domingo, 24 de fevereiro de 2019

“AMEM SEUS INIMIGOS” (Lc 6,27).

VII DOMINGO DO TEMPO COMUM Ano: C - Cor: verde – Leituras: 1Sm 26,2.7-9.12-13.22-23; Sl 102,1-48.10.12-13; 1Cor 15,45-49; Lc 6,27-38.

“AMEM SEUS INIMIGOS” (Lc 6,27).

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Diácono Milton Restivo
·         “Mas eu digo a vocês, que estão me escutando: Amem seus inimigos, façam o bem a quem odeiam vocês, falem bem de quem fala mal de vocês. Rezam por aqueles que o caluniam. Quando alguém lhe bater numa face, ofereça também a outra. Se alguém tirar de você o manto, deixe que leve também a túnica. Dê a todo aquele que lhe pedir, e se alguém pegar o que é seu, não peça de volta. Tratem as pessoas como você gostaria que elas tratassem você.” (Lc 6,27-31).
Ao transmitir esse ensinamento, Jesus estava contestando a lei do talião, ou a lei do olho por olho, dente por dente, que está na Lei de Moisés, no livro do Êxodo, 21,23-25:
·         “Contudo, se houver dano grave, então pagará vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”.

Nesta passagem, Deus revelou a Moisés algumas leis para que ele passasse para o povo. Esta lei se encaixa nas leis a respeito da violência.
No entanto, essas coisas mudaram com a vinda de Jesus e da Nova Aliança.
Em Mateus 5,38-39, Jesus disse:
·         "Vocês ouviram o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, lhes digo: Não se vinguem dos que lhes fazem mal. Se alguém lhe der um tapa na cara, vire o outro lado para ele bater também."
Muitos anos mais tarde, Gandhi afirmaria:
·         "Olho por olho e o mundo acabará cego".
Com estas afirmações, Jesus e Gandhi estavam revelando a importância do perdão e da não-violência, porque a vingança corrói e cega o ser humano.
Talvez seja esse um dos ensinamentos da vida diária e de relacionamento mais difíceis de ser entendido e colocado em prática na nossa vida. É um trecho desconcertante, embaraçoso, difícil e desafiador dos evangelhos. Jesus fala sobre o amor, a tolerância, a generosidade, a caridade em relação às pessoas que não convivem harmoniosamente com a gente.
As orientações de Jesus são claras: - “amar”: “amem os seus inimigos”; - “fazer o bem”: “façam o bem a quem odeia vocês... façam o bem e emprestem sem esperar nada em troca”; - “falar bem”: “falem bem de quem fala mal de vocês”; - “rezar”: rezem por aqueles que o caluniam”; - e mais: “abençoar”, “emprestar”, “perdoar”, “dar”, “ser misericordioso”, “não julgar”, “não condenar”.
E com quem devemos praticar tudo isso: “os inimigos”, “os que lhe odeiam”, “os que lhe amaldiçoam”, “os que lhe difamam”, “os que lhe ferem na face”, “os que lhe tiram a capa”, “os que lhe tomam o que é seu”, “os que lhe pedem”.
Verdade é que, amar o próximo como a si mesmo quando o próximo é amigo, é até fácil de entender e aceitar. Agora amar os inimigos, os que nos odeiam, nos amaldiçoam, nos difamam, nos roubam ou tomam o que é nosso, é coisa totalmente inédita.
No Antigo Testamento, na lei de Moisés, era permitido o olho por olho e o dente por dente (lei do talião); descontar da mesma maneira o mal que havia sido recebido.
O padre Bantu Mendonça Katchipwi Sayla, numa de suas meditações sobre essa parte do Evangelho, diz que o novo ensinamento de Jesus é mais exigente.
A virtude da Justiça manda dar a cada um o que lhe é devido. Portanto, o que Jesus pede é ir além do desejo de revidar. Amar e fazer o bem aos que os amam, os pagãos também fazem.
Mas a quem quiser escutá-lo, Jesus pede mais e apresenta as razões:
·         “Será grande a vossa recompensa”,
·         “serão filhos do Altíssimo” e
·         “porque ele é bom para com os ingratos e maus”.
Veja as palavras que o anjo Gabriel revela a Maria sobre Jesus:
·         “Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo...” (Lc 1,32).
Ou seja, a recompensa é o próprio Jesus, ser como Ele.  
