sábado, 18 de outubro de 2014

“DAÍ A CESAR O QUE É DE CESAR E A DEUS O QUE É DE DEUS.” (Mt 22,21).

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Is 45,1.4-6; Sl 95 (96); 1Ts 1,1-5; Mt 22,15-21.

“DAÍ A CESAR O QUE É DE CESAR E A DEUS O QUE É DE DEUS.” (Mt 22,21).


Diácono Milton Restivo

O profeta Isaias, na primeira leitura, fala de um rei estrangeiro e pagão, isto é, que não era judeu nem de nacionalidade e nem de religião. Para agravar a situação, era o rei dominador do povo judeu e o mais poderoso de sua época: Ciro II, mais conhecido como Ciro, o Grande.
Ciro, o Grande, ganhou essa alcunha muito por conta de suas conquistas, que foram muitas, já que ele criou um dos maiores impérios que o mundo já viu. Ciro foi rei da Pérsia entre os anos 559 e 530 aC.
No ano de 539 aC Ciro conquistou a Babilônia onde estava cativo o povo judeu. Ciro foi um rei benevolente e, no ano de 537 aC, foi o autor da declaração que autorizava os judeus a regressarem para sua terra de origem, libertando-os do cativeiro e escravidão, conforme narra o livro de Esdras, 1,1-11, onde consta uma versão dos ditos dessa declaração, colocando fim ao exílio babilônico dos judeus, nos seguintes termos: “Ciro, rei da Pérsia,decreta: Yahweh, o Deus do céu, entregou-me todos os reinos do mundo. Ele me encarregou de construir para ele um Templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de vocês provêm do povo dele? Que o seu Deus esteja com ele. Volte para Jerusalém, na terra de Judá, para reconstruir o Templo de Yahweh, o Deus de Israel. Ele é o Deus que reside em Jerusalém.” (Esd 1,2-3).
             Isaias, prevendo esse acontecimento, antes que isso se realizasse, enaltece o rei, atribui a Ciro algo que era destinado somente aos reis de Israel e Judá: a unção de Yahweh: e o rei ungido se tornava o pastor do povo de Deus, e Isaias escreve, dizendo: “Assim diz Yahweh a Ciro, o seu ungido...” completando com todas as benesses contidas no livro de Isaias, 45,1-7.
            O Salmo 137 (136) retrata dolorosamente a saudade que os judeus sentiam da terra natal que ficara tão distante, e pedem vingança contra Babilônia pelo mal que lhes fez: “Junto aos rios da Babilônia nos sentamos e choramos, com saudades de Sião. Nos salgueiros de suas margens penduramos nossas harpas. Lá, os que nos exilaram pediam canções, nossos raptores queriam diversão: ‘Cantem para nós uma canção de Sião’. Como cantar um canto de Yahweh em terra estrangeira? Se eu me esquecer de você, Jerusalém, que seque a minha mão direita. Que a minha língua se cole no paladar se eu não me lembrar de você, e se eu não elevar Jerusalém ao topo da minha alegria. [...] Ó devastadora capital da Babilônia, feliz quem lhe devolver o mal que você fez para nós. Feliz quem agarrar e esmagar seus nenês contra o rochedo”. (Sl 137 (136) 1-6.8-9).
Tudo leva a crer que, depois de tantas invasões nos seus territórios, de exílios tão violentos sofridos, da submissão a outros povos por tempo tão longo e da saudade incontrolável e dolorida da terra natal para os judeus, as atitudes benevolentes do rei Ciro davam a eles a sensação de liberdade e autonomia. Por isso, o profeta Isaías até chamou a Ciro de “Ungido/Messias do Senhor, homem conduzido pela mão de Deus”. Isso também demonstra que Yahweh lança mão de reis estrangeiros para trazer benefícios ao seu povo.
O rei Ciro é citado em muitos livros da Bíblia como, por exemplo, em Isaias, Esdras, Daniel e Segundo Livro das Crônicas, e todas as citações enaltecem as atitudes desse rei persa.
A segunda leitura é de Paulo, e é o início da primeira carta aos tessalonicenses. Esta foi a primeira carta escrita por Paulo e isso aconteceu no ano 52 dC, e foi o primeiro escrito cristão do Novo Testamento. Pelo visto Paulo não escreveu essa carta sozinho, porque com ele estavam seus discípulos Silvano e Timóteo: “Paulo, Silvano e Timóteo à igreja dos tessalonicenses, que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo. A vocês, graça e paz”. (1Ts 1,1).
Os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos foram escritos muitos anos depois das cartas de Paulo, entre os anos 65 a 100 dC. Antes dos Evangelhos eram as cartas de Paulo os únicos escritos cristãos que transitavam e transmitiam a mensagem de Cristo a todas as comunidades cristãs.
Por onde passava Paulo fundava Igrejas e as deixava em formação. Como era um evangelizador irrequieto, Paulo permanecia pouco tempo em cada lugar, e logo partia para outro, geralmente grandes centros, para fundar uma nova Igreja. Paulo não se esquecia das Igrejas fundadas por ele e, mesmo de longe, recebia pedidos de orientação e escrevia cartas para fortalecer as Igrejas criadas por ele, e isso consistia em: responder as consultas que lhe faziam; tomar posição frente aos acontecimentos daquela comunidade; mostrar seus sentimentos pessoais e seu interesse vivo pela comunidade. Por exemplo, na primeira carta aos coríntios, Paulo procura responder a consultas de ordem religiosa, moral e ética, e esclarecer conflitos e tensões da comunidade naquele momento histórico.
