XXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM
“QUEM DIZEM OS HOMENS QUE EU SOU? [...]
E VOCÊ, QUEM DIZ QUE SOU?” [...]
“SE ALGUÉM QUER ME SEGUIR, RENUNCIE A SI
MESMO, TOME A SUA CRUZ E ME SIGA”. (Mc
8,27B.29.34b).
Diácono Milton Restivo
O texto do Evangelho deste domingo se divide em duas
partes bem distintas.
Na primeira parte Jesus faz umas perguntas e Pedro
fala em nome da comunidade dos discípulos e afirma que Jesus é o Messias
libertador que Israel esperava.
Na segunda parte Jesus explica aos discípulos que a
sua missão messiânica deve ser entendida à luz da cruz, isto é, como dom da
vida aos homens, por amor, antecipando-se ao mandamento do amor do qual ele
falaria no Evangelho de João: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos
outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida por
seus amigos.” (Jo 15,12-13). A
maneira como se desenrola o fato é interessante. A pedagogia do relato é única.
Primeiro Jesus faz uma pergunta bastante inocente,
diríamos, inofensiva: “quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8,27b).
As respostas aparecem até inconsequentes, pois esta
pergunta, de tão inocente que é, não exige compromisso; afinal de contas, são
os outros que devem achar: é o famoso “dizem que”.
Mas a segunda pergunta é comprometedora: “E vocês,
quem dizem que eu sou?” (Mc 8,29).
Jesus dirige-se diretamente àqueles com quem estava
conversando, aos que estavam ao seu redor, aos seus discípulos e aos mais
próximos, os apóstolos.
Agora a resposta exige responsabilidade, compromisso e
adesão, pois quem responde em nome pessoal e não em nome dos outros, se
compromete!
A primeira parte (Mc 8,27-30) começa com Jesus
questionando os discípulos, fazendo duas perguntas: o que é que os outros dizem
dele e o que é que os mais próximos pensam dele.
Segundo os seus discípulos, os outros vêem Jesus em
continuidade com o passado: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros que
és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas”. (Mc 8,28). Pela resposta os homens não entenderam,
ainda, a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade.
Reconhecem apenas que Jesus é um homem convocado por
Deus e enviado ao mundo com uma missão, assim como os profetas do Antigo
Testamento. Não vêem e nem vão, além disso.
Na perspectiva dos homens descompromissados Jesus é
apenas um homem bom, justo, generoso, que escutou e atendeu aos apelos de Deus
e que se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens
antes dele, e como tantos outros que virão, depois dele.
Então Jesus parte para a segunda pergunta, e essa
direcionada diretamente aos seus mais íntimos: “E vocês, quem dizem que eu
sou?” (Mc 8,29a). Pedro não se faz
de rogado e se faz porta-voz da comunidade dos discípulos e, como tantas outras
vezes fizera, fala em nome de todos e resume o sentimento da comunidade do
Reino dizendo: “Tu és o Messias”. (Mc 8,29b).
Dizer que Jesus é o Messias, o Cristo, o Ungido,
significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus
para libertar o seu povo e para lhe oferecer a salvação definitiva.
A resposta de Pedro ia de encontro com a verdade.
No entanto, podia dar entendimento a graves equívocos,
numa situação em que o título de Messias, principalmente para o povo da época,
estava conotado com esperanças político-nacionalistas. Se se espalhasse que
Jesus era o Messias como o povo entendia que fosse um libertador, que
arregimentaria exércitos para tirar o povo da opressão dos povos que o
dominava, na situação presente os romanos. Isso iria causar um grande alvoroço
em todo o território.
Por isso, os discípulos recebem ordens taxativas e
expressas de Jesus para não falarem disso a ninguém: “E então Jesus proibiu
severamente que eles falassem a alguém a respeito dele.” (Mc 8,30). Era preciso antes deixar claro, depurar e
completar a catequese ensinada por Marcos em seu Evangelho sobre
o Messias e a sua missão para evitar perigosos equívocos.
É isso que Jesus vai fazer, logo em seguida, na
segunda parte do texto.
Ai entramos na segunda parte do texto, Mc 8,31-35,
onde encontramos duas questões.
A primeira questão, Marcos 8,31-33, é a explicação
dada pelo próprio Jesus de que o seu messianismo passa pela cruz; a segunda, Marcos
8,34-35, é uma instrução sobre o significado e as exigências de ser discípulo
de Jesus.
Na primeira questão Jesus passa a explicar o que quer
dizer ser o Messias: “Em seguida, Jesus começou a ensinar os discípulos,
dizendo: ‘O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos,
pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto, e ressuscitar
depois de três dias’. E Jesus dizia isso abertamente”. (Mc 8,31,32a).
Ser Messias não era ser glorioso, triunfante e
poderoso conforme os critérios deste mundo.
Muito pelo contrário. Ser Messias era ser fiel à sua
vocação como servo de Iahweh. Era ser preso, torturado e assassinado. Era dar a
vida em favor de muitos.
