“TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS”. (Lc 7,48).
No Evangelho uma mulher cujo nome não é citado na narração, portanto anônima, de fama duvidosa, “conhecida na cidade como pecadora”, adentra em uma casa onde Jesus era convidado para uma refeição, e unge seus pés: “... ela, porém, ungiu meus pés com perfume” (Lc 7,45b).
Lucas não dá nome a essa mulher, a deixa anônima, para que, no lugar
do nome dela possamos colocar o nosso próprio nome e dizer que esta mulher pode
ser qualquer um de nós: pode ser eu, pode ser você quando, não importando o
pecado que tenhamos cometido, se arrependidos, voltarmos para Deus implorando a
sua misericórdia e seu perdão. A mulher ungiu os pés de Jesus.
Segundo o
Dicionário Teológico, “unção é untar
com óleo sagrado. Através deste
ato, eram separados os que, pela vontade de Deus, passariam a exercer as
funções veterotestamentárias: rei, sacerdote e profeta”, e, segundo o
Dicionário da Bíblia católica, edição ecumênica, Barsa – 1964, “unção é uma cerimônia religiosa na qual
se derrama óleo sobre uma pessoa ou coisa escolhida. No Antigo Testamento,
os profetas eram ungidos para a sua missão. A palavra Christos em grego
significa Ungido (Sl 2,2). Os fiéis são considerados ungidos de Deus (2Cor 1,21;
1Jo 2,10.27)”. Jesus, no início de sua vida pública quando, pela primeira
vez toma a palavra na sinagoga de Nazaré diante de ouvintes, inaugurando a sua
pregação, já se diz ungido, repetindo o que Isaias havia profetizado a respeito
dele próprio, Jesus, como sendo o Messias: “O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar
a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e
aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos...”. (Lc 4,18).
O nome hebraico
“Messias” e o grego “Christos” quer dizer exatamente “Ungido”; quando falamos “Jesus
Cristo”, dizemos “Jesus, o Ungido pelo Pai”.
Cristo é o
ungido, o escolhido de Deus.
Em Israel,
sacerdotes (Ex 40,15), reis (1Sm 9,16) e profetas (1Rs 19,16) eram ungidos. A
unção era um símbolo que indicava que Deus os havia separado para alguma obra
em relação ao seu povo. Todos estes, sacerdotes, reis e profetas, porém,
falharam, mas Deus nos apresenta o seu Cristo, o seu Ungido, o seu Sacerdote,
Profeta e Rei, que cumpriu plenamente o propósito de Deus.
“Cristo” é o
nome que fala-nos daquele que o Pai escolheu. Um importante detalhe que pode
ser observado nas Escrituras Sagradas: somente homens foram ungidos. Em momento
algum, nenhuma mulher foi ungida para uma tarefa na área espiritual. Não há
nenhuma referência de mulheres sendo ungidas, seja para o serviço sacerdotal ou
para reinar.
Somente homem
ungia homem. No caso de Jesus, além de ele ser ungido com o Espírito do Senhor:
“Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou com a unção” e de ter sido declarado pelo próprio
Pai como Filho bem amado: “Este é meu
Filho amado em quem me comprazo”. (Mt 3,71; 17,5; Mc 1,11; Lc 3,22), e da
declaração de fé de Pedro, chamando-o de Cristo e Filho de Deus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt
16,16b), e, em Lucas, Pedro diz taxativamente: “O Messias de Deus” (Lc 9,20), nenhum homem ungiu Jesus; apenas as
mulheres o ungiram. O que será que ele quis nos dizer com isso e que nós anda
não entendemos?
Jesus Cristo
foi ungido em duas ocasiões, por mulheres, com óleo perfumado.
Uma vez
aconteceu na casa de certo fariseu, na Galiléia, conforme nos narra o Evangelho
de hoje: “Ela trouxe um frasco de
alabastro com perfume e, ficando por detrás, chorava aos pés de Jesus; com as
lágrimas começou a banhar-lhe os pés, enxugava-os com os cabelos, cobria-os de
beijos, e os ungia com o perfume”. (Lc 7,37b-38).
A outra vez que
Jesus foi ungido foi no lar de Simão, o leproso, em Betânia: “Então Maria (a irmã de Marta e Lázaro) levou quase meio litro de perfume de nardo
puro e muito caro. Ungiu com ele os pés de Jesus e os enxugou com seus
cabelos”. (Jo 12,3; Mt 26,7; Mc 14,3).
Nos dois casos
o óleo caro foi derramado dum vaso de alabastro.