As cartas de Paulo são escritos ocasionais, destinados a ajudar as comunidades a resolver seus problemas. Nem sempre o que era ditado para uma comunidade, servia para outra.
Paulo recomendava que suas cartas fossem lidas em comunidade e que houvesse troca das cartas entre as comunidades que se identificavam, e preferia que cada cristão, com seu exemplo de fé e vida cristã, fosse uma carta sua: “Nossa carta de recomendação são vocês mesmos, carta escrita em nossos corações, conhecida e lida por todos os homens. De fato, é evidente que vocês são uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento.” (2Cor 3,2-3).
            O Evangelho desta liturgia mostra como as autoridades religiosas judaicas não davam tréguas a Jesus. Nos dias atuais poderiam ser chamados de “cri-cri”. O objetivo deles era fazer calar Jesus. Anteriormente tentaram, várias vezes, mas não alcançaram êxito na sua empreitada.
As autoridades religiosas dos judeus tentam novamente: “Então os fariseus se retiraram, e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra.” (Mt 22,15). E Jesus insiste em dizer que o novo povo de Deus pertence somente a Deus e só Deus pode exigir do homem adoração.
Como os fariseus já estavam escaldados e com as costas quentes e ardendo de tanto Jesus os chamar de “hipócritas”, desta feita eles não se expuseram fisicamente, mas mandaram seus discípulos e alguns herodianos, da laia de Herodes, para que, se Jesus falasse alguma coisa que contradissesse o que eles exigiam do povo e colocasse em cheque a autoridade de Herodes, que era protegido de César, o imperador de Roma, fossem tomadas as medidas necessárias imediatamente contra Jesus: o denunciariam às autoridades romanas para que o prendessem e o julgassem como um agitador.
Desta feita tentam Jesus ao perguntar-lhe sobre o imposto que estavam pagando a César, o imperador de Roma. Era público e notório que as autoridades religiosas dos judeus, os fariseus e saduceus, estavam numa situação cômoda em relação aos romanos que davam a eles permissão para praticar a sua religião e exercitar os seus ritos e desfrutar de suas mordomias, desde que eles não afrontassem a autoridade romana e nem permitissem que o povo assim o fizessem e, por isso, os romanos não tiravam a autoridade religiosa dos fariseus e saduceus em relação ao povo.
Os discípulos dos fariseus e os herodianos, a mando dos fariseus, chegaram até Jesus e lhe perguntaram, usando de uma artimanha própria das pessoas falsas e bajuladoras que extrapolava o senso da honestidade, chegando às raias do ridículo: “Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e que ensinas de fato o caminho de Deus. Tu não dás preferência a ninguém, porque não levas em conta as aparências. Dize-nos, então, o que pensas: é lícito ou não pagar o imposto a César?” (Mt 22,16b-17). Ao ouvir isso, o sangue de qualquer pessoa decente ferveria e subiria à cabeça, e não foi diferente com Jesus, e a sua paciência com aquela corja chegara ao limite, ao auge do permitido e do aceitável, porque: “Jesus percebeu a maldade deles, e disse: ‘Hipócritas’! Porque vocês me tentam?” Jesus lhes pede que mostrem a moeda do imposto e, ao vê-la, perguntou: “De quem é a figura e inscrição nesta moeda’? Eles responderam: ‘É de César’.” (Mt 22,18-21a).
Chegaram ao cúmulo da impertinência.
Jesus não suportou isso e, tomado pela ira por ver que eles eram cegos que não queriam ver ou que enxergavam, mas se faziam de cegos para as coisas de Deus, os chama novamente de “hipócritas”, talvez, repetindo o que já havia dito aos próprios fariseus por ocasião da cura do cego de nascença: “Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum pecado. Mas como vocês dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece.” (Jo 9,41).
A cegueira das autoridades religiosas judaicas era a recusa de Jesus como o Emanuel, o Messias, o Cristo, o Filho de Deus, a Palavra que se fez homem e veio habitar entre nós.
Então, os discípulos dos fariseus, acompanhados dos sequazes de Herodes, a mando dos próprios fariseus, perguntaram a Jesus: “Dize-nos, então, o que pensas: é lícito ou não pagar o imposto a César?” Se Jesus dissesse que seria lícito pagar o imposto a César, os fariseus colocariam o povo contra Jesus, dizendo que ele era um traidor do seu povo e incentivava o pagamento de impostos ao povo dominante e opressor do povo judeu.
Se Jesus dissesse que não seria lícito pagar o imposto a Cesar, os sequazes de Herodes o delatariam às autoridades romanas que o prenderiam por agitação popular. “Jesus percebeu a maldade deles, e disse: ‘Hipócritas’! Porque vocês me tentam?”