Jesus usa o título messiânico “Filho do Homem”
usado por Daniel: “Em imagens noturnas, tive esta visão: entre as nuvens do
céu vinha alguém como um filho de homem”. (Dn 7,13).
Jesus não veio ao mundo para cumprir uma missão de
triunfos e de glórias humanas, mas para obedecer ao designo do Pai de salvação
da humanidade e demonstrar o grande amor do Pai pelos homens e, por isso, Jesus
vem oferecer a sua vida em dom de amor aos homens: “Pois Deus amou de tal
forma o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que nele acredita
não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo,
não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por ele. Quem
acredita nele, não está condenado; mas quem não acredita, já está condenado,
porque não acreditou no nome do Filho único de Deus”. (Jo 3,16-18).
O ponto alto da catequese de Marcos no seu Evangelho é
a afirmativa do centurião romano junto da cruz: “De fato, esse homem era
mesmo Filho de Deus”. (Mc 15,39b).
Se se fosse perguntado ao centurião romano, para ele,
quem era Jesus, com certeza, depois do que ele havia presenciado no Calvário,
ele diria, sem medo de errar, que Jesus “era mesmo Filho de Deus” e
ponto final.
Depois que Jesus passou a explicar o que quer dizer
ser o Messias, Pedro se mostra indignado e em desacordo com este final, tendo a
audácia de repreender o Mestre, e opõe-se, decididamente, a que Jesus caminhe
em direção ao seu destino de cruz: “Então Pedro levou Jesus para um lado e
começou a repreendê-lo.” (Mc 8,32b).
A oposição de Pedro e, obviamente, dos discípulos,
pois Pedro continua a ser o porta-voz da comunidade apostólica, considerando
que ele falava em nome da comunidade dos discípulos, significa que a
compreensão do mistério de Jesus por todos ainda é muito imperfeita.
Para Pedro e para a comunidade dos discípulos, a
missão do “Messias, Filho de Deus” tinha que ser uma missão gloriosa e
vencedora; e, na lógica de Pedro e de todos, que é a lógica do mundo, a vitória
não pode estar na cruz que se concretiza no dom da vida, e sim na glória que o
mundo oferece. Jesus dirige-se a Pedro, também com indignação e com muita dureza:
“Jesus virou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo:
‘Fique longe de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas
dos homens”. (Mc 8,33).
É preciso que os discípulos corrijam o que pensam de
Jesus e do plano do Pai que Jesus vem realizar. O plano de Deus não passa por
triunfos humanos, nem por esquemas de poder e de domínio. O plano do Pai passa
pelo dom da vida e pelo amor até às últimas consequências: “Pois Deus amou
de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que nele
acredita não morra, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3,16), razão pela qual a
cruz é a expressão mais radical.
Ao pedir a Jesus que não embarque nos projetos do Pai,
Pedro está repetindo as tentações que Jesus experimentou no início do seu
ministério no deserto depois de seu batismo (cf. Mc 1,13).
É por isso que Jesus responde a Pedro: “Fique longe
de mim, satanás!”.
Jesus já havia tido em sua vida um satanás que, no
deserto, tentou induzi-lo a ignorar os planos do Pai; não podia suportar um
segundo satanás que tentava afastá-lo do que o Pai havia determinado.
As palavras de Pedro têm por objetivo desviar Jesus do
cumprimento dos planos do Pai; e Jesus não está disposto a transigir com
qualquer proposta que o impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os
projetos de Deus.
Depois de anunciar a sua missão, que será cumprida em
obediência ao plano do Pai no dom da própria vida em favor dos homens, Jesus
convida seus discípulos a seguir um percurso semelhante: “Então Jesus chamo
a multidão e os discípulos. E disse: ‘Se alguém quer me seguir, renuncie a si
mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai
perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim e da Boa Notícia, vai
salvá-la. Com efeito, o que adianta o homem ganhar o mundo inteiro, se perder a
sua própria vida? Que é que um homem poderia dar em troca da própria vida?”
(Mc 8,34-37).
Quem quiser ser discípulo de Jesus, tem de “renunciar
a si mesmo”, “tomar a cruz” e seguir Jesus no caminho do amor, da entrega e do
dom da vida.
O que significa, exatamente, renunciar a si mesmo? É
não deixar que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, a autossuficiência dominem a
vida.
O seguidor de Jesus não vive fechado no seu cantinho,
a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta,
insensível às necessidades dos irmãos, alheio às lutas e reivindicações dos
outros homens, mas vive para Deus e na solidariedade, na partilha e no serviço
aos irmãos. Significa renunciar ao seu egoísmo e autossuficiência, para fazer
da vida um dom a Deus e aos outros.
O cristão não pode viver preocupado apenas em
concretizar os seus sonhos pessoais, os seus projetos de riqueza, de segurança,
de bem estar, de domínio, de êxito, de triunfo.