Se Ele nos pede é porque é possível, e Ele mesmo dá o exemplo;
·         “Amem-se uns aos outros como eu amei vocês”. (Jo 13,34).
Os apóstolos não estariam errados se invocassem a justiça e o direito diante dos judeus que prenderam e flagelaram Jesus. Mas Jesus não permite que Pedro use a espada para defendê-lo ou pede o socorro das legiões de anjos para livrá-lo.
Jesus nõão faz um milagre diante de Herodes ou ameaça Pilatos para escapar da morte.
Jesus sabe que cumpre a Vontade do Pai e que a justiça definitiva pertence a Deus.
A Ele só cabia amar, orar e perdoar os que o condenavam:
·         “pois não sabem o que fazem...” (Lc 23,34).
Tudo bem, Jesus contesta energicamente a lei do Antigo Testamento: olho por olho, dente por dente. A lei da justiça humana estava sendo super valorizada e superava a lei do amor e da justiça que Jesus veio trazer, quando disse:
·         “Um novo mandamento dou para vocês: que vocês se amem uns aos outros; assim como eu amei vocês, que também vocês se amem uns aos outros”. (Jo 13,34).
Jesus retorna à determinação de Yahweh quando disse a Moisés para que transmitisse ao povo:
·         “Não vingarás e não guardarás rancor contra os filhos do seu povo. Amarás o seu próximo como a si mesmo. Eu Sou Yahweh”. (Lv 19,18).
De uma coisa temos certeza: Jesus, na sua vida diária, antes de ensinar, viveu intensamente os seus próprios ensinamentos. Não transmitia nada se não tivesse tido experiência do que iria transmitir. Todos os seus ensinamentos estavam dentro de um contexto de amor, confiança, vivência, justiça e experiência do que estava transmitindo.  
Ele disse e ensinou:
·         “Quando alguém lhe bater numa face, ofereça também a outra”. (Lc 6,29).
Mas ele não fez isso, senão vejamos: quando Jesus respondeu a uma pergunta do sumo sacerdote, um dos guardas desferiu-lhe uma bofetada em seu rosto, e ele não ofereceu a outra face, muito pelo contrario, contestou o soldado e perguntou-lhe porque ele o havia batido:
·         “Então o sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos dos seus ensinamentos. Jesus lhe respondeu: ‘Eu tenho falado ao mundo claramente. Eu sempre ensinei na sinagoga e no Templo, onde todos os judeus se reúnem. Não falei nada em segredo. Por que esta me interrogando? Pergunte aos que ouviram o que lhes falei. Eles sabem o que eu disse’. Quando falou isso, um dos guardas que aí estavam deu uma bofetada em Jesus e disse: ‘ É assim que tu respondes ao sumo sacerdote?’ Jesus lhe respondeu: ‘Se falei mal, dê testemunho desse mal. Mas, se eu falei bem, por que você está me batendo?’”.  (Jo 18,19-23).
Então, por que Jesus não ofereceu a outra face como havia ensinado aos seus seguidores?
Porque ele quis mostrar que o cristão não é bobo, não é saco de pancadas, e que deve dar a outra face, sim, quando isso for em defesa da justiça, do amor e não para satisfação do agressor.
Dar a outra face não implica necessariamente oferecer-se para ser espancado, mas lutar até as últimas consequências para que a justiça prevaleça.
Naturalmente todos temos aversão por pessoas que fazem o mal, que praticam o mal, que espalham o mal. Naturalmente, não gostamos dessas pessoas. Faz parte da nossa natureza humana. Não gostamos das pessoas que fazem mal aos nossos negócios. Não gostamos das pessoas que fazem mal à nossa família. Se essas pessoas fazem o mal, não podem fazer parte da nossa vivência.
Mas Jesus disse:
·         “Mas eu digo a vocês, que estão me escutando: Amem seus inimigos, façam o bem a quem odeiam vocês, falem bem de quem fala mal de vocês. Rezam por aqueles que o caluniam. Quando alguém lhe bater numa face, ofereça também a outra. Se alguém tirar de você o manto, deixe que leve também a túnica. Dê a todo aquele que lhe pedir, e se alguém pegar o que é seu, não peça de volta. Tratem as pessoas como você gostaria que elas tratassem você.” (Lc 6,27-31).
Claro. Ele disse isso. Mas você não precisa gostar dessas pessoas.