Jesus lhes pede que mostrem a moeda do imposto que trazia a efígie de César e que simbolizava o poderio e a autoridade romana sobre o povo judeu, a quem o povo dominado deveria prestar obediência e homenagem e, ao vê-la, perguntou: “De quem é a figura e inscrição nesta moeda’? Eles responderam: ‘É de César’. Então Jesus disse: ‘Pois dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22,18-21).
Os judeus, ainda que dominados pelos romanos, podiam ter suas próprias propriedades, exercer suas atividades profissionais e cultuar o seu Deus, isto é, recebiam certos benefícios da dominação romana, mas tinham a obrigação de pagar por isso e devolver a César, em impostos, a liberdade controlada que tinham, quando exigido.
A maneira como Jesus resolveu o dilema foi impressionante. O que Jesus deixou claro é que o que é destinado a Deus não pode ser comparado e nem competir com o que é atribuído a qualquer autoridade humana, seja ela rei, imperador, ditador, presidente ou o que quer que seja. O que é de Deus é de Deus. O homem vive numa sociedade e tem responsabilidades com essa sociedade e deve contribuir com a sociedade que é representada por seus dirigentes, seus governantes, de uma maneira equitativa e justa. Isso é o que é de César. Mas as disposições e exigências de César devem ser respeitadas desde que não contradigam a vontade de Deus. Isso significa que toda pessoa que vive numa civilização organizada com as próprias instituições políticas, sociais, econômicas, deve ser respeitada sua dignidade de pessoa enquanto criada por Deus à sua imagem e semelhança.
O cristão, por ser cristão, não está ausente do mundo nem corta relações com as coisas da terra, mas deve ter como princípio reverenciar e adorar quem fez o mundo e governa todas as coisas, respeitando todos aqueles que são seus representantes no século, como ensinou Paulo: “Submetam-se todos às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram instituídas por Deus. Quem se opõe à autoridade, se opõe à ordem estabelecida por Deus. Aqueles que se opõem, atraem sobre si a condenação. Na verdade, os que governam, não devem ser temidos quando se faz o bem, mas quando se faz o mal. Se você não quer ter medo da autoridade, faça o bem, e ela o elogiará. A autoridade é o instrumento de Deus para o bem de você, mas, se você pratica o mal, tema, pois não é à toa que a autoridade usa a espada: quando castiga, ela está a serviço de Deus, para manifestar a ira dele contra o malfeitor. Por isso, é preciso submeter-se, não só por medo do castigo, mas também por dever de consciência. É também por isso que vocês pagam impostos, pois os que têm esse encargo são funcionários de Deus. Dêem a cada um o que é devido: o imposto e a taxa, a quem vocês devem imposto e taxa; o temor, a quem vocês devem temor; a honra a quem vocês devem honra.” (Rm 13,1-7).
Na carta a Timóteo Paulo incentiva o respeito e recomenda que se reze pelas autoridades: “Antes de tudo, recomendo que façam pedidos, orações, súplicas e ações de graças em favor de todos os homens, pelos reis, e por todos os que têm autoridade, a fim de que levemos uma vida calma e serena, com toda piedade e dignidade. Isso é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador.” (1Tm 2,1-3).
O cristão deve pagar impostos, sim, dar a César o que é de César (cf Mt 22,21): “É também por isso que vocês pagam impostos, pois os que têm esse encargo são funcionários de Deus. Dêem a cada um o que é devido: o imposto e a taxa, a quem vocês devem imposto e taxa; o temor, a quem vocês devem temor; a honra a quem vocês devem honra.” (Rm 13,6-7), porque o cristão deve agir com decoro, honestidade e integridade em todas as áreas de sua vida: “Lembre a eles que devem ser submissos  aos magistrados e autoridades, que devem obedecer e estar prontos para toda boa obra.” (Tt 3,1).
As autoridades civis, militares, médicas, judiciárias e religiosas são a presença de Deus no meio de seu povo, são os vinhateiros que devem cuidar da vinha do Senhor e por isso devem agir com honestidade e respeito, porque o povo de Deus merece respeito.
Mas Jesus também se dirige aos discípulos que ele escolheu para direcionar o povo escolhido no Novo Testamento para seguir o Caminho, a Verdade e a Vida (cf Jo 14,6), os vocacionados para o diaconato, o sacerdócio e a vida religiosa, e deixa claro que esses seus discípulos estão no mundo, mas não pertencem ao mundo: “Se o mundo odiar vocês, saibam que odiou primeiro a mim. Se vocês fossem do mundo, o mundo amaria o que é dele. Mas o mundo odiará vocês, porque vocês não são do mundo, pois eu escolhi vocês e os tirei do mundo.” (Jo 15,18-19). Mas para todos os discípulos de Jesus, indiscriminadamente, não pode haver conciliação entre duas cidadanias: a do mundo e a de Deus.
Ao terminar a conversa de Jesus com os discípulos dos fariseus e os herodianos, o evangelista apenas complementa, dizendo: “Ouvindo isso, eles ficaram admirados. Deixaram Jesus e foram embora.” (Mt 22,22).
Mais isso não quer dizer que eles desistiram de tentar Jesus...

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