VII DOMINGO DO
TEMPO COMUM Ano: C - Cor: verde – Leituras: 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23; Sl
102,1-48.10.12-13; 1Cor 15,45-49; Lc 6,27-38.
“AMEM
SEUS INIMIGOS” (Lc 6,27).
Diácono Milton Restivo
·
“Mas eu digo a vocês, que estão
me escutando: Amem seus inimigos, façam o bem a quem odeiam vocês, falem bem de
quem fala mal de vocês. Rezam por aqueles que o caluniam. Quando alguém lhe
bater numa face, ofereça também a outra. Se alguém tirar de você o manto, deixe
que leve também a túnica. Dê a todo aquele que lhe pedir, e se alguém pegar o
que é seu, não peça de volta. Tratem as pessoas como você gostaria que elas
tratassem você.”
(Lc 6,27-31).
Ao transmitir esse ensinamento,
Jesus estava contestando a lei do talião, ou a lei do olho por olho, dente por
dente, que está na Lei de Moisés, no livro do Êxodo, 21,23-25:
·
“Contudo, se houver dano grave,
então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé,
queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”.
Nesta passagem, Deus revelou a
Moisés algumas leis para que ele passasse para o povo. Esta lei se encaixa nas
leis a respeito da violência.
No entanto, essas coisas mudaram
com a vinda de Jesus e da Nova Aliança.
Em Mateus 5,38-39, Jesus disse:
·
"Vocês ouviram o que foi
dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, lhes digo: Não se vinguem
dos que lhes fazem mal. Se alguém lhe der um tapa na cara, vire o outro lado
para ele bater também."
Muitos anos mais tarde, Gandhi
afirmaria:
·
"Olho por olho e o mundo
acabará cego".
Com estas afirmações, Jesus e
Gandhi estavam revelando a importância do perdão e da não-violência, porque a
vingança corrói e cega o ser humano.
Talvez seja esse um dos
ensinamentos da vida diária e de relacionamento mais difíceis de ser entendido
e colocado em prática na nossa vida. É um trecho desconcertante, embaraçoso,
difícil e desafiador dos evangelhos. Jesus fala sobre o amor, a tolerância, a
generosidade, a caridade em relação às pessoas que não convivem harmoniosamente
com a gente.
As orientações de Jesus são claras:
- “amar”: “amem os seus inimigos”; - “fazer o bem”: “façam o bem a quem odeia
vocês... façam o bem e emprestem sem esperar nada em troca”; - “falar bem”:
“falem bem de quem fala mal de vocês”; - “rezar”: rezem por aqueles que o
caluniam”; - e mais: “abençoar”, “emprestar”, “perdoar”, “dar”, “ser
misericordioso”, “não julgar”, “não condenar”.
E com quem devemos praticar tudo
isso: “os inimigos”, “os que lhe odeiam”, “os que lhe amaldiçoam”, “os que lhe
difamam”, “os que lhe ferem na face”, “os que lhe tiram a capa”, “os que lhe
tomam o que é seu”, “os que lhe pedem”.
Verdade é que, amar o próximo
como a si mesmo quando o próximo é amigo, é até fácil de entender e aceitar.
Agora amar os inimigos, os que nos odeiam, nos amaldiçoam, nos difamam, nos roubam
ou tomam o que é nosso, é coisa totalmente inédita.
No Antigo Testamento, na lei de
Moisés, era permitido o olho por olho e o dente por dente (lei do talião);
descontar da mesma maneira o mal que havia sido recebido.
O padre Bantu Mendonça Katchipwi
Sayla, numa de suas meditações sobre essa parte do Evangelho, diz que o novo
ensinamento de Jesus é mais exigente.
A virtude da Justiça manda dar a
cada um o que lhe é devido. Portanto, o que Jesus pede é ir além do desejo de
revidar. Amar e fazer o bem aos que os amam, os pagãos também fazem.
Mas a quem quiser escutá-lo, Jesus
pede mais e apresenta as razões:
·
“Será grande a vossa recompensa”,
·
“serão filhos do Altíssimo” e
·
“porque ele é bom para com os
ingratos e maus”.
Veja as palavras que o anjo
Gabriel revela a Maria sobre Jesus:
·
“Ele será grande e será chamado
Filho do Altíssimo...”
(Lc 1,32).
Ou seja, a recompensa é o próprio
Jesus, ser como Ele.
Se Ele nos pede é porque é
possível, e Ele mesmo dá o exemplo;
·
“Amem-se uns aos outros como eu
amei vocês”. (Jo
13,34).