A cruz é a expressão de um amor total, radical, que se
dá até à morte; “renunciar a si mesmo”, “tomar a cruz” significa a
entrega total da própria vida por amor. “Tomar a cruz” é ser capaz de
gastar a vida de forma total e completa por amor a Deus e para que os irmãos
sejam mais felizes.
No final desta instrução Jesus explica aos discípulos
as razões pelas quais eles devem abraçar a lógica da cruz. Convida-os a
entender que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas ganhá-la: “Pois
quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por
causa de mim e da Boa Notícia, vai salvá-la. Com efeito, o que adianta o homem
ganhar o mundo inteiro, se perder a sua própria vida? Que é que um homem
poderia dar em troca da própria vida?” (Mc 8,35-37).
Quem é capaz de dar a vida a Deus e aos irmãos, não
fracassou; mas ganhou a vida em plenitude, a vida verdadeira que Deus oferece a
quem vive de acordo com as suas propostas, e por isso Jesus disse para que
veio: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” (Jo 10,10).
O que é “tomar a cruz”? É amar até às últimas
consequências, até à morte. Por isso, o cristão não deve ter medo de lutar
contra a injustiça, a exploração, a miséria, o pecado.
Todos os evangelistas, nos seus respectivos
Evangelhos, retratam o que ele, evangelista, e a sua comunidade, atestam quem
seja Jesus.
Marcos diz logo no início quem é Jesus para ele e para
a sua comunidade: “Começo da Boa Notícia de Jesus, o Messias, o Filho de
Deus”. (Mc 1,1).
No Evangelho de Mateus, Jesus aparece como o Senhor
glorificado e celebrado na sua comunidade. Ele é o “Deus conosco”, o “Emanuel”.
(Mt 1,23).
Lucas não conheceu pessoalmente Jesus. Apresenta-o
como o Senhor glorificado. Lucas é o único que chama a Jesus o Senhor, quando
fala dele. Fala mais vezes de Jesus como rei.
João diz que Jesus é o “bom pastor... que dá a vida
pelas suas ovelhas” (Jo 10,11); é o “pão da vida…” (Jo 6,48); é a “ressurreição
e a vida”. (Jo 11,25); é a “luz do mundo…” (Jo 8,12); é o “caminho,
e a verdade, e a vida”. (Jo 14,6), e muito mais.
Nos Evangelhos os evangelistas, por várias pessoas,
dão vários testemunhos sobre quem é Jesus. O velho Simão, quando a apresentação
do menino Jesus no templo, agradece: - “Simeão tomou o menino nos braços e
louvou a Deus, dizendo: ‘Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar o
teu servo partir em paz.
Porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante
de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de teu povo Israel’.”
(Lc 2,28-30).
João Batista se humilha ao falar de Jesus porque sabe
de quem está falando: - “Depois de mim vai chegar alguém mais forte do que
eu. E eu não sou digno sequer de me abaixar para desamarrar as suas sandálias.
Eu batizei vocês com água, mas ele batizará vocês com o Espírito Santo”.
(Mc 1,7), e “convém que ele cresça e que eu diminua!” (Jo 3,30).
Marta, por ocasião da ressurreição de seu irmão,
Lázaro: - “Sim, Senhor. Eu acredito de que tu és o Messias, o Filho de Deus
que devia vir a este mundo.” (Jo 11,27).
Pedro, falando por todos os discípulos e apóstolos: - “Não
existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado
aos homens, pelo qual possamos ser salvos.” (At 4,12), e “A quem iremos
Senhor? Tu tens palavra de vida eterna. Agora nós acreditamos e sabemos que tu
és o santo de Deus.” (Jo 6,68).
Jesus também tinha um testemunho a dar de si mesmo.
Ele mesmo disse: “Embora eu dê testemunho de mim mesmo, o meu testemunho é
válido, porque eu sei de onde venho e para onde vou. [...] Eu dou testemunho de
mim mesmo, e o Pai que me enviou dá testemunho de mim.” (Jo 8,14.18); “Eu
sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, mesmo que morra, viverá. E
todo aquele que vive e acredita em mim, não morrerá para sempre.” (Jo
11,25-26); “Eu sou o pão da vida…” (Jo 6,48); “Eu sou a luz do
mundo…” (Jo 8,12); “Eu sou o bom pastor… que dá a vida pelas suas
ovelhas…” (Jo 10,11); “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém
vem ao Pai senão por mim.” (Jo 14,6). “E vocês, quem dizem que eu sou?” (Mt
16,15); “Você diz isso de você mesmo ou foram os outros que disseram isso de
mim?” (Jo 18,34); ou como seria dizer:
A opinião é sua, ou é de alguém que você tenha
ouvido?
Qual é o testemunho que hoje damos de Jesus? Não há
necessidade de responder com palavras bonitas: o importante é refletir no
coração e o que for dito deve corresponder à verdade e reproduzir a sinceridade
do coração!
Para você, quem é Jesus?
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