NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO.
“VINDE, BENDITOS DE MEU PAI...” (Mt 25,34).
Diácono Milton Restivo
Chegamos, finalmente, ao último domingo do Ano Litúrgico.
O ano civil começa em 1º de
Janeiro e termina em 31 de Dezembro de cada ano. Já o Ano Litúrgico começa no
1º Domingo do Advento, quatro semanas antes do Natal, e termina no sábado
anterior a ele, exatamente no sábado seguinte à festa de Jesus Cristo Rei do
Universo, que festajamos nesta liturgia.
O Ano litúrgico não tem data fixa
para iniciar ou terminar. A festa de Jesus Cristo, Rei do Universo marca e simboliza a realeza absoluta de Cristo no fim
dos tempos.
Comemoramos, neste domingo, o último domingo deste Ano
Litúrgico, a festa de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
No Antigo Testamento o título de pastor era dado a todos aqueles que
representavam Deus no meio do povo: reis, sacerdotes, mandatários
governamentais, etc.
Por isso, na primeira leitura
o profeta Ezequiel transmite a palavra de Yahweh ao seu povo, onde Yahweh
identifica-se como pastor em substituição àqueles pastores que ele designara
para cuidar de seu povo e que foram negligentes, relapsos e omissos, e por isso
ele mesmo, Yahweh, assume a função de pastor de seu povo, aquele que dirige o
destino do seu povo, o Rei por excelência:
ü “Recebi de Yahweh a seguinte mensagem [...] Minhas ovelhas se espalharam e vagaram sem
rumo pelos montes e morros. Minhas ovelhas se espalharam por toda a terra, e
ninguém as procura para cuidar delas. [...] Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas. Como o pastor conta o seu
rebanho, que está no meio de suas ovelhas que se haviam dispersado, nos dias
nebulosos e escuros. [...] Vou
levá-las para pastar nas melhores invernadas, e o seu curral ficará no mais
alto dos montes de Israel. Ai elas poderão repousar num curral bom, e terão
pastos abundantes sobre os montes de Israel. Eu mesmo conduzirei as minhas
ovelhas para o pasto e as farei repousar.”. (Ez 34,1.6.11-12.14-15).
Mas, antes dessa declaração de
amor de Yahweh ao seu povo, o próprio Yahweh já havia chamado a atenção e feito
duras críticas aos dirigentes do povo por direcioná-lo por caminhos errados:
ü “Ai dos pastores de Israel,
que são pastores de si mesmos. [...] Vocês não procuram fortalecer as ovelhas
fracas, não dão remédio para as que estão doentes, não curam as que se
machucam, não trazem de volta as que se desgarraram e não procuram aquelas que
se extraviaram. Pelo contrário, vocês dominam com violência e opressão. [...]
Por isso, vocês, pastores, ouçam a palavra de Yahweh: juro por minha vida –
oráculo do Senhor Yahweh: minhas ovelhas se tornaram presa fácil e servem de
pasto para as feras selvagens. Elas não têm pastor, porque os meus pastores não
se preocupam com o meu rebanho. Por isso, pastores, ouçam a palavra de Yahweh!
Assim diz o Senhor Yahweh: vou me colocar contra os pastores. Vou pedir contas
a eles sobre o meu rebanho e não deixarei mais que eles cuidem do meu rebanho.
Deste modo os pastores não ficarão mais cuidando de si mesmos. (Ez
34,2b.4.7-10a).
O Salmo 22, atribuído ao próprio rei Davi, é um dos
mais belos, mais conhecidos, mais cantados e mais recitados salmos em todo o
mundo cristão.
O Salmo desta liturgia
transmite o cuidado e o amor que Yahweh tem para com o seu povo e o salmista,
manifestando os anseios de toda a humanidade, chama a Yahweh de seu pastor,
considerando que pastor é Rei, colocando nele toda a sua confiança e segurança:
ü “Yahweh é meu pastor. Nada me falta.
[...] Ele
me guia por bons caminhos, por causa do seu nome.” (Sl 22,1.3).
Conforme a tradição judaica,
David teria escrito este Salmo quando estava cercado por tropas inimigas num
oásis, à noite; daí o Salmo inserir tamanha confiança na Providência Divina
contra os inimigos.
Claro que há outras
interpretações que defendem que esse Salmo tenha sido feito de outra maneira e
em outro lugar e em outra circunstância, mas, particularmente, prefiro ficar
com a tradição judaica.
O rei Davi deleita-se ao entregar-se
aos cuidados de Yahweh, a quem chama de Pastor:
ü “Yahweh é o meu
pastor. Nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes
tranquilas me conduz, e restaura minhas forças”. (Sl 23 (22),1-2).
O pastor passava o dia todo
e a noite inteira com as suas ovelhas e estabelecia com elas uma profunda
identidade.
No Salmo 80 (79) o
salmista, em suas súplicas, também chama Yahweh de pastor:
ü
“Pastor de Israel, dá
ouvidos, tu que diriges a José como a um rebanho...”. (Sl 80 (79),1).