Os apóstolos não estariam errados
se invocassem a justiça e o direito diante dos judeus que prenderam e
flagelaram Jesus. Mas Jesus não permite que Pedro use a espada para defendê-lo
ou pede o socorro das legiões de anjos para livrá-lo.
Jesus nõão faz um milagre diante
de Herodes ou ameaça Pilatos para escapar da morte.
Jesus sabe que cumpre a Vontade
do Pai e que a justiça definitiva pertence a Deus.
A Ele só cabia amar, orar e
perdoar os que o condenavam:
·
“pois não sabem o que fazem...” (Lc 23,34).
Tudo bem, Jesus contesta
energicamente a lei do Antigo Testamento: olho por olho, dente por dente. A lei
da justiça humana estava sendo super valorizada e superava a lei do amor e da
justiça que Jesus veio trazer, quando disse:
·
“Um novo mandamento dou para
vocês: que vocês se amem uns aos outros; assim como eu amei vocês, que também vocês
se amem uns aos outros”. (Jo
13,34).
Jesus retorna à determinação de
Yahweh quando disse a Moisés para que transmitisse ao povo:
·
“Não vingarás e não guardarás
rancor contra os filhos do seu povo. Amarás o seu próximo como a si mesmo. Eu
Sou Yahweh”.
(Lv 19,18).
De uma coisa temos certeza:
Jesus, na sua vida diária, antes de ensinar, viveu intensamente os seus
próprios ensinamentos. Não transmitia nada se não tivesse tido experiência do
que iria transmitir. Todos os seus ensinamentos estavam dentro de um contexto
de amor, confiança, vivência, justiça e experiência do que estava transmitindo.
Ele disse e ensinou:
·
“Quando alguém lhe bater numa
face, ofereça também a outra”.
(Lc 6,29).
Mas ele não fez isso, senão
vejamos: quando Jesus respondeu a uma pergunta do sumo sacerdote, um dos
guardas desferiu-lhe uma bofetada em seu rosto, e ele não ofereceu a outra
face, muito pelo contrario, contestou o soldado e perguntou-lhe porque ele o
havia batido:
·
“Então o sumo sacerdote
interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos dos seus ensinamentos. Jesus
lhe respondeu: ‘Eu tenho falado ao mundo claramente. Eu sempre ensinei na
sinagoga e no Templo, onde todos os judeus se reúnem. Não falei nada em
segredo. Por que esta me interrogando? Pergunte aos que ouviram o que lhes
falei. Eles sabem o que eu disse’. Quando falou isso, um dos guardas que aí
estavam deu uma bofetada em Jesus e disse: ‘ É assim que tu respondes ao sumo
sacerdote?’ Jesus lhe respondeu: ‘Se falei mal, dê testemunho desse mal. Mas,
se eu falei bem, por que você está me batendo?’”.
(Jo 18,19-23).
Então, por que Jesus não ofereceu
a outra face como havia ensinado aos seus seguidores?
Porque ele quis mostrar que o
cristão não é bobo, não é saco de pancadas, e que deve dar a outra face, sim,
quando isso for em defesa da justiça, do amor e não para satisfação do
agressor.
Dar a outra face não implica
necessariamente oferecer-se para ser espancado, mas lutar até as últimas
consequências para que a justiça prevaleça.
Naturalmente todos temos aversão
por pessoas que fazem o mal, que praticam o mal, que espalham o mal.
Naturalmente, não gostamos dessas pessoas. Faz parte da nossa natureza humana.
Não gostamos das pessoas que fazem mal aos nossos negócios. Não gostamos das
pessoas que fazem mal à nossa família. Se essas pessoas fazem o mal, não podem
fazer parte da nossa vivência.
Mas Jesus disse:
·
“Mas eu digo a vocês, que estão
me escutando: Amem seus inimigos, façam o bem a quem odeiam vocês, falem bem de
quem fala mal de vocês. Rezam por aqueles que o caluniam. Quando alguém lhe
bater numa face, ofereça também a outra. Se alguém tirar de você o manto, deixe
que leve também a túnica. Dê a todo aquele que lhe pedir, e se alguém pegar o
que é seu, não peça de volta. Tratem as pessoas como você gostaria que elas
tratassem você.”
(Lc 6,27-31).
Claro. Ele disse isso. Mas você
não precisa gostar dessas pessoas.
Faço minha as palavras do pastor
Cláudio Duarte, a quem admiro, quando, com muita sabedoria e inspirado pelo
Espírito Santo disse que você não precisa permitir que essas pessoas façam
parte da sua vivência, da sua intimidade, do seu contexto familiar ou social.
