domingo, 9 de dezembro de 2018

“ESTA É A VOZ DAQUELE QUE GRITA NO DESERTO...” (Lc 3,4).

SEGUNDO DOMINGO DO ADVENTO – ANO “C”.
Cor roxa – Leituras: Br 5,1-9; Sl 125; Fl 1,4-6.8-11; Lc 3,1-16

“ESTA É A VOZ DAQUELE QUE GRITA NO DESERTO...” (Lc 3,4).

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Diácono Milton Restivo

João Batista é um personagem presente no tempo litúrgico do Advento.
A palavra de Deus foi dirigida no deserto a ele, João, filho do sacerdote Zacarias:
·         “Foi nesse tempo que Deus enviou a sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto.” (Lc 3,2).
 O Evangelho deste dia, bem como o do próximo domingo, apresenta-nos a figura impar de João Batista.
Em todo o tempo do Advento está implícita a presença de João Batista que, juntamente com o ladrão, crucificado à direita de Jesus no Calvário, é o único que foi santificado pelo próprio Jesus: o ladrão na cruz e João ainda no ventre de sua mãe.

Assim nos narra Lucas no seu Evangelho:
·         “Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança se agitou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito exclamou: ‘Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre. Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? Logo que a sua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança saltou de alegria no meu ventre. Bem aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu.” (Lc 1,41-45).
Também é com Maria, a mãe de Jesus, o único santo que é celebrado no calendário litúrgico não só pelo seu martírio, decapitado que foi por Herodes (cf Mt 14,3-12), cuja festa é celebrada no dia 29 de Agosto, mas também pelo seu nascimento, 24 de Junho.
Entre todos os santos e santas, João Batista é o único do qual a Liturgia celebra o nascimento e a morte; dos demais celebra apenas o dia da morte.
Assim como Jesus, João teve o seu nascimento anunciado pelo Anjo Gabriel. Ambos vieram à luz graças a uma intervenção especial de Deus:  o primeiro nasce de uma Virgem, o segundo de uma mulher idosa e estéril. Desde o seio materno João prenuncia Aquele que revelará ao mundo a iniciativa de amor de Deus.
Pelas circunstâncias do seu nascimento João Batista poderia dizer como o salmista:
·         "Chamaste-me quando eu ainda estava no seio da minha mãe" (Sl 139,13-16).
Após o nascimento de João Batista o evangelho de Lucas narra o canto de Zacarias, louvando a Deus pelo nascimento de seu filho:
·         “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu povo.” E mais adiante o mesmo Zacarias proclama: “E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo porque irás adiante da face do Senhor a preparar os seus caminhos.” (Lc 1,68.76).
O Evangelista Lucas é o único a nos transmitir como foi anunciado o nascimento de João Batista (Lc 1,5-25), quem eram seus pais (Lc 1,5) e os acontecimentos que precederam o seu nascimento (Lc 1,26-80). 
Nos quatro evangelhos várias passagens ressaltam a pessoa e a missão do Batista.
O evangelista João afirma que
·         “houve um homem enviado por Deus que se chamava João. Este veio para dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele”. (Jo 1,6).
Em outra passagem o mesmo evangelista João narra que, interrogado pelos judeus se ele era o Messias esperado, João Batista testemunhou:
·         “Eu não sou o Cristo. Eu batizo em água, mas no meio de vocês está quem vocês não conhecem. Este é o que há de vir depois de mim, ao qual eu não sou digno de desatar a correia das sandálias.” (Jo 1, 20. 26-27)
O Evangelista Marcos inicia seu evangelho apresentando João Batista que
·         “pregava o batismo de penitência para remissão dos pecados.” (Mc 1,4).
O evangelho de Mateus conta que João Batista começou a pregar no deserto da Judéia, dizendo:
·         “Arrependem-se, porque está próximo o reino dos céus. Porque este é aquele de quem falou o profeta Isaías quando disse: Voz do que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.” (Mt 3,2-3).
O próprio Jesus dá seu testemunho sobre a missão de João quando deseja ser por ele batizado:
·         “Jesus foi da Galiléia para o rio Jordão a fim de se encontrar com João, e ser batizado por ele. Mas João procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘por enquanto deixe como está! Porque devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou”. (Mt 3,13-15).
