XXV DOMINGO COMUM
Ano – B; Cor – Verde; Leituras: Sb
2,12.17-20; Sl 53; Tg 3,16 – 4,3; Mc 9,30-37.
"SE ALGUÉM QUER SER O PRIMEIRO DEVE SER O ÚLTIMO,
AQUELE QUE SERVE A TODOS" - Mc 9,30-37
Diácono Milton Restivo
A primeira leitura da liturgia de hoje é do livro da
Sabedoria. O que é lido nos mostra, de
modo transparente, o desacerto que existe entre a justiça e a injustiça, entre
o justo-fiel a Deus e o injusto-ateu que sente-se incomodado diante de quem
pratica a justiça:
·
“Vamos armar ciladas para o justo, porque ele nos
incomoda e se opõe às nossas ações”. (Sb 2,12).
Toda a perseguição
promovida pelo injusto contra o justo é porque o justo, na sua retidão, caráter
e santidade, incomoda o injusto no seu pecado que não quer ver a contradição de
suas ações serem tornadas públicas, não quer ver ninguém se opondo ao seu
caminho de devassidão e, por isso, o injusto afirma:
·
“Se o justo é filho de Deus, Deus cuidará dele e o
livrará das mãos dos seus adversários. Vamos prová-lo com insultos e torturas,
para verificar a sua serenidade e examinar a sua resistência. Vamos condená-lo
a sofrer morte vergonhosa, porque ele mesmo diz que não lhe faltará socorro”. (Sb 2,18-20).
Viver de acordo com a
vontade de Deus no meio de uma sociedade injusta, atéia e violenta, é estar
sujeito a insultos, ciladas, torturas e até mesmo à morte planejada.
Não foi isso que aconteceu
com a irmã Dóroti e tantos outros?
O injusto quer submeter o
justo a todo o tipo de prova, quer examinar sua resistência, quer desafiar o
socorro de Deus. O justo, por excelência, experimentou tudo isso em sua
caminhada de cruz. Não foi assim com Jesus?
A segunda leitura é continuação do livro de Tiago que
estamos lendo já há alguns domingos, e fala exatamente da falsa sabedoria que gera conflitos de toda a
sorte:
·
“De fato, onde há ciúme e espírito de rivalidade,
existe também desordem e todo tipo de ações más”. (Tg 3,16).
O trecho desta liturgia
revela conflitos profundos na comunidade que deveria ser santa. Há ciúmes,
espírito de rivalidade, discriminações, hipocrisia.
Há competições, cobiças,
invejas. Há lutas, guerras e até mesmo mortes.
Tiago diz que tudo isso vem
exatamente da ganância e dos prazeres que guerreiam entre cristãos:
·
“De onde surgem os conflitos e competições que existem
entre vocês? Não vem exatamente dos prazeres que guerreiam nos seus membros?”. (Tg 4,1).
Por não conseguirem
satisfazer estes prazeres partem para a violência, a guerra e até a morte:
·
“Vocês cobiçam, e não possuem; então matam. Vocês têm
inveja, e não conseguem nada; então lutam e fazem guerra.” (Tg 4,2).
Estes prazeres perturbam em
tudo as orações dos fiéis, até mesmo daqueles que conseguem rezar e pedir, pois
acabam pedindo mal com intenção de gastar em prazeres:
·
“Vocês não recebem porque não pedem; e vocês pedem,
mas não recebem, porque pedem mal, com intenção de gastarem em seus prazeres”. (Tg 4,2b-3).
A comunidade precisa buscar
a sabedoria que vem do alto, que vem de Deus.
Essa sabedoria é pura,
pacífica, humilde, compreensiva, cheia de misericórdia e bons frutos.
Essa sabedoria é sem
discriminação e sem hipocrisia. Essa sabedoria é a verdadeira sabedoria cristã
geradora de justiça, fraternidade e paz.
Em Marcos 8,27ss, que vimos no domingo passado, Jesus pergunta
aos seus discípulos o que acham que ele seja. Na continuação da leitura deste
mesmo evangelho, Jesus vai se revelando.
Na leitura de hoje Jesus começa a afastar-se da
multidão e a preocupar-se mais com o ensinamento particular aos seus
discípulos, aqueles que o seguem diuturnamente:
·
“Partindo daí
Jesus e seus discípulos atravessaram a Galiléia. Jesus não queria que ninguém
soubesse onde ele estava, porque estava ensinando os seus discípulos”. (Mc 9,30-31).
Jesus tinha a preocupação de ensinar os seus
discípulos.
A maioria do seu tempo Jesus dedicava à formação
dos discípulos; explicava as parábolas, respondia às questões, dava bronca às
vezes, tudo para ensinar.
Marcos diz:
·
“Jesus anunciava a
Palavra usando muitas outras parábolas como esta, conforme eles podiam
compreender. Para a multidão Jesus só falava com parábolas, mas, quando estava
sozinho com os discípulos, ele explicava tudo”. (Mc 4,33-34).
Jesus já havia feito o
primeiro anúncio da sua paixão:
·
“O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado
pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e
ressuscitar depois de três dias”. (Mc 8,31).
