“QUEM BLASFEMAR
CONTRA O ESPÍRITO SANTO NUNCA SERÁ PERDOADO”. (Mc 3,29).
Diácono
Milton Restivo
Com a festa de
Pentecostes, a Liturgia concluiu o tempo Pascal. Assim, na segunda-feira depois
do Pentecostes, retomamos o Tempo Comum, interrompido com a Quaresma seguido da
Páscoa. Agora terminamos o ciclo da Páscoa e retomamos o Tempo Comum dentro da
liturgia da Igreja, que se encerra, neste ano, no último domingo de novembro,
dia 22, com a festa de Cristo, Rei do Universo, dando início ali, ao Ciclo do
Advento.
Voltamos a
caminhar com Jesus na sua jornada de evangelização. Na liturgia a Igreja volta
a vestir-se de verde, a cor da esperança, da companhia de Jesus na nossa
caminhada.
O Tempo Comum
é um período do Ano Litúrgico de trinta e três ou trinta e quatro semanas nas
quais são celebrados, na sua globalidade, os mistérios de Cristo.
Comemora-se o
próprio mistério de Cristo em sua plenitude, principalmente aos domingos.
O Tempo Comum
convida-nos a descobrir, nas pequenas coisas do dia-a-dia, aparentemente
comuns, a sua ligação com Jesus Cristo: a oração, o trabalho, as obras de
misericórdia, a ação social. De segunda a sábado devemos estar atentos para
percebermos os grandes dons de Deus em nossas vidas. Se agirmos assim, os domingos
do Tempo Comum se tornarão momentos fortes em nossa vida de fé. O Tempo Comum, portanto, é um período de vigilância e de
esperança; daí a escolha da cor litúrgica: verde.
Nesse retorno ao Tempo Comum a liturgia remete-nos ao
primeiro livro das Sagradas Escrituras, o Gênesis, e fala-nos sobre o primeiro
deslize do homem e da mulher que, pela primeira vez, desobedeceram ao seu
Criador, originando assim o distanciamento da criatura com o seu Criador. Quando
o homem (e mulher) está em estado de amizade com Deus, em estado de graça, não
se envergonha de permanecer na presença do Senhor, mas quando comete uma
desobediência, um pecado, além de afastar-se de Deus, sente vergonha de estar
na sua presença, porque se sente nu, nu das vestimentas da graça de Deus, nu
das vestes da santidade: “Ouvi a tua voz no jardim e fiquei com medo, porque
estava nu; e me escondi.” (Gn 3,10). Não foi isso que o primeiro homem
disse ao seu Criador depois de te-lo desobedecido?
Quando nos
escondemos de Deus, queremos ficar longe de sua visão, é porque temos
consciência de que cometemos algum deslize, alguma desobediência, algum pecado,
porque o pecado é exatamente dizer “não” ao plano de salvação de Deus, é dizer
não ao próprio Senhor.
Mas, quando
cometemos um pecado, uma desobediência, a culpa nunca é nossa; alguém foi o
culpado, colocamos a culpa em
alguém. Não foi o que aconteceu com o primeiro homem em
relação à mulher? “A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me
deu o fruto da árvore, e eu comi.” (Gn 3,12). Também foi o que aconteceu
com a mulher em relação à serpente, quando Deus lhe perguntou porque fizera
aquilo, e a mulher respondeu: “A serpente enganou-me, e eu comi.” (Gn 3,13).
Modificou alguma coisa desde a criação do mundo até os dias de hoje?
Tudo aquilo
que origina pecado ou incentiva desobediência ao Criador, merece castigo e é
amaldiçoado pelo próprio Criador, e foi o que Deus fez com quem quis fazer o
homem igual a Deus: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os
animais domésticos e todos os animais selvagens! Rastejarás sobre o ventre e
comerás pó todos os dias da tua vida!” (Gn 3,14).