Atentem para esta afirmativa de Jesus: “Porque devemos cumprir toda a justiça”. Jesus faz a afirmativa no plural: “devemos cumprir toda a justiça”. Isto quer dizer que esta também era a missão de João Batista: cumprir e fazer cumprir toda a justiça. Era a missão tanto de Jesus como de João Batista, como de todos os cristãos.
Em outra ocasião Jesus novamente destaca a missão de seu precursor, afirmando que ele é mais que um profeta, pois foi enviado para preparar o caminho do Messias. E complementa:
·         “Na verdade eu digo a vocês que entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro maior que João Batista.” (Mt 11,11).
João Batista, homem de coragem, enfrentou as autoridades e os poderosos, denunciando seus erros e injustiças. Enfrentou o próprio rei Herodes (Lc 3,19-20), censurando-o por ter tomado como mulher a esposa de seu irmão: “Não te é lícito”, exclamava com firmeza e coragem, o que lhe custaria a prisão e a morte.
Deus manda João, o Batista, como arauto do novo tempo de graça e salvação. Deus não permite que a perversidade e a maldade tenham a palavra final na história da humanidade.
Isso posto, chegamos à conclusão de que João Batista era filho de sacerdote da tribo de Levi e descendente de Aarão, linhagem escolhida por Yahweh para exercer o sacerdócio em Israel.
Se João, o Batista, era filho de sacerdote, por hereditariedade ele era também sacerdote e deveria exercer o sacerdócio no Templo e no meio de seu povo.
Como sacerdote que era de fato, por lei e por direito, João deveria, como seu pai, estar servindo no Templo, mas vamos encontrá-lo no deserto onde
·         “percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6).
João deveria estar usufruindo das mordomias e confortos do Templo e respeito do povo, mas, ao contrário, encontramo-lo vivendo as agruras do deserto, fazendo alguma coisa que não competia ao sacerdote, a não ser que esse sacerdote fosse também profeta.
Como sacerdote, além de estar servindo no Templo e não vivendo no deserto, João deveria estar usando roupas finíssimas, caras e enfeitadas dos sacerdotes conforme o previsto em Ex 28,2:
·         “Mande fazer para seu irmão Aarão vestes sagradas, bem ricas e enfeitadas”, quando, na verdade, “João usava roupa feita de pelo de camelo, e cinto de couro na cintura”. (Mt 3,4).
Como sacerdote e se estivesse no Templo, João tinha o direito de comer das iguarias que fazia parte das ofertas que o povo fazia para serem oferecidas a Yahweh, mas “comia gafanhotos e mel silvestre”.
João Batista deveria, como sacerdote, alimentar-se da comida sacerdotal, da flor de farinha e da carne mais tenra e nobre dos novilhos ofertados a Yahweh pelo seu povo, quando, na realidade, João “comia gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3,4), comida típica de quem rejeitara todo conforto e mordomia do Templo e da cidade para viver uma vida de severa penitência; este era o alimento dos penitentes do deserto, pois era a dieta dos ascetas ou anacoretas do deserto.
Através de João Batista Deus dava início a uma nova chamada de atenção porque o sistema religioso de Jerusalém já havia se corrompido há muito tempo e o início da consumação dos tempos havia chegado.
Através de João Batista Deus rompe com a Lei mal interpretada pelos dirigentes políticos e religiosos do povo judeu, e estava se iniciando algo totalmente novo.
João conclama o povo à conversão. Israel havia se afastado de Yahweh, havia deixado de obedecer as Leis do Senhor e a corrupção era patente e generalizada.
É nessa situação que João Batista surge pregando a penitência e o arrependimento.  É o início da Nova Aliança que Deus vai fazer com o seu povo, mas, para isso, o sacrifício deveria ser a imolação do
·         “Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”. (Jo 1,29).
João Batista dá início ao plano de salvação de Deus preparando a Nova Aliança, pregando com determinação e insistência, em primeiro lugar, a conversão e o arrependimento. 
Para a nova realidade que surgia, era indispensável a reformulação de vida, um arrependimento sincero, um novo modo de pensar, um novo modo de viver, e João exortava: “Convertam-se, porque o Reino do Deu está próximo”. (Mt 3,2).
Isso seria repetido e seguido por Jesus quando do início de sua vida publica e da sua pregação:
