XVI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Leituras: Jr 23,1-6; Sl 22; Ef 2,13-18;
Mc 6,30-34.
“JESUS VIU UMA NUMEROSA MULTIDÃO E TEVE
COMPAIXÃO, PORQUE ERAM COMO OVELHAS SEM PASTOR.” Mc 6,34.
Diácono
Milton Restivo
Conforme constatamos no primeiro livro das Sagradas
Escrituras, a profissão de pastor de ovelhas é a mais antiga do mundo, assim
como a de agricultor: "Abel
tornou-se pastor de ovelhas e Caim cultivava o solo. Passado o tempo, Caim
apresentou produtos do solo em oferenda a Iahweh. Abel, por sua vez, também
ofereceu as primícias e a gordura do seu rebanho." (Gn 4,2-4).
O povo judeu teve a sua origem no pastoreio,
considerando que os doze filhos de Jacó, depois Israel, que deram origem às
doze tribos israelitas, eram pastores, conforme vemos em Gênesis 37.
A função do pastor era procurar pastagens e água para
o rebanho, o que nem sempre era fácil devido a região árida em que habitava, o
que exigia muita paciência e, principalmente, coragem para defender o rebanho
contra as feras e ladrões. Para tal fim, muniam-se de cajado que usavam como
armas. Ovelhas são animais mansos, naturalmente
desprovidos de atributos de defesa, sem garras ou chifres, sem presas
mortíferas, incapazes de se defender.
O pastor traz na mão o cajado, arma para
a defesa do seu rebanho. E quando tudo estava tranquilo, as ovelhas pastando,
as feras e ladrões mantidos à distância pelo pastor, ele podia se dedicar a
contá-las tranquilamente para ver se não faltava nenhuma, se alguma havia se
extraviado e se não havia nenhuma ovelha ferida ou, se houvesse, dedicar-se a
medicá-la.
A dedicação do pastor ao seu rebanho fez com que os
profetas e o próprio Jesus identificassem a figura do pastor com o amor de Deus
aos seus escolhidos, tornando-se o pastor a imagem clássica da providência
divina. No Antigo Testamento Iahweh, para demonstrar o seu amor e a sua
dedicação para com o povo, se dizia dono do rebanho que indicava pastores, como
os reis e sacerdotes para cuidar do seu rebanho.
O Salmo 22, que recitamos ou cantamos nesta liturgia, que
é um dos Salmos mais recitados e cantados na nossa Igreja, narra bem os
cuidados do pastor e a confiança da ovelha em relação a quem a cuida,
entregando-se totalmente sob sua providência: “O Senhor é meu pastor. Nada me falta. Em
verdes pastagens me faz repousar; para fontes tranquilas me conduz, e restaura
minhas forças. Ele me guia por bons caminhos, por causa do seu nome. Embora eu
caminhe por um vale tenebroso nenhum mal temerei, pois junto a mim estás; teu
bastão e teu cajado me deixam tranquilos”.
(Sl 22,1-4).
Este Salmo, que é atribuído ao rei Davi, é um dos mais
belos, mais conhecidos, mais cantados e mais recitados salmos em todo o mundo
cristão. O Salmo
desta liturgia transmite o cuidado e o amor que Yahweh tem para com o seu povo
e o salmista, manifestando os anseios de toda a humanidade, chama a Yahweh de
seu pastor, considerando que pastor é Rei, colocando nele toda a sua confiança
e segurança: “Yahweh é meu pastor. Nada me falta. [...] Ele me guia
por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3).
Conforme a tradição judaica,
David teria escrito este Salmo quando estava cercado por tropas inimigas num
oásis, à noite; daí o Salmo inserir tamanha confiança na Providência Divina
contra os inimigos. Claro que há outras interpretações que defendem que esse
Salmo tenha sido feito de outra maneira e em outro lugar e em outra ocasião
mas, particularmente, prefiro ficar com a tradição judaica. O rei Davi deleita-se ao
entregar-se aos cuidados de Yahweh, a quem chama de Pastor: “Yahweh é o meu
pastor. Nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes
tranquilas me conduz, e restaura minhas forças”. (Sl 23 (22),1-2).
O pastor passava o dia todo
com as suas ovelhas e estabelecia com elas uma profunda identidade. No Salmo 80
(79) o salmista, em suas súplicas, também chama Yahweh de pastor: “Pastor de Israel, dá ouvidos, tu que
diriges a José como a um rebanho...”. (Sl 80 (79),1).
A confiança da ovelha ao pastor era extrema: não
precisava preocupar-se com o alimento, com a água, com a restauração de suas
forças e pelos caminhos que deveria trilhar: “Em verdes pastagens me faz repousar. Para as águas tranquilas me
conduz e restaura as minhas forças; ele me guia por caminhos justos, por causa
do seu nome”.