Não é isso que
acontece com todos aqueles que se afastam de Deus por aderir ao pecado? Rasteja
como cobra sobre o próprio ventre e come o pó da terra, isto é, coloca-se rente
ao chão, no lugar mais distante do Criador, e isso Jesus explicita bem na
parábola do Pai Misericordioso (filho pródigo), onde o filho que abandonara a
casa do pai passa a viver na miséria e até a comer comida dos porcos que
cuidava (cf Lc 15,11-31).
A primeira
mulher, Eva, desnudou-se e desnudou a humanidade da graça de Deus, e fez com
que a humanidade sentisse vergonha de sua nudez diante do Criador.
Maria, a mãe
de Jesus revestiu a humanidade da roupa da graça e através do fruto do seu
ventre, toda a humanidade revestiu-se novamente da graça de Deus.
Assim fala a
respeito disso São Luiz Maria Grignion de Montfort no seu livro “Tratado da Verdadeira
Devoção à Santíssima Virgem”: “O que Lúcifer perdeu por orgulho, Maria
ganhou por humildade. O que Eva condenou e perdeu pela desobediência, salvou-o
Maria pela obediência. Eva, obedecendo a serpente, perdeu consigo todos os seus
filhos e os entregou ao poder infernal; Maria, por sua perfeita fidelidade a
Deus, salvou consigo todos os seus filhos e servos e os consagrou a Deus.”
Assim como a
árvore do Éden possuiu o fruto do pecado e da desobediência, Maria é a árvore
que dá o fruto da vida, conforme diz o mesmo santo no mesmo livro: “Jesus é
em toda parte e sempre o fruto e o Filho de Maria; e Maria é em toda parte a
verdadeira árvore que dá o fruto da vida, e a verdadeira mãe que o produz.”
E o Criador
complementa, dizendo à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre
a tua descendência e a descendência dela. Ela te ferirá a cabeça e tu lhe
ferirás o calcanhar.” (Gn 3,15). Ainda diz São Luiz Grignion de Montfort no
seu livro em relação a Maria: “Uma única inimizade Deus promoveu e
estabeleceu, inimizade irreconciliável , que não só há de durar, mas aumentar
até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os
filhos e servos da Santíssima
Virgem e os filhos sequazes de Lúcifer;
de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio.”
Será lido ou cantado, nesta liturgia o Salmo 129
(130).
Segundo o frei Carlos Mesters, “este Salmo
tem duas partes. A primeira (versículos 1 a 4) traz uma prece em forma
de grito que sai do fundo da alma do ser humano. Uma prece que revela uma nova
experiência de Deus. Ele é graça e perdão. A segunda parte (versículos 5 a 8) traz o resultado dessa
prece, a saber, uma nova atitude de vida, que nasce da experiência de Deus.
Essa nova atitude, aqui no salmo, se traduz em esperança e paz, tanto em nível
pessoal como em nível de povo.” Este Salmo é um grito de socorro de quem
está em desespero por estar acometido de um grande mal, ou do corpo ou da alma:
“Das profundezas eu clamo para ti, Yahweh: Senhor, ouve o meu grito. Que os teus
ouvidos estejam atentos ao meu pedido por graça! Yahweh, se levas em conta as
culpas, quem poderá resistir? Mas de ti vem o perdão, e assim infundes
respeito”. (Sl 129 (130),1-4).
A passagem do
Evangelho dissertada nesta liturgia traz muitas informações.
Diz que “Jesus
voltou para casa” (Mc 3,20). Essa casa para a qual Jesus retorna ficava na
cidade de Cafarnaum, para onde ele se mudara ao iniciar a sua vida pública: “Deixou
Nazaré e foi morar em Cafarnaum, que fica às margens do mar da Galiléia...” (Mt
4,13; 9,1) onde Jesus ensinava na sinagoga (cf Mc 1,21ss).
Pedro e seu
irmão André também moravam em Cafarnaum (Mc 1,29; Mt 8,14-15; Lc 4,38-39).
Moraria Jesus com Pedro e André? Os evangelhos não deixam isso claro.