Se a pessoa lhe faz mal a você,
ame-a.
Mas de que forma eu posso amá-la?
Orando por ela, pedindo para que Deus entre na sua vida e a transforme pela
ação do Espírito Santo. Orando para que ela tenha um encontro com Jesus Cristo
e mude de vida, mude de mentalidade, mude a sua história, mude a sua rota, mude
seus pensamentos, mude suas ações, mude o seu futuro.
Mas isso não significa que ela
deva fazer parte da sua intimidade, do seu círculo de amizade, da sua vida,
porque existem pessoas que não sabem viver com o seu sucesso, pessoas que não
sabem conviver com a sua beleza de espírito, que não sabem viver com a sua
grandeza.
Tem gente que não sabe conviver
com aquilo que você tem de bom e só levam o mal.
Não levem essas pessoas para a
sua vida, pois elas estão lhe fazendo o mal. Ame-as. Peça por elas, ore por
elas, contribua com aquilo que você tem condições de contribuir para que elas
melhorem mas não se deixe afetar nem contagiar pelo mal que elas trazem no
coração.
Então, chega-se à conclusão que
está na hora de você descartar todo mundo que deve ser descartado da sua vida
para que você não se contamine com o mal que elas trazem dentro de si.
Não é porque a pessoa seja ruim
que você precisa descartá-la, mas porque ela não cabe no seu futuro, não cabe
na sua vida, não cabe no que você planejou para você, para sua família, para a
sua comunidade. No seu futuro não pode caber gente medíocre. No seu futuro não
pode caber gente que não respeita Deus, quem não quer o bem das pessoas. Esse
tipo de gente você tem que tirar de sua vida, tem que tirar do seu futuro.
Fazendo isso, está de conformidade com o Salmo 1, que diz:
·
“Feliz o homem que não vai às reuniões
dos perversos, não frequenta o caminho dos pecadores e não participa da
assembléia dos difamadores. Ao contrário: encontra seu prazer na lei de Yahweh
e na sua lei medita dia e noite. Será como árvore plantada junto a um riacho e
que dá fruto no tempo devido; sua folhagem não seca jamais; encontrará sucesso
em tudo que faz. Não são assim os perversos! Ao contrário: são como palha que o
vento dispersa. Porque os perversos não ficarão em pé no julgamento, nem os
pecadores na assembléia dos justos. Porque Yahweh conhece o caminho dos justos,
mas o caminho dos perversos perecerá.”
Andar
com pessoas erradas permite que elas se aproximem, abrindo a gaveta de suas
emoções para elas e isso vai lhe gerar sérios problemas. Não importa quem seja
a pessoa: parente, amigo, conhecido. Essa pessoa não vai andar comigo.
Devo me afastar dela
sumariamente? Sem radicalismo. Cumprimenta-se, pergunta se está tudo bem,
deseja-lhe que Deus a abençoe. Mas andar comigo, não, porque essa pessoa não
está indo para o mesmo lugar que estou indo, a rota dela não é a mesma que a
minha, o que ela quer não se enquadra no meu futuro e não é o que eu quero.
Então, a gente não vai caminhar juntos.
Isso não quer dizer que a pessoa
seja ruim. Essa pessoa, simplesmente, não é alguém que quero para caminhar
comigo, para compartilhar comigo o meu futuro. Mas eu a amo. No que depender de
mim farei tudo para regenerá-la. A ajudarei em tudo o que for possível para que
ela mude de vida e mentalidade.
O Evangelho não pede para
suportar ou conviver, o evangelho nos pede para amar. Dom supremo e maior
deixado por Jesus para que possamos buscar diariamente nossa santificação.
Muitas vezes esse Evangelho nos
faz ver um cristão passivo exteriormente, que não reage a insultos, a
difamações e até aos maus tratos, porém, isso não pode ser verdade.
Muito pelo contrário: este
Evangelho nos faz altamente ativos espiritualmente, pois mexe com o nosso “eu”,
exercitando os dons espirituais e as virtudes existentes dentro de cada um de
nós, nos fazendo perfeitos como nosso Pai celeste é perfeito.
·
“Não julgue, e não serás julgado;
não condene, e não serás condenado; perdoa, e serás perdoado.” (Lc 6,37).
