SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO – ANO “C”.
Cor roxa – Leituras: Br 5,1-9; Sl 125; Fl
1,4-6.8-11; Lc 3,1-16
“ESTA É A VOZ DAQUELE QUE GRITA NO
DESERTO...” (Lc 3,4).
Diácono Milton Restivo
João Batista é
um personagem presente no tempo litúrgico do Advento.
A palavra de
Deus foi dirigida no deserto a ele, João, filho do sacerdote Zacarias:
·
“Foi nesse
tempo que Deus enviou a sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto.” (Lc
3,2).
O Evangelho deste dia, bem como o do próximo domingo,
apresenta-nos a figura impar de João Batista.
Em todo o
tempo do Advento está implícita a presença de João Batista que, juntamente com
o ladrão, crucificado à direita de Jesus no Calvário, é o único que foi santificado
pelo próprio Jesus: o ladrão na cruz e João ainda no ventre de sua mãe.
Assim nos
narra Lucas no seu Evangelho:
·
“Quando
Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel
ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: ‘Você é bendita
entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre. Como posso merecer que a
mãe do meu Senhor venha me visitar? Logo que a sua saudação chegou aos meus
ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. Bem aventurada aquela que
acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.” (Lc 1,41-45).
Também é com
Maria, a mãe de Jesus, o único santo que é celebrado no calendário litúrgico
não só pelo seu martírio, decapitado que foi por Herodes (cf Mt 14,3-12), cuja
festa é celebrada no dia 29 de Agosto, mas também pelo seu nascimento, 24 de
Junho.
Entre todos os
santos e santas, João Batista é o único do qual a Liturgia celebra o nascimento
e a morte; dos demais celebra apenas o dia da morte.
Assim como
Jesus, João teve o seu nascimento anunciado pelo Anjo Gabriel. Ambos vieram à luz
graças a uma intervenção especial de Deus: o primeiro nasce de uma
Virgem, o segundo de uma mulher idosa e estéril. Desde o seio materno João
prenuncia Aquele que revelará ao mundo a iniciativa de amor de Deus.
Pelas
circunstâncias do seu nascimento João Batista poderia dizer como o salmista:
·
"Chamaste-me
quando eu ainda estava no seio da minha mãe" (Sl 139,13-16).
Após o
nascimento de João Batista o evangelho de Lucas narra o canto de Zacarias,
louvando a Deus pelo nascimento de seu filho:
·
“Bendito
seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu povo.” E
mais adiante o mesmo Zacarias proclama: “E
tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo porque irás adiante da face do
Senhor a preparar os seus caminhos.” (Lc 1,68.76).
O Evangelista
Lucas é o único a nos transmitir como foi anunciado o nascimento de João
Batista (Lc 1,5-25), quem eram seus pais (Lc 1,5) e os acontecimentos que
precederam o seu nascimento (Lc 1,26-80).
Nos quatro evangelhos
várias passagens ressaltam a pessoa e a missão do Batista.
O evangelista
João afirma que
·
“houve um
homem enviado por Deus que se chamava João. Este veio para dar testemunho da
luz, para que todos cressem por meio dele”. (Jo 1,6).
Em outra
passagem o mesmo evangelista João narra que, interrogado pelos judeus se ele
era o Messias esperado, João Batista testemunhou:
·
“Eu não
sou o Cristo. Eu batizo em água, mas no meio de vocês está quem vocês não
conhecem. Este é o que há de vir depois de mim, ao qual eu não sou digno de
desatar a correia das sandálias.” (Jo 1, 20. 26-27)
O Evangelista Marcos
inicia seu evangelho apresentando João Batista que
·
“pregava o
batismo de penitência para remissão dos pecados.” (Mc 1,4).
O evangelho de
Mateus conta que João Batista começou a pregar no deserto da Judéia, dizendo:
·
“Arrependem-se,
porque está próximo o reino dos céus. Porque este é aquele de quem falou o
profeta Isaías quando disse: Voz do que clama no deserto. Preparai o caminho do
Senhor, endireitai as suas veredas.” (Mt 3,2-3).
O próprio
Jesus dá seu testemunho sobre a missão de João quando deseja ser por ele
batizado:
·
“Jesus foi
da Galiléia para o rio Jordão a fim de se encontrar com João, e ser batizado
por ele. Mas João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado
por ti, e tu vens a mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘por enquanto deixe
como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou”. (Mt
3,13-15).