O assédio das
pessoas que buscavam conforto, principalmente físico e material, era tanto que “reuniu
tanta gente que eles nem sequer podiam comer.” (Mc 3,20).
Outra
informação prestada neste Evangelho é que os parentes de Jesus, por suas
atitudes e mudança quase que repentinas de vida, julgavam que ele estivesse
fora de si e foram até Cafarnaum para, possivelmente, trazê-lo de volta a
Nazaré (cf Mc 3,21.32).
Claro que isso
é um assunto importante e requer uma meditação profunda e acurada. Faremos isso
numa próxima oportunidade.
E Jesus, sem
sombra de dúvida, em sua casa, começou a atender as necessidades dos que o
procuravam: confortou desesperados, curou doenças, expulsou demônios.
Por causa
disso, principalmente por expulsar demônios, alguns mestres da Lei, também
conhecidos e chamados de doutores da Lei ou escribas que eram todos aqueles que
se diziam entendidos nas coisas da Lei de Moisés e que pretendiam ser os chefes
espirituais do povo, saíram de Jerusalém para atestar e combater os
ensinamentos de Jesus considerando que, por várias vezes Jesus os afrontou e os
chamou “hipócritas”, conforme consta em Mateus 23,23-36, e onde Jesus diz,
entre outras coisas: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas!
Vocês fecham o Reino do Céu para os homens. Nem vocês entram, nem deixam entrar
aqueles que desejam. [...] Guias cegos! Vocês coam um
mosquito, mas engolem um camelo. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus
hipócritas... [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas!
Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro
estão cheios de ossos de mortos e podridão. Assim também vocês: por fora
parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e
podridão. [...] Serpentes, raças de cobras venenosas! Como é que vocês
poderiam escapar da condenação do inferno?” (Mt 23,13.24-25.27.33).
Quem são os
fariseus e os doutores da Lei dos nossos dias? Claro que essa raça de gente
queria surpreender a Jesus em qualquer que fosse o deslize que ele pudesse
praticar contra a Lei de Moisés. E eles saíram de Jerusalém e foram até
Cafarnaum para esse mistér, não se importando em caminhar por aproximadamente 120 milhas, ou 193 quilômetros,
que era a distância entre Jerusalém e Cafarnaum para buscar êxito em sua
empreitada.
Não somente
isso: tiveram que se submeter a atravessar o território da Samaria, que ficava
entre a Judéia e a Galiléia, considerando que os samaritanos eram inimigos dos
judeus. Eles não podiam perder essa oportunidade. E então, os “mestres da
Lei, que tinham vindo de Jerusalém, dizendo que ele estava possuído por Belzebu
e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios.” (Mc 3,22). Não
foi por acaso que Jesus os chamou à parte e falou-lhe em parábolas,
considerando que Belzebu era, para os doutores da Lei, um vocábulo depreciativo
e era tido como “o senhor do esterco”, ou seja, do sacrifício oferecido aos
ídolos.
E Jesus lhes
diz: “Como é que satanás pode expulsar satanás? Se um reino se divide contra
si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma,
ela não poderá manter-se. Assim, se satanás se levanta contra si mesmo e se
divide, não poderá sobreviver, mas será destruído.” (Mc 3,23-26).
Os mestres da
Lei não podiam permitir que a popularidade de Jesus tomasse vulto e, como não
tinham argumentos para contrapor a isso, desesperadamente buscavam meios para
denegrir sua imagem e seus maravilhosos poderes. Finalmente, decidiram alegar
que ele expulsava demônios pelo poder do próprio satanás (Mt 12,22-32; Mc 3,22-30;
Lc 11,14-23).
Jesus, porém,
respondeu com três argumentos e uma advertência.
Primeiro
argumento: satanás não atacaria a si mesmo, pois ninguém luta contra si mesmo.
Segundo
argumento: satanás não poderia lutar contra o seu próprio reino, pois dividiria
o seu reino e ele enfraqueceria e, terceiro argumento: para roubar a casa de um
homem forte, tem-se primeiro que amarrá-lo. Expulsando demônios, Jesus estava
amarrando satanás, de modo que poderia cumprir sua missão de resgatar àqueles
que satanás mantinha cativos.
