domingo, 23 de agosto de 2015

“A QUEM IREMOS, SENHOR? TU TENS PALAVRAS DE VIDA ETERNA”. (Jo 6,68).


XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM

“A QUEM IREMOS, SENHOR? TU TENS PALAVRAS DE VIDA ETERNA”. (Jo 6,68).


Diácono Milton Restivo

A leitura do Evangelho deste domingo conclui o grande discurso de Jesus sobre “O Pão da Vida” contido no capítulo 6 do Evangelho de João.
Tanto a leitura do livro de Josué, primeira leitura, como a do Evangelho desta liturgia deixa claro que diante de Deus, diante de Jesus e das suas palavras, tem que ser tomada uma atitude radical. Não existe meio termo: ou se é frio, ou se é quente, Jesus não permite que seja morno.
O livro do Apocalipse não deixa dúvida a respeito disso, e alerta: “Conheço sua conduta: você não é frio nem quente. Quem dera que fosse frio ou quente! Porque é morno, nem frio nem quente, estou para vomitar você de minha boca”. (Apo 3,15-16).
Não há nada mais que possa revoltar o estômago do que um alimento mal temperado: ao cair no estômago queremos colocá-lo de imediato para fora, vomitá-lo. E é isso que Jesus deixa claro no livro do Apocalipse: a apatia espiritual, a pregação demagógica, o louvor indiferente, a oração sem fé, a comunhão sem compromisso. Isso faz Jesus vomitar... E Jesus vai mais a fundo, quando diz: “Quem não está comigo, está contra mim. E quem não recolhe comigo, dispersa.” (Lc 11,23). 
     Mateus, no seu Evangelho, narra a advertência de Jesus: “Diga ‘sim’ quando é ‘sim’, e ‘não’ quando é ‘não’. O que você disser, além disso, vem do Maligno”. (Mt 5,37). 
Jesus não admite meio termo na aceitação de sua Palavra: ou a aceita na sua totalidade, na sua integridade e com radicalidade, ou não se é seu discípulo. Mais uma vez a Bíblia deixa claro que, diante de Jesus e das suas palavras, o ouvinte tem que tomar uma decisão radical. 
O Evangelho deste domingo começa, exatamente, com estas palavras ditas pelos discípulos: “Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?”. (Jo 6,60).
A partir daí começa nascer a divisão entre os discípulos de Jesus a respeito de seus ensinamentos.  Tem-se início a uma discórdia entre os discípulos que contestam a afirmação dada por Jesus nos versículos anteriores dizendo que o seu corpo é o pão da vida: “Eu sou o pão da vida [...] quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida”. (Jo 6,35.51), e “Eu sou o pão que desceu do céu. [...] Eu garanto a vocês: se vocês não comem a carne do Filho do homem e não bebem o seu sangue, não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia”. (Jo 6,41.53-54). “Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?’”. (Jo 6,60).
Não fica dúvida que foi o discurso eucarístico a fonte de divisão. “A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele”. (Jo 6,66).
De qualquer maneira, é importante notar que a divisão não se dá entre os judeus adversários de Jesus, mas entre os próprios discípulos, muitos dos quais abandonam Jesus neste momento.
Como fica claro, após proclamar o discurso eucarístico e afirmar que sua carne é verdadeira comida e seu sangue é verdadeira bebida, muitos discípulos se escandalizaram com Jesus.
Qual foi a atitude de Jesus? Mudou sua maneira de falar? Tentou ser mais simpático? Passou a mão na cabeça dos que fecharam os ouvidos e o coração às suas palavras? Voltou atrás no seu ensinamento para ser popular, para ser compreendido e aceito, para encher as igrejas?
Não! Popularidade, aceitação nunca foram seus critérios! Ainda que sua palavra escandalize, ele nunca volta atrás. Jesus se mantém intransigente na sua afirmativa, não volta atrás ao ver que grande parte de seus discípulos viram as costas para ele. 
Isso não pode passar despercebido e nem ser desviada a atenção do que Jesus propôs aos discípulos escandalizados e indignados com suas palavras.
Diante dos discípulos escandalizados e murmuradores, Jesus apresenta o critério decisivo: “a cruz”. “Isto escandaliza vocês? Imaginem, então, se virem o Filho do Homem subir para o lugar onde ele estava antes!” (Jo 6,62).