A ovelha, na
presença do pastor, goza de proteção e saúde. Tem alimento, e descanso. Repousa
tranquila, e é levada às águas calmas. Quando é ferida, é curada; quando o lobo
vem, é protegida; sente e recebe o carinho do pastor porque, quando cansada, é
levada nos ombros pelo pastor. Para a ovelha, o amanhã é um dia que não existe,
e o ontem já deixou de ser preocupação, como deveria ser para cada um que
coloca seus cuidados nas mãos do Bom Pastor.
No Antigo Testamento Iahweh não se intitula pastor,
mas como o dono do rebanho, e assim os escritores sagrados o coloca nessa
situação quando quer transmitir ao povo o amor e cuidado que tem com a nação
escolhida, atribuindo essa função de pastores aos governantes, líderes tanto
religiosos quanto políticos, como fez com Moisés e Aarão, designados pastores
do povo por Iahweh: "Guiaste teu
povo como um rebanho, pela mão de Moisés e Aarão." (Sl 77 (76), 21).
Iahweh coloca na boca do profeta Ezequiel uma chamada
de atenção aos pastores negligentes, omissos e que querem tirar proveito do seu
rebanho, das ovelhas que pertencem a Iahweh: “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos. Não é do
rebanho que os pastores devem cuidar? Vocês bebem o leite, vestem a lã, matam
as ovelhas gordas, mas não cuidam do rebanho. Vocês não procuram fortalecer as
ovelhas fracas, não dão remédio para as que estão doentes, não curam as que se
machucam, não trazem de volta as que se desgarraram e não procuram aquelas que
se extraviaram. Pelo contrário, vocês dominam com violência e opressão. Por
falta de pastor as minhas ovelhas se espalharam e se tornaram pasto de feras
selvagens. Minhas ovelhas se espalharam e vagaram sem rumo pelos montes e
morros. Minhas ovelhas se espalharam por toda a terra, e ninguém as procura
para cuidar delas. Por isso, vocês, pastores, ouçam a palavra de Iahweh: Juro
por minha vida – oráculo do Senhor Iahweh -. Minhas ovelhas tornaram-se presa
fácil e servem de pasto para as feras selvagens. Elas não têm pastor, porque os
meus pastores não se preocupam com o meu rebanho; ficam cuidando de si mesmos,
em vez de cuidarem do meu rebanho. Por isso, pastores, ouçam a palavra de
Iahweh! Assim diz o Senhor Iahweh: vou me colocar contra os pastores. Vou pedir
contas a eles sobre o meu rebanho, e não deixarei mais que eles cuidem do meu
rebanho. Deste modo, os pastores não ficarão mais cuidando de si mesmos. Eu
arrancarei as minhas ovelhas da boca deles, e elas não servirão mais de pasto
para eles. Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas. Como o pastor conta o seu
rebanho, quando está no meio de suas ovelhas que se haviam dispersado, eu
também contarei as minhas ovelhas, e as reunirei de todos os lugares por onde
se haviam dispersado, nos dias nebulosos e escuros. [...] Eu mesmo conduzirei as minhas ovelhas para o
pasto e as farei repousar. Procurarei aquelas que se perder, trarei de volta
aquelas que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver
fraca”. (Ez 34,2-12.15-16).
Na primeira leitura da liturgia deste domingo o
profeta Jeremias insiste no mesmo problema que o profeta Ezequiel explanou
acima: o desinteresse dos pastores para as ovelhas do rebanho de Iahweh: “Ai dos pastores que deixam perder-se e
dispersar-se o rebanho de minha pastagem. [...] Vocês dispersaram o meu rebanho e o afugentou e não cuidou dele”. (Jr
23, 1.2).
Iahweh, por meio do profeta Jeremias, mostra-se
descontente com os cuidados que são dispensados para o seu rebanho pelos
pastores que dele deveriam cuidar, como o rei, os sacerdotes e todas as
autoridades civis, religiosas e militares do povo, e promete enviar um pastor
responsável “que vai dar a sua vida pelas
ovelhas” (cf Jo 10,15). Assim diz Iahweh por meio de Jeremias: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que
farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio; fará valer
a justiça e a retidão na terra. Naqueles dias Judá será salvo e Israel viverá
tranquilo; este é o nome com que o chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’”. (Jr
23,5-6).
E, na plenitude dos tempos, Iahweh nos manda o “Emanuel, que quer dizer: Deus conosco” (cf
Is 7,14; Mt 1,23), Jesus, o Bom Pastor, que ao mesmo tempo em que é pastor
também se faz “o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), e esse cordeiro, quando é sacrificado, nem mesmo bale.