Por fim, Jesus
faz uma séria advertência: “Em verdade lhes digo: tudo será perdoado aos
homens, tanto os pecados como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem
blasfemar contra o Espírito Santo nunca será perdoado; será culpado de um
pecado eterno.” (Mc 3,28-29).
O que é
blasfemar? Blasfemar é insultar,
afrontar, injuriar, difamar. Noutras palavras, blasfemar é uma ofensa
extremamente grave.
A blasfêmia
contra o Espírito Santo foi o mais terrível pecado do qual o incrédulo povo de
Israel se fez culpado. Esse povo atribuiu a satanás o poder do Espírito Santo
do qual Jesus estava revestido. Isto era extremamente grave e nem mesmo tinha
sentido lógico.
Os adversários
de Jesus, mestres da Lei, blasfemavam contra o próprio Jesus e contra o
Espírito Santo, declarando consciente, proposital e seguidamente que Jesus
operava milagres pelo poder de satanás, Belzebu, o chefe dos demônios (Mt 9,32-34;
12,22-24; Mc 3,22; Lc 11,14,15).
Com essa
blasfêmia, eles estavam rejeitando, de modo deliberado, o Espírito Santo que
operava em Jesus, o Messias (Mt 12,28; Lc 4,14-19; Jo 3,34; At 10,38).
Entenda-se a
blasfêmia contra o Espírito Santo como a rejeição continuada e deliberada do
testemunho que o Espírito Santo dá de Jesus Cristo, da sua Palavra e da sua
obra de convencer o homem do pecado (cf. Jo 16,7-11).
Aquele que
rejeita a voz do Espírito se opõe a ela, afasta de si mesmo o único recurso que
pode levá-lo ao perdão – o Espírito Santo.
O pecado
contra o Espírito Santo consiste na rejeição da graça de Deus; é a recusa da
salvação. Implica numa rejeição completa à ação, ao convite e à advertência do
Espírito Santo.
O Papa Pio X, 1903 a 1914, em seu Catecismo Maior,
ensinou que são seis os pecados contra o Espírito Santo.
Primeiro:
desesperar da salvação, ou seja, não acreditar que possa ser salvo, achando que
tudo está perdido.
Segundo:
Presunção da salvação, ou seja, a pessoa julgar que não importa que tipo de
vida leve, boa ou má, já se considera salva. Devemos acreditar na misericórdia
divina.
Terceiro:
negar a verdade conhecida e transmitida por Jesus Cristo no seu Evangelho tendo
a Igreja como depositária fiel.
Quarto: ter inveja
da graça que Deus dá aos outros. A inveja é um sentimento que consiste em
irritar-se porque o outro conseguiu algo de bom. É o ato de não querer o bem do
semelhante.
Quinto: a
obstinação no pecado é a vontade firme de permanecer no erro mesmo após a ação
de convencimento do Espírito Santo. É não aceitar a ética cristã.
E, sexto: a impenitência
final é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus: o indivíduo persiste
no erro até o final, recusando arrepender-se e penitenciar-se, recusando a
salvação até o fim. Consagra-se ao adversário de Cristo. Nem mesmo na hora da
morte tenta aproximar-se do Pai, manifestando humildade e compaixão. Não se
abre ao convite do Espírito Santo definitivamente.
Esse é a
blasfêmia conta o Espírito Santo.
O pecado
contra o Espírito Santo consiste na rejeição da graça de Deus; é a recusa da
salvação. Implica numa rejeição completa à ação, ao convite e à advertência do Espírito
Santo.
“Todo o que
tiver falado contra o Filho do Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão
nem neste século nem no século vindouro”. (Mt. 12,32).
“Vocês então podem imaginar o
castigo bem mais severo, que merecerá aquele que pisou o Filho de Deus, que
profanou o sangue da aliança, pelo qual foi santificado, e que insultou o
Espírito da graça.” (Hb 10,29).
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