Para o Evangelho de João a subida de Jesus para o Pai começa pela cruz: ali ele será levantado! E a caminhada para o Calvário, no Evangelho de João, começou exatamente ai, quando Jesus se proclama o “pão vivo descido do céu”.
E, mesmo assim, Jesus não perde a calma, e com o mesmo tom de voz que fez o discurso eucarístico, indaga aos mais próximos se eles também não queriam acompanhar os dissidentes que o estavam abandonando: “Então Jesus disse aos Doze: ‘Vocês também querem ir embora? ’”. (Jo 6.57).  Jesus demonstra que não se preocupa com quantidade, mas sim com qualidade.
Se quiserem ficar com ele terão de aceitar os seus ensinamentos, ainda que, a princípio não os entenda.  Foi assim que aconteceu com a sua mãe, Maria, que mesmo sem entender o que estava lhe sendo proposto para ser a mãe da Palavra de Deus que se encarnaria nela, ela se coloca inquestionavelmente nas mãos do Todo poderoso numa entrega total: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. (Lc 1,38), e como diria Paulo mais tarde: “Fui morto na Cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou por mim.” (Gl 1,19-20).  Se fosse para ficar sozinho para não ferir as exigências do seguimento da vontade do Pai, Jesus o faria.
Diante desse desafio de Jesus quando disse: “Vocês também querem ir embora?”, Pedro, que sempre falou pelos Doze e sempre demonstrou uma liderança inquestionável à frente dos apóstolos, entende e percebe que em Jesus há algo mais do que um mero rabino, mestre ou pregador. Em toda a sua vida em busca pela verdade, Pedro jamais havia encontrado a verdade a não ser em Jesus, pois ele mesmo afirmara: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim." (Jo 14,6). Pedro não se faz de rogado e, na sua impetuosidade, respondeu de imediato: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavra de vida eterna. Agora nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus”. (Jo 6,68-69).
Deus é verdadeiro, leal, honesto! Jamais escondeu suas exigências; jamais omitiu suas condições para quem deseja seguí-lo e serví-lo.
A primeira Leitura tirada do livro de Josué 24,1-2.15-18, tem muito a ver com a situação exposta no Evangelho. Para Josué também é momento de definição: “Contudo, se vocês acham que não é bom servir a Yahweh, escolham hoje a quem vocês querem servir”... [...] Vocês não poderão servir a Yahweh, porque ele é um Deus santo, um Deus ciumento. Ele não perdoará suas transgressões e pecados. (Js 24,15a.19). E Josué toma a sua decisão e se define por Iahweh: “Eu e a minha família serviremos a Yahweh”. (Js 24,15b).
Josué, o general de Moisés e que o substituiu no comando do povo de Israel rumo à Terra Prometida depois da morte de Moisés, descreve o momento em que o povo toma posse da terra que Yahweh havia lhe prometido e agora lhe entrega: “Josué reuniu as tribos de Israel em Siquém. Convocou todos os anciãos de Israel, os chefes, os juízes e oficiais. E todos se apresentaram diante de Deus. Então Josué falou ao povo...”. (Js 24,1-2). 
Havia terminada a jornada do povo pelo deserto depois de quarenta anos de caminhada desde que partiram do Egito, quando o Senhor os libertou da escravidão.  Era o momento da definição.
Josué fala ao povo e faz uma retrospectiva do relacionamento do povo com Yahweh e do amor e dedicação que Yahweh sempre dedicou ao seu povo, e conta a história desse povo a partir de Taré, pai de Abraão e seus familiares que adoravam outros deuses (cf Js 24,2). 
Josué discorre sobre a escolha de Yahweh em fazer daquele povo um povo só seu: como multiplicou o povo a partir de Isaac, Jacó e seus filhos. Depois escolheu Moisés para tirar o povo do Egito e da escravidão, e quais foram as peripécias da fuga, da travessia do mar Vermelho, do tempo que habitaram no deserto, das vitórias do povo sobre outros povos que impediam sua passagem, até chegar à travessia do rio Jordão para finalmente tomar posse da Terra Prometida, onde, finalmente, estavam instalados: “Eu dei a vocês uma terra que não lhes custou nada, cidades que vocês não construíram e onde agora vivem, plantações de uvas e azeitonas que vocês não plantaram, e das quais vocês se alimentam.” (Js 23, 13).