Morre silenciosamente. Derrama o seu sangue e oferece sua carne e o seu sangue
para o sustento do próprio rebanho. E o Filho de Deus se fez “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo”. (Jo 1,29).
E Jesus, envolvido com o amor que o Pai dedicava às
suas ovelhas no Antigo Testamento, assim como o Pai se dizia dono do rebanho,
antes de se entregar como o Cordeiro, assume a postura do pastor da Nova
Aliança, e passa a cuidar do rebanho do Pai: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O
mercenário, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, quando vê o
lobo chegar, abandona as ovelhas e sai correndo. Então o lobo ataca e dispersa
as ovelhas. O mercenário só trabalha por dinheiro, e não se importa com as
ovelhas. Eu sou o bom pastor: conheço minhas ovelhas e elas me conhecem, assim
como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas. Tenho
também outras ovelhas que não são deste curral. Também a elas eu devo conduzir;
elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor”. (Jo
10,11-16).
Marcos, na liturgia do domingo anterior, narrou que
Jesus começa a preparar os seus discípulos e apóstolos para serem pastores de
suas ovelhas: “Jesus chamou os doze
começou a enviá-los dois a dois." (Mc 6,7).
Na liturgia deste domingo os discípulos retornam
depois de cumprirem a missão que lhes foi dada pelo Mestre e Pastor. Contam a
Jesus tudo o que haviam feito e ensinado. Jesus, feliz com a experiência que
havia feito com os discípulos e realizada com êxito de pastorear o rebanho de
Iahweh, convida os discípulos para o repouso merecido, para a meditação, para a
oração porque, depois de um longo dia de trabalho e de semear a Palavra, nada
melhor que entrar em contato com o Pai para lhe agradecer do trabalho que havia
sido realizado. E foram, então, de barco para um lugar deserto e afastado porque
à sua volta “Havia de fato, tanta gente chegando e saindo, que não tinham
tempo nem para comer.” (Mc 6,31).
Jesus
não quer no seu Reino gente acomodada. Para os seus seguidores Jesus não
oferece e nem promete mordomias, conforto e “status” e, para ensiná-los qual
seria o perfil do pastor que ele quer para o rebanho de Iahweh, muitas vezes
foi radical e não usou de meias palavras: “As
raposas têm tocas e os pássaros têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde
repousar a cabeça. [...] Deixem que
os mortos sepultem seus mortos; mas você, vá anunciar o Reino de Deus. [...]
Quem põe a mão no arado e olha para trás,
não serve para o Reino de Deus.” (Lc 9,58.60.61). E disse ele ao jovem
rico: “Vai, vende tudo o que você tem, dê
o dinheiro aos pobres e você terá um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me”
(Mc 10,21). É esse o perfil que Jesus quer para os seus seguidores e que venham
pastorear o rebanho de Iahweh; nem mais, nem menos.
E,
pela dificuldade que ele encontrou para selecionar pastores íntegros, desapegados
e responsáveis, ele diria: “Muitos são
chamados, e pouco são escolhidos”. (Mt 22,14).
Mesmo
atravessando o lago para tentar dar descanso aos seus discípulos, Jesus não
teve êxito porque “muitos os viram partir
e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé e
chegaram lá antes deles. Ao desembarcar Jesus viu uma numerosa multidão...”. (Mc
6,33-34). Não adiantou querer fugir para descansar; a multidão sedenta da
Palavra não dá sossego, não dá tréguas, e depois de atravessar o lago e “desembarcar, Jesus viu uma numerosa
multidão, e teve compaixão, porque era como ovelhas sem pastor”. (Mc 6,34).
E não teve descanso, e começou tudo outra vez... “Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas”. (Mc 6,34).
Para
o pastor não existe descanso. Para o pastor não tem um tempo que é só seu. Muitas
vezes reclamamos nos omitimos no trato com o rebanho de Iahweh. E, para essas
ocasiões, depois de agradecer ao Pai pelos que colocam a mão no arado e não
olham para trás, Jesus nos alenta, nos conforta, nos acolhe e nos oferece
descanso no seu regaço: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos.
Sim, Pai, porque assim foi do seu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai, e
ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso de seu fardo, e
eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou
manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas.
Porque a minha carga é suave e o meu fardo e leve”. . (Mt
11,25-30).
Mas Jesus não permite que
seus seguidores acomodem-se e se descuidem de sua missão e orienta para que não
cessem de pedir ao Pai pelos trabalhadores da messe: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! Por isso, peçam
ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita”. (Mt 9,36-38).
Não nos esqueçamos que Jesus morreu de pé e de braços abertos para que não ficássemos
sentados e de braços cruzados...
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