo sua responsabilidade o terreno que a semente caia: “Algumas sementes caíram à beira do caminho,
e os passarinhos foram e comeram. Outras caíram em terreno pedregoso, onde não
havia muita terra. Outras sementes caíram no meio dos espinhos.” (Mt
13,4-5.7). Os que recebiam com alegria a Boa Nova era a terra boa onde caíram
as sementes. “Então os discípulos
partiram e pregaram para que as pessoas se convertessem. Expulsavam muitos
demônios e curavam muitos doentes, ungindo-os com óleo.” (Mc 6,12-13).
Jesus demonstra a comunhão simbolizada pelo envio de dois
em dois, porque
“onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei ai no meio
deles.” (Mt
18,20).
Quando dois se reúnem em nome de
Jesus, já não são mais dois, passam a ser três, porque Jesus se coloca no meio
deles. Assim é a nossa Igreja; quando a comunidade se reúne atendendo ao
convite do Pai para o banquete da Palavra e o banquete Eucarístico, Jesus se
faz presente e a comunidade é a primeira presença de Jesus na celebração da
Eucaristia.
Para o nosso apostolado Jesus não
nos manda para longe; o nosso apostolado deve começar na nossa própria casa, no
nosso trabalho, no nosso ambiente social, esportivo, com os nossos próximos
mais próximos. Ali, com certeza, há muitos espíritos maus a serem dominados
pelo poder que Jesus nos dá, muitas doenças do desamor, da vaidade, da
ganância, da avareza, da indiferença que devem ser ungidas com o óleo do amor,
da compreensão, do acolhimento, do desprendimento.
O discípulo de Jesus deve ser
despojado de riquezas, ganância, orgulho, avareza e vaidade: nada tomar para o caminho, exceto um bastão, a coerência em uma conduta simples e humilde: não
andar de casa em casa, e tendo uma conduta regida pela liberdade de
espírito se em algum lugar não os receberem, sair e sacudir o pó dos vossos
pés.
Assim como as palavras de Jesus não foram bem
acolhidas até pelos seus próprios parentes e amigos, assim também os Doze na
missão encontrarão dificuldades. Como não acolheram nem escutaram a Jesus,
assim algumas vezes também não escutarão aos Doze. E hoje não são mais doze:
são todos aqueles que são chamados pelo Mestre, que não tomam a atitude do
jovem rico e que arregaçam as mangas e saiam como “o semeador que saiu para semear.”.
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