Faço minha as palavras do pastor Cláudio Duarte, a quem admiro, quando, com muita sabedoria e inspirado pelo Espírito Santo disse que você não precisa permitir que essas pessoas façam parte da sua vivência, da sua intimidade, do seu contexto familiar ou social.
Se a pessoa lhe faz mal a você, ame-a.
Mas de que forma eu posso amá-la? Orando por ela, pedindo para que Deus entre na sua vida e a transforme pela ação do Espírito Santo. Orando para que ela tenha um encontro com Jesus Cristo e mude de vida, mude de mentalidade, mude a sua história, mude a sua rota, mude seus pensamentos, mude suas ações, mude o seu futuro.
Mas isso não significa que ela deva fazer parte da sua intimidade, do seu círculo de amizade, da sua vida, porque existem pessoas que não sabem viver com o seu sucesso, pessoas que não sabem conviver com a sua beleza de espírito, que não sabem viver com a sua grandeza.
Tem gente que não sabe conviver com aquilo que você tem de bom e só levam o mal.
Não levem essas pessoas para a sua vida, pois elas estão lhe fazendo o mal. Ame-as. Peça por elas, ore por elas, contribua com aquilo que você tem condições de contribuir para que elas melhorem mas não se deixe afetar nem contagiar pelo mal que elas trazem no coração.
Então, chega-se à conclusão que está na hora de você descartar todo mundo que deve ser descartado da sua vida para que você não se contamine com o mal que elas trazem dentro de si.
Não é porque a pessoa seja ruim que você precisa descartá-la, mas porque ela não cabe no seu futuro, não cabe na sua vida, não cabe no que você planejou para você, para sua família, para a sua comunidade. No seu futuro não pode caber gente medíocre. No seu futuro não pode caber gente que não respeita Deus, quem não quer o bem das pessoas. Esse tipo de gente você tem que tirar de sua vida, tem que tirar do seu futuro. Fazendo isso, está de conformidade com o Salmo 1, que diz:
·         “Feliz o homem que não vai às reuniões dos perversos, não frequenta o caminho dos pecadores e não participa da assembléia dos difamadores. Ao contrário: encontra seu prazer na lei de Yahweh e na sua lei medita dia e noite. Será como árvore plantada junto a um riacho e que dá fruto no tempo devido; sua folhagem não seca jamais; encontrará sucesso em tudo que faz. Não são assim os perversos! Ao contrário: são como palha que o vento dispersa. Porque os perversos não ficarão em pé no julgamento, nem os pecadores na assembléia dos justos. Porque Yahweh conhece o caminho dos justos, mas o caminho dos perversos perecerá.”
 Andar com pessoas erradas permite que elas se aproximem, abrindo a gaveta de suas emoções para elas e isso vai lhe gerar sérios problemas. Não importa quem seja a pessoa: parente, amigo, conhecido. Essa pessoa não vai andar comigo.
Devo me afastar dela sumariamente? Sem radicalismo. Cumprimenta-se, pergunta se está tudo bem, deseja-lhe que Deus a abençoe. Mas andar comigo, não, porque essa pessoa não está indo para o mesmo lugar que estou indo, a rota dela não é a mesma que a minha, o que ela quer não se enquadra no meu futuro e não é o que eu quero. Então, a gente não vai caminhar juntos.
Isso não quer dizer que a pessoa seja ruim. Essa pessoa, simplesmente, não é alguém que quero para caminhar comigo, para compartilhar comigo o meu futuro. Mas eu a amo. No que depender de mim farei tudo para regenerá-la. A ajudarei em tudo o que for possível para que ela mude de vida e mentalidade.
O Evangelho não pede para suportar ou conviver, o evangelho nos pede para amar. Dom supremo e maior deixado por Jesus para que possamos buscar diariamente nossa santificação.
Muitas vezes esse Evangelho nos faz ver um cristão passivo exteriormente, que não reage a insultos, a difamações e até aos maus tratos, porém, isso não pode ser verdade.
Muito pelo contrário: este Evangelho nos faz altamente ativos espiritualmente, pois mexe com o nosso “eu”, exercitando os dons espirituais e as virtudes existentes dentro de cada um de nós, nos fazendo perfeitos como nosso Pai celeste é perfeito.
·         “Não julgue, e não serás julgado; não condene, e não serás condenado; perdoa, e serás perdoado.” (Lc 6,37).