·         “Daí em diante Jesus começou a pregar, dizendo: ‘Convertam-se, porque o Reino do Céu está próximo’”. (Mt 4,17).
João Batista é, antes de tudo, modelo de fé. Seguindo o exemplo do grande profeta Elias, para ouvir melhor a Palavra do único Senhor da sua vida, João deixa tudo e retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite para aplanar os caminhos do Senhor (cf. Mt 3,3ss).
João Batista é modelo de humildade, porque responde a todos os que vão até ele não só julgando que ele fosse um profeta, mas até acreditando que ele seria o Messias:
·         “O povo estava esperando o Messias. E todos perguntavam a si mesmos se João não seria o Messias”. (Lc 3,15).
Dentro de sua humildade e honestidade, João diz:
·         “Eu não sou o Messias” (Jo 1,20).
O Apostolo Paulo, mais tarde na sua pregação, lembra-se também de João:
·         “Estando para terminar a sua missão, João declarou: ‘Não sou aquele que vocês pensam que eu seja! Vejam: depois de mim é que vem aquele do qual eu não mereço nem sequer desamarrar as sandálias!”  (At 13,25).
João Batista é modelo de coerência e de coragem quando defende a verdade, pela qual está disposto a pagar pessoalmente, com sua prisão e morte.
João, como disse seu pai Zacarias (Lc 1,76), é o “profeta do Altíssimo” e seu modo de viver lembra Elias, o profeta que vivia no deserto, impelido pelo Espírito.
Aliás, no evangelho de Lucas, o anjo anuncia que João andará no espírito de Elias, o príncipe dos profetas e o mais típico “homem de Deus” do Antigo Testamento:
·         “Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias. A fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto”. (Lc 1,16-17).
É muito significativo o elogio que Jesus faz a João Batista após ter respondido à pergunta que o próprio João mandara seus discípulos fazer a Jesus:
·         “O que vocês foram ver, então? Um profeta? Sim, eu digo a vocês, e mais do que um profeta [...]. Em verdade eu digo a vocês que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele. Desde os dias de João Batista até agora, o Reino dos Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele. Porque todos os profetas bem como a Lei profetizaram, até João. E, se vocês quiserem dar crédito, ele é o Elias que deve vir. Que tem ouvidos, ouça!” (Mt 11, 9-15).
·         “João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, conforme está escrito no livro do profeta Isaias: ‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas. Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão aplainadas; as estradas curvas ficarão retas, e os caminhos esburacados serão nivelados. E todo homem verá a salvação”. (Lc 2,3-6).
Sem dúvida, podemos entender este trecho num sentido metafórico, como descrição duma mudança radical no estilo de vida de quem quer aceitar o convite à penitência e ao arrependimento.
Os vales a serem aterrados, as montanhas e colinas a serem aplainadas, os caminhos esburacados a serem nivelados, simbolizam os empecilhos em nossas vidas a um seguimento mais radical e coerente de Jesus.
Quem aceita a sua mensagem terá que mudar radicalmente, isso é: na raiz, a sua vida.
Advento, embora não seja tempo de penitência no sentido que a Quaresma se propõe, torna-se tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são as curvas, montanhas, e pedras que são empecilhos na nossa caminhada para a justiça e a verdade e que teremos de tirar para que o Senhor realmente possa habitar nos nossos corações. João Batista é realmente especial.
Vida de contradição. Filho de um casal de velhos que, humanamente, passaram da época de gerar filhos; nem seu pai quis acreditar que era possível ser pai e ficou mudo para aprender que
·         “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
Pregador no deserto vestia pele de camelo e comia gafanhotos e mel silvestre. Batizador às margens do Rio Jordão, mandava preparar os "caminhos do Senhor".
Assustava os fariseus, chamando-os de "raças de víboras".
Ameaçava o rei. Resultado: teve a cabeça cortada e servida em uma bandeja a Herodes, o rei (Mt 14,1-12). Chegamos à conclusão que João Batista foi um homem sem papas na língua e que deveria servir de exemplo de coerência, coragem e justiça para os cristãos de todos os tempos, principalmente dos nossos dias. 

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