O profeta
Isaias demonstra o amor que Yahweh tem por seu rebanho:
ü “Como um
pastor, Ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos ao
colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam”. (Is 40,11).
Os reis de Israel eram
considerados, por Yahweh, pastores do seu povo:
ü “Darei a vocês
pastores de acordo com o meu coração, e eles guiarão vocês com ciência e
sensatez”. (Jr 3,15).
Isso deixa claro o porque Yahweh
serviu-se da figura do pastor para expressar a sua relação de amor para com a
humanidade.
A segunda leitura, tirada da
primeira epístola de Paulo aos corintos, aborda o tema ressurreição dos mortos
e da realeza de Jesus Cristo sobre todos os mortais, ratificando o que está
contido no Evangelho desta liturgia, que trata do Juízo Final.
Nos versículos anteriores aos
citados nesta referência, Paulo diz que, se não houvesse a ressurreição dos
cristãos, seriam inúteis tanto a fé quanto os trabalhos da difusão do Evangelho
para todos os homens:
ü “Pois, se os mortos não
ressuscitam, Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a fé
que vocês têm é ilusória, e vocês ainda estão nos seus pecados. E desse modo,
aqueles que morreram em Cristo estão perdidos. Se a nossa esperança em Cristo é
somente para esta vida, nós somos os mais infelizes de todos os homens.” (1Cor 15,16-19).
Paulo afirma que, se esperamos
em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis dos homens, e demonstra que,
da mesma maneira como Cristo ressuscitou e vive e reina para sempre e, na sua
realeza, o último inimigo a ser vencido é a morte:
ü “O último inimigo a ser
destruído será a morte, pois Deus colocou tudo debaixo dos pés de Cristo.” (1Cor 15,26-27).
Paulo deixa claro que, da
mesma forma que a morte afetou todos os homens pela desobediência de Adão, a
ressurreição é alcançada pelo sacrifício de Jesus:
ü “Como em Adão todos morrem,
assim em Cristo todos receberão a vida.” (1Cor 15,22).
Mateus, no seu Evangelho,
mostra que, ao aproximar-se o momento da
entrega total, antes de Jesus, voluntariamente, entregar-se à morte para a
salvação do gênero humano mergulhado no pecado, ele abre seu divino coração e
revela a todos aos seus amigos os segredos nele contidos; e esses segredos são
como um testamento, uma aliança que Jesus Cristo deixa a todos aqueles que se
propuserem seguir suas pegadas, conforme disse João no seu Evangelho:
ü
“Dou a vocês um mandamento novo: que vocês se amem uns
aos outros. Como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Nisso
reconhecerão todos que são meus discípulos, se tiverem amor uns pelos outros.” (Jo 13,34-35).
Os primeiros cristãos levaram tão a sério esse
preceito de Jesus que assim viviam nos primeiros tempos do cristianismo:
ü
“Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham
tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos,
segundo as necessidades de cada um. [...] Louvavam a Deus e gozavam da simpatia do povo.” (At 2, 44-45.47).
Jesus fez do amor ao próximo o sinal que servirá de
julgamento no Juízo Final para distinguir os eleitos dos condenados, e para
antecipar como será o Juízo Final, um julgamento baseado no amor que tivemos ao
nosso próximo, e esse julgamento é citado no Evangelho desta liturgia.
Através do mandamento do amor e dessa narrativa do fim
do mundo e juízo final, Jesus afirma que a nossa sorte eterna será decidida
pelo amor que tivemos a ele próprio na pessoa do nosso próximo, recordando o
que ele mesmo havia dito aos que cumpriram o mandamento do amor ao próximo:
ü
“Venham vocês,
que são abençoados por meu Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes
preparou desde a criação do mundo. [...]
Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos
meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,34.40).
E aos que não cumpriram o mandamento do amor ele dirá
a terrível sentença:
ü
“Afastem-se de
mim, malditos, Vão para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. [...] Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês
não fizeram isso a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizeram. Portanto,
estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna.” (Mt
25,41.45-46).
Quando comparecermos diante do Juiz Eterno, no Juízo
Final, o Rei do Universo não vai nos perguntar se jejuamos muito, se vivemos na
penitência, se passamos muitas horas em oração, ou quantas missas participamos,
quantos terços rezamos, quantos grupos de orações estivemos presentes, mas vai
nos perguntar e nos julgar unicamente pelo amor que dispensamos ao próximo
seguindo o seu grande mandamento do amor no atendimento às necessidades do
irmão carente:
ü
“Eu estava com
fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede e me deram de beber; eu era
estrangeiro e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu
estava doente e cuidaram de mim; eu estava na prisão e vocês foram me visitar.”
(Mt 25,35-36).
A nossa vida de fé, espiritualidade e oração deve ser
o suporte ao mandamento do amor.