Na liturgia de hoje Jesus
proclama o segundo anúncio de sua paixão:
·
“O Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos
homens, e eles o matarão. Mas, quando estiver morto, depois de três dias ele
ressuscitará”. (Mc 9,31).
Nesses dois primeiros
anúncios Jesus diz que “deve sofrer muito” e “vai ser entregue”.
Todo esse conjunto deve ser
interpretado como designo de Deus, para que se concretizasse o plano de amor do
Pai, realizado pelo Filho, considerando que a salvação dos homens iria
acontecer através da cruz.
Mas Jesus deixa claro que o
Pai não vai simplesmente entregá-lo à morte: no terceiro dia ele ressuscitará,
e isso ele afirma nos dois anúncios de sua paixão.
O caminho da cruz amedronta
quem quer que seja e para os discípulos de Jesus não foi diferente:
·
“Mas os discípulos não compreendiam o que Jesus estava
dizendo, e tinham medo de fazer perguntas”. (Mc 9,32).
Quem não entende e não faz
perguntas é porque tem medo de se comprometer; é melhor ficar na ignorância dos
fatos do que perguntar e se ver envolvido nos acontecimentos. Seria melhor
ignorar a afirmativa de Jesus.
Mas, durante a caminhada
para a cidade de Cafarnaum, os discípulos discutiam alguma coisa, mas nada do
que Jesus havia dito:
·
“Quando chegaram à cidade de Cafarnaum e estavam em
casa, Jesus perguntou aos discípulos: ‘Sobre o que vocês estavam discutindo no
caminho?”.
(Mc 9,33).
Claro que Jesus sabia o que
eles conversavam e discutiam, mas queria ouvir das bocas deles próprios. Com
certeza, não estavam discutindo sobre o que Jesus falara, porque, quem gosta de
falar de morte e sofrimento? O Mestre deveria estar equivocado.
O Evangelista deixa claro
que quando chegaram à cidade de Cafarnaum eles “estavam em casa”; haviam chegado e entrado
em casa, e isso deixa claro que a casa é o lugar do ensinamento particular, da
privacidade com as pessoas mais próximas.
Os discípulos não
responderam a pergunta que Jesus fizera, porque o que eles estavam discutindo
estava fora do contexto dos ensinamentos de Jesus, mas, claro, repito, Jesus
sabia sobre o que eles conversavam:
·
“Os discípulos ficaram calados, pois no caminho tinham
discutido sobre qual deles era o maior”. (Mc 9,34).
Os discípulos ainda não
haviam entendido nada do que Jesus lhes passava. Pensavam simplesmente numa
organização de classe, onde deveriam existir superiores e subordinados, maiores
e menores, opressores e oprimidos, primeiros e últimos.
Jesus jamais perdeu uma
oportunidade de transmitir os seus ensinamentos, e nos ensinamentos a verdade
que emanava do Pai. O Evangelista diz que “Jesus se sentou”.
O sentar-se diante dos seus
discípulos é atitude de quem tem autoridade, vai ensinar, vai transmitir um
novo conhecimento:
·
“Então Jesus se sentou, chamou os Doze e disse: ‘Se
alguém quer ser o primeiro, deverá ser o último, e ser aquele que serve a
todos”. (Mc
9,35).
Jesus não fala
simplesmente; ele dá o exemplo. Não é
isso que nos narra João, no seu Evangelho, na última ceia de Jesus com os seus
discípulos na cena do lava-pés?
·
“Então Jesus se levantou da mesa, tirou o manto, pegou
uma toalha e amarrou-a na cintura. Colocou água na bacia e começou a lavar os
pés dos discípulos, enxugando com a toalha que tinha na cintura”. (Jo 13,4-5).
Para nós hoje, isso pode
parecer uma atitude solene que beira ao romantismo e à poesia, mas, na época de
Jesus, para o povo judeu, somente lavava os pés dos convivas quem fossem
escravos; lavar os pés era tarefa de escravo.
Jesus se despiu do seu
manto, ou seja, uma atitude de humildade sem abrir mão de sua dignidade humana,
cingiu-se com uma toalha, apanhou uma bacia com água e ajoelhou-se na frente de
cada discípulo para lhe lavar o pé, rebaixando-se ao nível do escravo, do menor
de todos, porque aquilo era a obrigação do escravo.
Jesus complementa a sua
atitude diante da recusa de Pedro de não permitir que Jesus lhe lavasse os pés:
·
“Você não sabe o que estou fazendo. Ficará sabendo mais tarde”. (Jo 13,7).
Mais adiante Jesus
complementa:
·
“Vocês compreenderam o que acabei de fazer? Vocês
dizem que eu sou o Mestre e o Senhor. E vocês têm razão: eu sou mesmo. Pois
bem: eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem
lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma
coisa que eu fiz. Eu garanto a vocês: o servo não é maior que o seu senhor, nem
o mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Se vocês compreenderam isso,
serão felizes se o puserem em prática”. (Jo 13,12-17).
Eis a essência da vida
cristã: servir a todos.