É o momento da decisão; é o momento da definição.
E Josué continua falando ao povo reunido em Siquém: “Agora, portanto, temam a Yahweh, servindo-o com integridade e fidelidade. Tirem do meio de vocês os deuses, a quem seus antepassados serviram do outro lado do rio Eufrates e no Egito. Sirvam a Yahweh.” (Js 24,14).
E o povo, aparentemente, fez uma opção: “Longe de nós abandonar Yahweh para servir a outros deuses. Foi Yahweh, nosso Deus, que nos tirou, a nós e a nossos antepassados, da terra do Egito, da casa da escravidão. Foi ele quem fez grandes sinais diante de nossos olhos, e nos protegeu por todo o caminho que percorremos e entre todos os povos no meio dos quais atravessamos. [...] Portanto, nós também serviremos a Yahweh, pois ele é o nosso Deus.” (Js 24, 16-18). 
Falar é fácil. As palavras o vento leva. Conhecemos a história desse povo e sabemos das traições, das infidelidades, dos subterfúgios que usaram para tentar ludibriar as promessas feitas. 
Será que no tempo de Jesus foi diferente? E hoje, existe alguma semelhança?
Mas o Senhor é santo, é exigente, é ciumento.
Josué disse: “Não podeis servir ao Senhor, pois ele é um Deus santo, um Deus ciumento, que não tolerará as vossas transgressões, nem os vossos pecados!” (Js 24,19).
Deus não se preocupa com popularidade, não faz conta do número de fiéis, não abranda suas exigências para ser aceito, mas sim, faz conta da fidelidade ao seu amor e ao atendimento do seu chamado! 
O que é narrado na primeira leitura torna-se ainda mais claro e dramático no evangelho.
Josué não se contenta com as promessas do povo e quis deixar um marco para que o povo não se esquecesse do que, naquele momento de euforia coletiva, havia proferido e ““... pegou uma grande pedra e a ergueu aí, debaixo do carvalho que está no santuário de Yahweh. Em seguida, disse ao povo: ‘Esta pedra será um testemunho contra nós, porque ela ouviu todas as palavras que Yahweh nos disse.  Será um testemunho contra vocês para que não reneguem o seu Deus.” (Js 24,26b-27).
Jesus não faz diferente. Só que ele não sugere uma pedra como testemunho do que fora dito; o seu testemunho é seu próprio corpo que ele dá como alimento: “Eu sou o pão da vida [...] quem come deste pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida”. (Jo 6,35.51).
O testemunho que Jesus nos deixa é a Eucaristia que não é simplesmente uma pedra de testemunho, mas como diz o salmista: “Tu és a minha força, meu rochedo, minha fortaleza, meu libertador; meu Deus, rocha minha, meu refúgio, meu escudo, força que me salva, meu baluarte”. (Sl 18,2-3), e como disse Davi nesse seu cântico quando Yahweh o libertou de todos os seus inimigos: “Yahweh é minha rocha e minha fortaleza, o meu libertador. Ele é meu Deus. Nele, meu rochedo, eu me abrigo, meu escudo e minha força salvadora, minha torre forte, meu refúgio, meu salvador que me salva da violência”. (2Sm 22,1-3).
A Eucaristia não é a pedra sugerida por Josué; é muito mais: é força, rochedo, fortaleza, libertação, salvação, rocha, refúgio, escudo, baluarte, e muito mais... Muito mais... Muito mais...
Josué adverte ao povo: “Agora, portanto, - isto é, agora que o povo israelita alcançou o objetivo proposto por Yahweh para lhe dar como herança a Terra Prometida, - temam a Yahweh, servindo-o com integridade e fidelidade. Tirem do meio de vocês os deuses, a quem seus antepassados serviram... Sirvam a Yahweh.” (Js 24,14).
E Jesus adverte seus discípulos, dizendo: “Quem põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus”. (Lc 9,61).
