CANTAR A MISSA OU CANTAR NA MISSA
Frei José Ariovaldo da Silva, OFM
Em minhas
andanças como missionário da Liturgia, encontro pessoas que se queixam de
certas missas barulhentas demais. Observam que o pessoal da música e/ou as
"bandas", com baterias, teclados, guitarras e cantores tocando e
cantando a todo vapor, não levam a sentir Deus se comunicando com a gente na
Palavra e na Eucaristia. Não ajudam a se concentrar. Não favorecem a oração.
Tem-se a
impressão de se estar assistindo antes a um show do que participando realmente
do mistério de Deus. Outros ainda observam que, muitas vezes, cantam-se músicas
que não têm nada a ver com o mistério celebrado. Como aconteceu uma vez em São
Paulo: numa determinada comunidade, em plena festa de Corpus Christi, começaram
a missa, cantando "Mãezinha do céu".
Ao lado dessas
observações, me vem à lembrança também uma pergunta que muitos me fazem: Afinal
de contas, quando uma música é litúrgica ou não? Vamos refletir um pouco sobre
esta pergunta, fixando nossa atenção mais na missa, para depois indicarmos
algumas orientações práticas para o uso da música na liturgia.
MÚSICA LITÚRGICA
Quando uma
música é litúrgica ou não? Quem nos responde é o próprio Concílio Vaticano II,
em 1963. Há 40 anos, portanto. No capítulo VI da Constituição sobre a Sagrada
Liturgia, dedicado à música sacra, o Concílio nos ensina o seguinte: "A música sacra será tanto mais santa
quanto mais intimamente estiver ligada à ação litúrgica, quer exprimindo mais
suavemente a oração, quer favorecendo a unanimidade, quer, enfim, dando maior
solenidade aos ritos sagrados" (nº 112).
Como se vê, o
Concílio diz que a música sacra será tanto mais santa, isto é, litúrgica,
"quanto mais intimamente estiver ligada à ação litúrgica".
Este é o
critério fundamental para discernir se uma música é litúrgica ou não. Em outras
palavras, ela (a música) é litúrgica quando está a serviço do mistério de Deus
que se celebra na liturgia. Vamos repetir: a música é litúrgica na medida em
que estiver intimamente ligada à ação litúrgica.
E, no caso da
missa, o que é uma ação litúrgica? São as diferentes ações que se realizam para
celebrar o mistério de Deus em Cristo: procissões (entrada, ofertório,
comunhão), ritos iniciais, proclamação da Palavra, proclamação da Oração
Eucarística, comunhão, despedida, etc.
Então, uma
música é litúrgica na medida em que expressar o mistério de Deus celebrado em
cada uma dessas ações, sem esquecer também do tempo em que estamos (Advento,
Natal, Quaresma, Tempo Pascal, Tempo Comum, Festa especial do Senhor, de Maria
ou outro santo).
Por exemplo,
qual é o mistério de Deus que celebramos no momento de iniciar a celebração? É
o mistério do Deus que nos acolhe em sua casa, nos reúne em comunidade (em
assembléia) para nos comunicar sua Boa Nova e sua Vida, na Palavra proclamada e
na Eucaristia celebrada.
A música deve
expressar, de alguma maneira, o mistério deste Deus e a nossa oração a este
Deus "hospitaleiro"; nos ritos iniciais, a música deve expressar o
Deus que nos reúne e nos prepara para ouvir a sua Palavra e participar da sua
Ceia. Na liturgia da Palavra, a música deve expressar o mistério de Deus que
fala ao seu povo reunido, e da assembléia que fala para Deus.
No ofertório, a
música que acompanha a ação litúrgica deve expressar, de alguma maneira, o
mistério de Deus que nos reúne em torno à sua mesa para celebrar a Eucaristia
e, ao mesmo tempo, o mistério da assembléia que se coloca como oferta para
Deus.
Na comunhão, a
música deve expressar o mistério de Deus que entra em comunhão conosco, para
entrarmos também nós em comunhão uns com os outros, em favor da vida. E assim
por diante... Assim sendo, com base nesses critérios emanados pela Igreja na
Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II, aponto a seguir, para os
músicos de nossas comunidades, algumas orientações práticas importantes.
ORIENTAÇÕES PRÁTICAS
Em primeiro
lugar, os músicos devem ter sempre em mente que são parte da assembléia. Por
isso, não devem tocar nem cantar "para" a assembléia, mas
"com" a assembléia. Seu papel (isto é, tocando e cantando
"com" o povo presente) é dar apoio à assembléia centrada naquilo que
se celebra na liturgia. O centro (no caso da missa) é a mesa da Palavra e o
altar, a Palavra proclamada e o sacrifício de Cristo. Por isso, junto com a
assembléia, os músicos celebrem (tocando e cantando) aquilo que acontece na
mesa da Palavra e no altar do Senhor. E não outra coisa!
Consequentemente,
que os músicos toquem e cantem (como a assembléia faz) com a atenção voltada
para a Palavra e para o altar. Por isso, fiquem mais voltados para este centro
de atenção, e não simplesmente "de frente" para a assembléia (como se
estivessem tocando e cantando "para" o povo). Importantíssimo: os
músicos tomem muito cuidado para não "roubar a cena" do mistério que
se celebra na mesa da Palavra e na mesa da Eucaristia. Sua atuação deve antes
"convergir" e levar a "convergir" para este centro. O
estilo show "rouba a cena" (tira a atenção!) daquilo que é central na
celebração. Isso não deve acontecer.
O mistério de
Deus é o mais importante. E mais: cantem e toquem músicas que "batem"
realmente com a ação litúrgica que se realiza e com o momento (e época) da
celebração. Não é qualquer música, só porque é "bonita"... Como diz o
Concílio, tem que ser música que esteja "intimamente ligada com a ação que
se realiza". E ainda: dentro do princípio de que a música deve estar
intimamente ligada à ação litúrgica, quando termina a ação, cessa também a
música. Finda a procissão de entrada, ou
de ofertório, ou de comunhão, pára também a música. Nada de
"espichar" o canto com as restantes estrofes que sobram.
Pois a
finalidade da música sacra é acompanhar (solenizar) a ação litúrgica,
celebrando o mistério. Outra coisa muito importante: evitem fazer muito
barulho! Já está mais que provado: o mistério de Deus, a gente o sente é na
suavidade, na calma, na serenidade, no silêncio. Por isso, os músicos - na arte
de tocar e cantar - devem deixar, em primeiro lugar, o mistério de Deus
"aparecer"! E é no silêncio que ele se manifesta. Por isso, privilegiem
a maneira suave e silenciosa de tocar e cantar. Enfim, uma última sugestão: a
música litúrgica deve ter sempre um caráter orante. Por isso, os músicos devem
cantar e tocar na liturgia com espírito de oração. Orando! Sua música deve ser
oração em forma de sons e acordes. Canto, sons, e acordes, tudo oração.
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