O alabastro, de
que foram feitos os vasos, era como se fosse uma porcelana, uma pedra preciosa
semelhante ao mármore, porém, muito sensível, e era exatamente dessa pedra que
era produzido jarros para colocar perfumes.
A primeira
mulher a ungir Jesus ficou anônima no Evangelho de Lucas, sendo identificada
apenas como “conhecida na cidade como
pecadora” [...] “Se esse homem fosse
um profeta, saberia que tipo de mulher está tocando nele, pois é uma pecadora.”
(Lc 7,37.39b).
A segunda
mulher tem identidade: era Maria, a irmã de Lázaro e Marta: “Então Maria levou quase meio litro de
perfume de nardo puro e muito caro. Ungiu com ele os pés de Jesus e os enxugou
com seus cabelos”. (Jo 12,3).
Esta segunda
unção Jesus a interpretou como se fosse uma preparação para o seu sepultamento,
que estava prestes a acontecer: “Deixe-a.
Ela guardou esse perfume para me ungir no dia do meu sepultamento”. (Jo
12,7; Mc 14,8; Mt 26,12).
Voltemos ao
Evangelho deste domingo, Lucas 7,36 – 8,3.
A mulher que
tinha uma vida não em conformidade com a moral e os bons costumes da época, ou
ainda, de hoje, soube da presença de Jesus na cidade e na casa de quem ele se
encontrava: na casa de um fariseu que “convidou
Jesus para uma refeição”.
Lucas
declina o nome do anfitrião de Jesus como sendo Simão e diz era um fariseu. Fariseu
era alguém muito importante no seguimento da religião judaica e que se considerava
santo e se vangloriava por não ser igual aos demais do povo. Basta ler a
parábola do publicano e do fariseu contada pelo próprio Jesus para ver a
arrogância e o orgulho desmedido de um fariseu que se compara santo na sua
oração em frente a um publicano que bate no peito reconhecendo-se pecador: “Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como
os outros homens que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse
publicano. Eu faço jejum duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha
renda’. O publicano ficou à distância, e nem se atrevia levantar os olhos para
o céu, mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim, que sou
pecador”. (Lc 18,9-14).
Em outra
ocasião Jesus bate pesado nas atitudes dos fariseus, dirigindo contra eles oito
“ai de vocês” e maldições e
chamando-os várias vezes de “hipócritas” (Mt
23,13.15.23.25.27a.29), e de “condutores
cegos [...] Insensatos e cegos” (Mt
23,16.17.19.24.26); “sepulcros caiados” (Mt
23,27b), ‘serpentes, raça de víboras”
(Mt 23,33).
Há necessidade
de se dizer alguma coisa mais a respeito dos fariseus? E dos fariseus que,
garbosamente ocupam os bancos das nossas igrejas?
Então, vemos
que o fariseu era alguém que, por suas atitudes escrupulosas, hipócritas e
orgulhosas da prática religiosa, julgava que já havia adquirido a passagem e a
entrada para o céu, enquanto os demais queimariam no fogo do inferno, como
existem muitos cristãos que, ainda hoje, assim agem, pensam e julgam...
A mulher
ignorou todo tipo de convenção ou boas maneiras ao adentrar naquela casa cheia
de fariseus que se julgavam santos e superiores a todos os demais. Pela lei de
Moisés e pelos ensinamentos farisaicos, um fariseu jamais receberia ou
permitiria que uma mulher considerada pelo povo como pecadora, adentrasse os
umbrais de sua porta. Mas a mulher demonstra coragem e ousadia e, acima de
tudo, fé. Entrou na casa do fariseu trazendo consigo um vaso de alabastro cheio
de caro perfume. Passou por todos que estavam atônitos ao ver a audácia da
mulher, e se dirige diretamente a Jesus e “...
ficando por detrás, chorava aos pés de Jesus, com as lágrimas começou a
banhar-lhe os pés, enxugava-os com os cabelos, cobria-os de beijos, e os ungia
com o perfume" (Lc 7,38). Apesar das mulheres do tempo de Jesus usarem
cabelos presos e cobertos com um véu, essa mulher não se importou com o que
iriam dizer, mas, com os próprios cabelos, que estavam soltos, enxugou os pés de
Jesus. As mulheres judias honestas jamais usariam cabelos soltos.
Jesus não fez qualquer atitude de repulsa
contra a mulher. Jesus sabia que, pela Lei de Moisés, quem se deixasse tocar
por uma pessoa pecadora, ficaria impuro como ela.