Atentem para
esta afirmativa de Jesus: “Porque devemos
cumprir toda a justiça”. Jesus faz a afirmativa no plural: “devemos cumprir toda a justiça”. Isto
quer dizer que esta também era a missão de João Batista: cumprir e fazer
cumprir toda a justiça. Era a missão tanto de Jesus como de João Batista, como
de todos os cristãos.
Em outra
ocasião Jesus novamente destaca a missão de seu precursor, afirmando que ele é
mais que um profeta, pois foi enviado para preparar o caminho do Messias. E
complementa:
·
“Na
verdade eu digo a vocês que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo
outro maior que João Batista.” (Mt 11,11).
João Batista,
homem de coragem, enfrentou as autoridades e os poderosos, denunciando seus
erros e injustiças. Enfrentou o próprio rei Herodes (Lc 3,19-20), censurando-o
por ter tomado como mulher a esposa de seu irmão: “Não te é lícito”, exclamava com firmeza e coragem, o que lhe
custaria a prisão e a morte.
Deus manda
João, o Batista, como arauto do novo tempo de graça e salvação. Deus não
permite que a perversidade e a maldade tenham a palavra final na história da
humanidade.
Isso posto,
chegamos à conclusão de que João Batista era filho de sacerdote da tribo de
Levi e descendente de Aarão, linhagem escolhida por Yahweh para exercer o
sacerdócio em Israel.
Se João, o
Batista, era filho de sacerdote, por hereditariedade ele era também sacerdote e
deveria exercer o sacerdócio no Templo e no meio de seu povo.
Como sacerdote
que era de fato, por lei e por direito, João deveria, como seu pai, estar
servindo no Templo, mas vamos encontrá-lo no deserto onde
·
“percorria
toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos
pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz
daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas
estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as
estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E
todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6).
João deveria
estar usufruindo das mordomias e confortos do Templo e respeito do povo, mas,
ao contrário, encontramo-lo vivendo as agruras do deserto, fazendo alguma coisa
que não competia ao sacerdote, a não ser que esse sacerdote fosse também
profeta.
Como
sacerdote, além de estar servindo no Templo e não vivendo no deserto, João
deveria estar usando roupas finíssimas, caras e enfeitadas dos sacerdotes
conforme o previsto em Ex 28,2:
·
“Mande
fazer para seu irmão Aarão vestes sagradas, bem ricas e enfeitadas”, quando,
na verdade, “João usava roupa feita de
pelo de camelo, e cinto de couro na cintura”. (Mt 3,4).
Como sacerdote
e se estivesse no Templo, João tinha o direito de comer das iguarias que fazia
parte das ofertas que o povo fazia para serem oferecidas a Yahweh, mas “comia gafanhotos e mel silvestre”.
João Batista
deveria, como sacerdote, alimentar-se da comida sacerdotal, da flor de farinha
e da carne mais tenra e nobre dos novilhos ofertados a Yahweh pelo seu povo,
quando, na realidade, João “comia
gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3,4), comida típica de quem rejeitara todo
conforto e mordomia do Templo e da cidade para viver uma vida de severa
penitência; este era o alimento dos penitentes do deserto, pois era a dieta dos
ascetas ou anacoretas do deserto.
Através de
João Batista Deus dava início a uma nova chamada de atenção porque o sistema
religioso de Jerusalém já havia se corrompido há muito tempo e o início da
consumação dos tempos havia chegado.
Através de
João Batista Deus rompe com a Lei mal interpretada pelos dirigentes políticos e
religiosos do povo judeu, e estava se iniciando algo totalmente novo.
João conclama o
povo à conversão. Israel havia se afastado de Yahweh, havia deixado de obedecer
as Leis do Senhor e a corrupção era patente e generalizada.
É nessa
situação que João Batista surge pregando a penitência e o arrependimento. É o início da Nova Aliança que Deus vai fazer
com o seu povo, mas, para isso, o sacrifício deveria ser a imolação do
·
“Cordeiro
de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. (Jo 1,29).
João Batista
dá início ao plano de salvação de Deus preparando a Nova Aliança, pregando com
determinação e insistência, em primeiro lugar, a conversão e o
arrependimento.
Para a nova
realidade que surgia, era indispensável a reformulação de vida, um
arrependimento sincero, um novo modo de pensar, um novo modo de viver, e João
exortava: “Convertam-se, porque o Reino
do Deu está próximo”. (Mt 3,2).