A Eucaristia tem o mesmo objetivo: o povo de Deus que se alimenta da Eucaristia tem de servi-lo com integridade e fidelidade; tem que tirar de seu meio tudo o que possa ofuscar os benefícios e graças que se recebe pela Eucaristia; tem que eliminar de seu meio todos os deuses, vícios e dominações do que é impuro, como diz Paulo: “Tenho receio de que entre vocês haja discórdia, inveja, animosidade, rivalidade, maledicências, falsas acusações, arrogância, desordens [...] e ainda não se tenham convertido da impureza, da fornicação e dos vícios que antes praticavam.” (2Cor 12,21). 
O povo que se alimenta da Eucaristia é conduzido pelo Espírito Santo: “Por isso é que lhes digo: vivam segundo o Espírito, e assim não farão mais o que os instintos egoístas desejam. Porque os instintos egoístas têm desejos que estão contra o Espírito, e o Espírito contra os instintos egoístas; os dois estão em conflito, de modo que vocês não fazem o que querem. Mas se forem conduzidos pelo Espírito, vocês não estarão mais submetidos à Lei. Além disso, as obras dos instintos egoístas são bem conhecidas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúme, ira, rivalidade, divisão, sectarismo, inveja, bebedeira, orgias e outras coisas semelhantes. Repito o que já disse: os que fazem tais coisas não herdarão o Reino de Deus. [...] Os que pertencem a Cristo crucificaram os instintos egoístas junto com suas paixões e desejos. Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também sob o impulso do Espírito. (Gl 5,16-21.24-26).
E Paulo é categórico em relação àqueles que participam da Eucaristia e que não se livraram de seus deuses, de seus vícios, dos seus demônios: “O que eu digo é o seguinte: aquilo que os pagãos sacrificam, eles sacrificam aos demônios, e não a Deus. Ora, eu não quero que vocês entrem em comunhão com os demônios. Vocês não podem beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios. Não podem participar da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou queremos provocar o ciúme do Senhor?” (1Cor 10,20-22), e complementa: “Portanto, todas as vezes que vocês comem deste pão e bebem deste cálice, estão anunciando a morte do Senhor, até que ele venha. Por isso, todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Portanto, cada um examine a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele quem come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação”. (1Cor 11,26-29).
Para que se viva bem a Eucaristia sendo conduzido pelo Espírito Santo, Paulo descreve os frutos do Espírito que atua em quem come e bebe do corpo e sangue do Senhor dignamente: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si”. (Gl 5,22-23).
Assim como Josué disse ao povo, apontando-lhe a pedra: “Esta pedra será um testemunho contra nós, porque ela ouviu todas as palavras que Yahweh nos disse. Será um testemunho contra vocês para que não reneguem o seu Deus.” (Js 24,26b-27), Jesus diz: “Eu sou o pão que desceu do céu. [...] Eu garanto a vocês: se vocês não comem a carne do Filho do homem e não bebem o seu sangue, não terão a vida em vocês. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. [...] Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: ‘Este modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso? ’”. (Jo 6,41.53-54;6-60).
Será que o escândalo que se apossou dos discípulos de Jesus nessa oportunidade persiste ainda hoje? Será que Jesus vai ter que repetir: Vocês também querem ir embora?”. (Jo 6,67). Qual seria a nossa resposta hoje? Que a resposta a ser proferida seja a mesma de Pedro, dada em nome dos Doze e de todos os discípulos: “A quem iremos, Senhor?” Caminhar contigo não é fácil; acolher tuas exigências nos custa; compreender teus motivos às vezes é-nos pesado... Mas, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus!”.

Que as palavras de Pedro ressoem na Igreja e, como Josué, possa ser dito por todos os cristãos que se alimentam da Eucaristia: “Eu e minha família serviremos o Senhor!” Amém. 

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