O amor é o distintivo, a marca pela qual serão
reconhecidos os discípulos de Jesus Cristo:
ü
“Se vocês
tiverem amor uns pelos outros, todos reconhecerão que vocês são meus
discípulos.” (Jo 13,35).
Paulo Apóstolo, conhecedor profundo das verdades
pregadas por Jesus Cristo, ensina:
ü
“Que o amor de vocês seja sem hipocrisia, detestando o
mal e apegados ao bem; com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros,
cada um considerando o outro como mais digno de estima.” (Rm 12,9-10).
ü
“Abençoem os que perseguem vocês; abençoem, e não
amaldiçoem. Alegrem-se com os que se alegram, e chorem com os que choram. Vivam
em harmonia uns com os outros. Não se deixem levar pela mania de grandeza, mas
se afeiçoem às coisas modestas. Não se considerem sábios. Não paguem a ninguém
o mal com o mal; a preocupação de vocês seja fazer o bem a todos os homens. Se
for possível, no que depende de vocês, vivam em paz com todos.” (Rm 12, 14-18).
João, o Apóstolo do Amor, chama de mentiroso aquele
que diz que ama a Deus, mas despreza o seu irmão:
ü
“Se alguém diz: ‘Eu amo a Deus’ e, no entanto, odeia o
seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem não ama a seu irmão a quem vê não
poderá amar a Deus, a quem não vê. E este é justamente o mandamento que dele
recebemos: quem ama a Deus, ame também o seu irmão.” (1Jo 4,20-21).
ü
“Aquele que diz que está na luz, mas odeia o
seu irmão, está nas trevas até agora. O que ama o seu irmão permanece na luz, e
nele não há ocasião de queda. Mas o que odeia o seu irmão está nas trevas;
caminha nas trevas, e não sabe onde vai, porque as trevas cegaram seus olhos.”
(1Jo 2,9-11).
ü
“Se alguém, possuindo os bens deste mundo, ver o seu
irmão na necessidade e lhe fecha o coração, como permanecerá nele o amor de
Deus? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em
verdade.” (1Jo 3,17-18), ratificando aquilo que Jesus
havia dito: “Este é o meu mandamento: amem-se
uns aos outros como eu amei vocês. Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a vida por seus amigos. Vocês são meus amigos se praticarem o que
lhes mando.” (Jo 15,12-14).
A vida em abundância depende de como é colocado em
prática o mandamento do amor:
ü
“Eu dou a
vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês,
vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns pelos outros,
todos reconhecerão que vocês são meus discípulos.” (Jo 13,34-35).
É o amor que nos une e nos faz filhos de Deus e
herdeiros da vida que não se acaba mais.
E é dentro dos preceitos do novo mandamento do amor
que o Rei do Universo virá um dia “na sua glória, acompanhado de todos os
anjos, então se assentará no seu trono glorioso” e então:
ü
“Todos os
povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim
como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” (Mt 25,31-32).
E julgará a todos, usando como medida o amor que
tivemos uns pelos outros, o cuidado, a dedicação, o respeito que tivemos uns
pelos outros.
Repito, nessa oportunidade o Rei não vai nos perguntar
se jejuamos muito, se vivemos na penitência, se passamos muitas horas em
oração, ou quantas missas participamos, quantos terços rezamos, quantos grupos
de orações estivemos presentes, mas vai nos perguntar e nos julgar unicamente
pelo amor que dispensamos ao próximo seguindo o seu grande mandamento do amor.
Mas, então, surge a pergunta: atendendo as
necessidades do irmão carente estamos dispensados da participação da missa?
Absolutamente, não!
A Santa Missa é a congregação dos filhos e filhas do
Pai nosso que está no céu. É a comunhão dos irmãos que, pelo menos uma vez por
semana reúnem-se na casa do Pai para se alimentar da Palavra e do Pão da vida e
vivo descido do céu, conforme disse Jesus:
ü
“Eu sou o pão
da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.
[...] Eu sou o pão vivo que desceu
do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a
minha carne, que eu darei pela vida do mundo.” (Jo 6,36.51).
A participação da Santa Missa é a oportunidade que
todos temos de agradecer ao Senhor nosso Deus pelas graças e forças que ele nos
concede para, a exemplo de Teresa de Calcutá e dos grandes santos, amenizar o
sofrimento e necessidades dos nossos irmãos e pedir ao Pai forças para darmos
continuidade a esse mandamento do amor.
A Santa Missa não é somente o cumprimento de um
preceito. Se assim fosse, o nosso rito e orações seriam vazios, como eram as
dos fariseus do tempo de Jesus, que mereceram do Mestre esta reprimenda
condenatória:
ü “Ai
de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas. Vocês são como sepulcros
caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheio de ossos de
mortos e podridão. Assim também vocês: por fora parecem justos diante dos
outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça.” (Mt 23,27-28).
A Santa Missa não é o
fim, mas o início da nossa missão de levar a sério o mandamento do Rei: o do
amor.
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