Penso que se conseguirmos viver
este versículo, já estamos num estágio de vivência cristã admirável. Esta
mensagem mostra claramente o amor radical de Jesus a seu Pai, e que deve ser
como um sinal dos cristãos. É um amor tão desmedido, que põe à prova os
discípulos e nós também, pois é o amor incondicional, sem limites, o amor aos
inimigos, que não pode ser compreendido nos padrões terrenos e que só acontece
se estiver muito bem alicerçado na fé.
As expressões “amar”, “fazer o
bem”, “dar”, aparece por três vezes no texto. “Amar, fazer o bem e emprestar”,
é apenas uma boa política, um bom negócio.
Para sermos bons cristãos,
considerados filhos de Deus, é preciso mais, pois sua medida são nossas
atitudes. Assim, como julgarmos, seremos julgados; como condenarmos seremos
condenados, mas também, como perdoarmos seremos perdoados. É neste contexto,
onde Jesus nos chama à generosidade, que Jesus chama também a Deus de Pai, pela
primeira vez em sua vida pública. O Pai é nosso exemplo. Ser como ele é ser
generoso, pois ele não julga, não condena, perdoa as ofensas e dá sem medir
custos. E nos ama com tanta intensidade, que jamais poderá ser superado. Estejamos
certos de que nunca poderemos retribuir tanta generosidade.
Que todos unidos façamos um
esforço de fazer este mundo melhor através da palavra de Deus que é a
verdadeira chave para abrir as portas do coração da humanidade.
E como conseguiremos isso? Onde
está o grande segredo desta chave?
·
“Sede misericordiosos, como
também nosso Pai celeste é misericordioso.” (Lc 6,36).
Jesus nos chama a um ideal mais
pleno, mais radical: amar o inimigo. Não há nada mais evangélico do que esta
máxima de Lucas, certamente difícil de ser colocada em prática.
Este ideal pressupõe naturalmente
um uso da liberdade muito maduro: ser livre para amar não como eu quero, mas
como Deus quer que nos amemos. Sem condições.
Amar quem nos ama, quem nos
elogia, quem nos prestigia, é muito fácil. Todo jogo dos interesses passa por
este tipo de relação. Mas amar quem nos prejudica, quem nos amaldiçoa, quem não
corresponde às nossas expectativas, é mais difícil e impossível sem a graça de
Deus.
Jesus veio desbaratar a
teia do inimigo que tenta nos infligir uma doutrina de morte que nos instrui a
nos posicionar uns contra os outros lançando fora a virtude da caridade que
Deus nos conferiu. Por isso, o Evangelho nos confunde, quando fala justamente o
contrário do que todos apregoam. Se colocarmos de um lado, as instruções
de Jesus neste Evangelho, e do outro lado, as concepções que o mundo prega, com
certeza, perceberemos que existe um fosso enorme separando as duas vertentes.
Quando ouvimos Jesus falar coisas
como: amar os nossos inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam ou bendizer aos
que nos amaldiçoam; rezar pelos que nos caluniam e dar a outra face depois de
tomar uma bofetada; entregar a túnica quando alguém já nos tomou o manto,
etc., nós nos apavoramos e achamos que Ele nos propõe andar na contra mão do
mundo.
Se não tivermos uma fé firme e a
certeza de que o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, veio em pessoa nos dar
garantia do que Ele pregou, não conseguiremos alcançar o pensamento de Deus,
pois o que o mundo ensina agrada muito mais à nossa humanidade. A chave
para que possamos compreender o que Jesus veio nos ensinar, está,
justamente, nessa expressão:
·
“O que você deseja que os outros
façam para você, faça-o também você para eles.” (Mt 7,12).
Quando nos colocamos no lugar do
outro, quando nos envolvemos com o outro indivíduo, nós podemos compreender as
suas motivações e assim, também, perdoar, compreender, acolher.
Depois também Jesus nos faz
outras indagações para a nossa reflexão: qual a recompensa que teremos se
fizermos o bem só a quem nos fizer o bem? Quais os méritos que teremos se
amarmos somente a quem nos ama? Se emprestarmos dinheiro somente a quem nos
pode pagar não estaremos fazendo por amor, mas sim, por conveniência. Por isso,
Jesus também nos adverte:
·
“O que você deseja que os outros
façam para você, faça-o também você para eles.”
Jesus nos dá a dica para que
sejamos misericordiosos como o Pai é misericordioso: não julgar,
porque assim também não seremos julgados; não condenar, para que também
não sejamos condenados; perdoar para que sejamos perdoados; dar para
poder então, receber. Enfim, com a mesma medida com que medimos os outros, isto
é, da mesma forma, na mesma proporção, do mesmo jeito, nós seremos também
medidos.
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