Isso seria repetido
e seguido por Jesus quando do início de sua vida publica e da sua pregação:
·
“Daí em diante Jesus começou
a pregar, dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo’”. (Mt
4,17).
João Batista
é, antes de tudo, modelo de fé. Seguindo o exemplo do grande profeta Elias,
para ouvir melhor a Palavra do único Senhor da sua vida, João deixa tudo e
retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite para aplanar os
caminhos do Senhor (cf. Mt 3,3ss).
João Batista é
modelo de humildade, porque responde a todos os que vão até ele não só julgando
que ele fosse um profeta, mas até acreditando que ele seria o Messias:
·
“O povo
estava esperando o Messias. E todos perguntavam a si mesmos se João não seria o
Messias”. (Lc 3,15).
Dentro de sua
humildade e honestidade, João diz:
·
“Eu não
sou o Messias” (Jo 1,20).
O Apostolo
Paulo, mais tarde na sua pregação, lembra-se também de João:
·
“Estando
para terminar a sua missão, João declarou: ‘Não sou aquele que vocês pensam que
eu seja! Vejam: depois de mim é que vem aquele do qual eu não mereço nem sequer
desamarrar as sandálias!” (At 13,25).
João Batista é
modelo de coerência e de coragem quando defende a verdade, pela qual está
disposto a pagar pessoalmente, com sua prisão e morte.
João, como
disse seu pai Zacarias (Lc 1,76), é o “profeta
do Altíssimo” e seu modo de viver lembra Elias, o profeta que vivia no
deserto, impelido pelo Espírito.
Aliás, no
evangelho de Lucas, o anjo anuncia que João andará no espírito de Elias, o
príncipe dos profetas e o mais típico “homem de Deus” do Antigo Testamento:
·
“Ele
reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente
deles, com o espírito e o poder de Elias. A fim de converter os corações dos
pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor
um povo bem disposto”. (Lc 1,16-17).
É muito
significativo o elogio que Jesus faz a João Batista após ter respondido à
pergunta que o próprio João mandara seus discípulos fazer a Jesus:
·
“O que vocês
foram ver, então? Um profeta? Sim, eu digo a vocês, e mais do que um profeta [...]. Em verdade eu digo a vocês que, entre os
nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no
entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele. Desde os dias de João
Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos se apoderam
dele. Porque todos os profetas bem como a Lei profetizaram, até João. E, se vocês
quiserem dar crédito, ele é o Elias que deve vir. Que tem ouvidos, ouça!”
(Mt 11, 9-15).
·
“João percorria
toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos
pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz
daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas
estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as
estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E
todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6).
Sem dúvida,
podemos entender este trecho num sentido metafórico, como descrição duma
mudança radical no estilo de vida de quem quer aceitar o convite à penitência e
ao arrependimento.
Os vales a
serem aterrados, as montanhas e colinas a serem aplainadas, os caminhos
esburacados a serem nivelados, simbolizam os empecilhos em nossas vidas a um
seguimento mais radical e coerente de Jesus.
Quem aceita a
sua mensagem terá que mudar radicalmente, isso é: na raiz, a sua vida.
Advento,
embora não seja tempo de penitência no sentido que a Quaresma se propõe, torna-se
tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são as curvas,
montanhas, e pedras que são empecilhos na nossa caminhada para a justiça e a
verdade e que teremos de tirar para que o Senhor realmente possa habitar nos nossos
corações. João Batista é realmente especial.
Vida de
contradição. Filho de um casal de velhos que, humanamente, passaram da época de
gerar filhos; nem seu pai quis acreditar que era possível ser pai e ficou mudo
para aprender que
·
“para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
Pregador no
deserto vestia pele de camelo e comia gafanhotos e mel silvestre. Batizador às
margens do Rio Jordão, mandava preparar os "caminhos
do Senhor".
Assustava os
fariseus, chamando-os de "raças de
víboras".
Ameaçava o
rei. Resultado: teve a cabeça cortada e servida em uma bandeja a Herodes, o rei
(Mt 14,1-12). Chegamos à conclusão que João Batista foi um homem sem papas na
língua e que deveria servir de exemplo de coerência, coragem e justiça para os
cristãos de todos os tempos, principalmente dos nossos dias.
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