A grandeza e a dignidade do
cristão estão no serviço.
A casa em que Jesus e seus
discípulos estavam em Cafarnaum, nessa oportunidade, com certeza era a casa de
uma família constituída, porque havia crianças; Jesus se aproveitou da presença
de uma criança para complementar e ilustrar o seu ensinamento de quem é maior:
·
“Depois Jesus pegou uma criança e colocou-a no meio
deles. Abraçou a criança e disse: ‘Quem receber em meu nome uma destas
crianças, estará recebendo a mim”. (Mc 9,36-37a).
Jesus estava no centro do
grupo, e Jesus coloca a criança no meio deles, isto é, coloca a criança no seu próprio
lugar, e diz:
·
“Quem receber em meu nome uma destas crianças, estará
recebendo a mim”. (Mc 9,37a).
Diante da recusa dos seus discípulos em entender o seu
ensinamento, Jesus, o Servo de Yahweh, pega uma criança como símbolo de quem
deve seguí-lo. Não porque criança é sempre santa nem inocente! Mas porque é sem
poder, é dependente dos adultos em tudo.
No tempo de Jesus criança era sem direitos, e seu
lugar era entre os últimos da sociedade.
Os discípulos são convidados a despojar-se do poder
para serem servos, da mesma maneira do que o Mestre, ele que
·
“não se apegou
à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a
condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se
como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte,
e morte da cruz”. (Fl 2,6-8).
Porque Jesus lançou mão de
uma criança para ilustrar o seu ensinamento? É porque, em primeiro lugar, como
já dissemos, a criança no tempo de Jesus era marginalizada e indicava uma
pessoa necessitada e dependente e, em segundo, por causa de sua inocência e
simplicidade.
A criança tem confiança
total no pai e na mãe; o que os pais mandam, elas não questionam, porque sabem
que dos pais só podem vir coisas que lhe beneficiam e nunca que lhe colocam em
risco, e por isso Jesus diz em Mateus:
·
“Eu lhes garanto: se vocês não se converterem, e não
se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu. Quem se abaixa
e se torna como esta criança, esse é o maior no Reino do Céu. E quem recebe em meu
nome uma criança como esta, é a mim que recebe”. (Mt 18,2-5).
Em outra ocasião, quando
tentaram impedir as crianças de se aproximarem de Jesus, Jesus
·
“ficou zangado, e disse: ‘Deixem as crianças vir a
mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. Eu garanto a
vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele’.
Então Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre elas”. (Mc 10,14-16).
Jesus identifica-se com os
pequeninos:
·
“Quem recebe a vocês, recebe a mim; e quem me recebe,
recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá
a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a
recompensa de justo. Quem der ainda que seja um copo de água fria a um desses
pequeninos, por ser meu discípulo, eu garanto a vocês: não perderá a sua
recompensa”.
(Mt 10,40-42).
Receber uma criança
significa, portanto, servir aos mais necessitados e marginalizados.
A criança é assim o modelo
do servidor com a sua gratuidade e aquele a quem devemos servir, por causa da
sua carência.
Receber, respeitar,
acolher, ajudar, socorrer um menor neste mundo é a Jesus que estamos fazendo
tudo isso, porque ele mesmo disse:
·
“Eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu
estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua
casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim;
eu estava na prisão, e vocês foram me visitar’. Então os justos lhe
perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com
sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos estrangeiro e te recebemos em
casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi te vimos doente ou preso, e fomos
te visitar?’ Então o Rei lhes responderá: ‘Eu garanto a vocês: todas as vezes
que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o
fizeram”.
(Mt 25,35-40).
E Jesus dirá a esses que
viram nos menores o próprio Jesus:
·
“Venham vocês, que são abençoados por meu Pai. Recebam
como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo”. (Mt 25,34).
A fé significa
reconhecimento e compromisso com a pessoa concreta de Jesus retratada no irmão
necessitado, porque Jesus está identificado com os pobres e oprimidos, e
marginalizados por uma sociedade baseada na riqueza e no poder. Esta é a
condição para participar da vida do Reino.
A nossa força vem da Cruz de Jesus, a fraqueza do Deus
·
“que escolheu
o que o mundo despreza, acha vil e sem valor, para destruir o que o mundo pensa
que é importante”. (1Cor 1, 28).
Os apóstolos, depois que receberam o Espírito Santo
que Jesus lhes havia prometido, de pequeninos que eram, tornaram-se verdadeiras
celebridades para as coisas de Deus.
Todos simples, sem estudos nem preparo, foram chamados
por Jesus e capacitados para o trabalho de divulgar a Igreja de Jesus e
atravessaram o mundo inteiro e são e serão, até o fim dos tempos, as verdadeiras
celebridades, simples, sem arrogância e nunca esquecida, confiantes e amparados
na promessa do Mestre:
·
“Eu garanto a
vocês: quem der para vocês um copo de água porque vocês são de Cristo, não
ficará sem receber a sua recompensa”.
(Mc 9,41).
O Filho do Homem vai ser entregue...
·
“Se alguém quiser ser o primeiro que seja o último de todos.”
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