Penso que se conseguirmos viver este versículo, já estamos num estágio de vivência cristã admirável. Esta mensagem mostra claramente o amor radical de Jesus a seu Pai, e que deve ser como um sinal dos cristãos. É um amor tão desmedido, que põe à prova os discípulos e nós também, pois é o amor incondicional, sem limites, o amor aos inimigos, que não pode ser compreendido nos padrões terrenos e que só acontece se estiver muito bem alicerçado na fé.
As expressões “amar”, “fazer o bem”, “dar”, aparece por três vezes no texto. “Amar, fazer o bem e emprestar”, é apenas uma boa política, um bom negócio.
Para sermos bons cristãos, considerados filhos de Deus, é preciso mais, pois sua medida são nossas atitudes. Assim, como julgarmos, seremos julgados; como condenarmos seremos condenados, mas também, como perdoarmos seremos perdoados. É neste contexto, onde Jesus nos chama à generosidade, que Jesus chama também a Deus de Pai, pela primeira vez em sua vida pública. O Pai é nosso exemplo. Ser como ele é ser generoso, pois ele não julga, não condena, perdoa as ofensas e dá sem medir custos. E nos ama com tanta intensidade, que jamais poderá ser superado. Estejamos certos de que nunca poderemos retribuir tanta generosidade.
Que todos unidos façamos um esforço de fazer este mundo melhor através da palavra de Deus que é a verdadeira chave para abrir as portas do coração da humanidade.
E como conseguiremos isso? Onde está o grande segredo desta chave?
·         “Sede misericordiosos, como também nosso Pai celeste é misericordioso.” (Lc 6,36).
Jesus nos chama a um ideal mais pleno, mais radical: amar o inimigo. Não há nada mais evangélico do que esta máxima de Lucas, certamente difícil de ser colocada em prática.
Este ideal pressupõe naturalmente um uso da liberdade muito maduro: ser livre para amar não como eu quero, mas como Deus quer que nos amemos. Sem condições.
Amar quem nos ama, quem nos elogia, quem nos prestigia, é muito fácil. Todo jogo dos interesses passa por este tipo de relação. Mas amar quem nos prejudica, quem nos amaldiçoa, quem não corresponde às nossas expectativas, é mais difícil e impossível sem a graça de Deus.
 Jesus veio desbaratar a teia do inimigo que tenta nos infligir uma doutrina de morte que nos instrui a nos posicionar uns contra os outros lançando fora a virtude da caridade que Deus nos conferiu. Por isso, o Evangelho nos confunde, quando fala justamente o contrário do que todos apregoam.  Se colocarmos de um lado, as instruções de Jesus neste Evangelho, e do outro lado, as concepções que o mundo prega, com certeza, perceberemos que existe um fosso enorme separando as duas vertentes.
Quando ouvimos Jesus falar coisas como: amar os nossos inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam ou bendizer aos que nos amaldiçoam; rezar pelos que nos caluniam e dar a outra face depois de tomar uma bofetada;  entregar a túnica quando alguém já nos tomou o manto, etc., nós nos apavoramos e achamos que Ele nos propõe andar na contra mão do mundo.
Se não tivermos uma fé firme e a certeza de que o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, veio em pessoa nos dar garantia do que Ele pregou, não conseguiremos alcançar o pensamento de Deus, pois o que o mundo ensina agrada muito mais à nossa humanidade. A chave para que possamos compreender o que Jesus veio nos ensinar, está, justamente, nessa expressão:
·         “O que você deseja que os outros façam para você, faça-o também você para eles.”  (Mt 7,12).
Quando nos colocamos no lugar do outro, quando nos envolvemos com o outro indivíduo, nós podemos compreender as suas motivações e assim, também, perdoar, compreender, acolher. 
Depois também Jesus nos faz outras indagações para a nossa reflexão: qual a recompensa que teremos se fizermos o bem só a quem nos fizer o bem? Quais os méritos que teremos se amarmos somente a quem nos ama? Se emprestarmos dinheiro somente a quem nos pode pagar não estaremos fazendo por amor, mas sim, por conveniência. Por isso, Jesus também nos adverte:
·         “O que você deseja que os outros façam para você, faça-o também você para eles.”  
Jesus nos dá a dica para que sejamos misericordiosos como o Pai é misericordioso:  não julgar, porque assim também não seremos julgados; não condenar, para que também não sejamos condenados; perdoar para que sejamos perdoados; dar para poder então, receber. Enfim, com a mesma medida com que medimos os outros, isto é, da mesma forma, na mesma proporção, do mesmo jeito, nós seremos também medidos.   

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