Jesus não ignorou a Lei de Moisés, mas se
antepôs às atitudes hipócritas daqueles que se consideravam santos e se
julgavam no direito de dizer para Deus quem deveria ir para o céu ou para o
fogo do inferno e, por isso, menosprezavam aqueles que não liam e nem seguiam a
sua cartilha.
Pelo contrário, Jesus amou profundamente
aquela mulher pela sua atitude, atitude de se reconhecer pecadora reconhecendo
nele, Jesus, o Filho de Deus, aquele que tira o pecado do mundo, buscando em
Jesus o lenitivo de sua dor e o perdão dos seus pecados pelas lágrimas que
derramou lavando os pés de Jesus.
Jesus não recriminou essa mulher, não a
interrompeu, não a impediu de tocá-lo, perdoou-a, salvou-a e despediu-a com a
sua paz, porque “Deus amou de tal forma o
mundo, que entregou seu Filho único, para que, todo o que nele acredita, não
morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não
para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele”. (Jo
3,16-16), e: “Todos aqueles que o Pai me
dá, virão a mim. E eu nunca rejeitarei aquele que vem a mim...” (Jo
3,36-37).
Com essa
atitude da mulher, que era considerada pecadora e indigna de adentrar na casa
de um pretenso “santo”, o fariseu deixou transparecer revolta e grande
perturbação, tendo a ousadia de colocar em cheque a integridade e a missão de
Jesus e, em pensamento, julgou: “Se este
homem fosse um profeta, saberia que tipo de mulher está tocando nele, pois é
uma pecadora” (Lc 7,39b), ignorando que a missão de Jesus era exatamente
para achar o que estava perdido, e que ele não viera para os que se
consideravam “santos” e sim para os que se sabiam pecadores: “Com efeito, o Filho do Homem veio procurar
e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10); “Haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que
por noventa e nove justos que não precisam de conversão. [...] “Os anjos de Deus sentem a mesma alegria por
um pecador que se converte” (Lc 15,7.10).
Jesus, que é
Deus, onisciente, com certeza conhecia o coração do fariseu e sabia o porque da
sua revolta, e lê o seu pensamento, conta-lhe a parábola dos dois devedores,
mostrando que, quem peca mais e é perdoado será aquele que mais amará quem o
perdoou, e, na sequência, mostra ao fariseu a falta de educação que ele tinha demonstrado
ao recepcionar um convidado, no caso o próprio Jesus, e que a mulher havia
suprido aquela deselegância: “Simão,
estás vendo esta mulher? Quando entrei na tua casa, tu não me ofereceste água
para lavar os pés; ela, porém, banhou meus pés com lágrimas e enxugou-os com os
seus cabelos. Tu não me deste o beijo de saudação; ela, porém, desde que
entrei, não parou de beijar meus pés. Tu não derramaste óleo na minha cabeça;
ela, porém, ungiu meus pés com perfume. e lhe dá uma lição de amor e perdão:
“Por essa razão, eu te declaro: os muitos
pecados que ela cometeu estão perdoados, porque ela mostrou muito amor’. E Jesus disse à mulher: ‘Teus pecados estão
perdoados’.” (Lc 7,47-48).
Jesus coloca
mais minhocas e indignações na cabeça dos fariseus, que se julgavam “santos” e
protestam: “Quem é este que até perdoa
pecados?”(Lc 7,49b). Jesus ignora essa observação de repúdio dos fariseus
“pseudos-santos”, como existem tantos na nossa Igreja.
E Jesus se
volta para a mulher, e lhe diz: “Tua fé
te salvou. “Vai em paz” (Lc 7,50b).
Muitos grandes
santos foram também grandes pecadores. Exemplo disse temos nas próprias
Sagradas Escrituras, como o exemplo da mulher samaritana que de grande pecadora
que era, transformou-se numa das primeiras missionárias e evangelistas ao
chamar o povo da cidade para ir ao encontro e ouvir a Jesus Cristo que lhe
tinha dito maravilhas (Jo 4,4-30). Como vemos em Santo Agostinho cuja mãe, Santa
Mônica, rezou e chorou durante trinta anos para a sua conversão e hoje,
Agostinho de Hipona, é um dos maiores teólogos da nossa Igreja.
O grande
pecador de hoje pode ser o missionário do Evangelho de amanhã.
Não conhecemos
os caminhos nem os pensamentos de Deus: “Porque
os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os
meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que a
terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os
meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos”. (Is 55,8-9).
Cuidemos,
portanto, para que as nossas posições não nos coloquem no lado oposto às
atitudes de Jesus.
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