PADRE VICTOR, FILHO DE ESCRAVOS
PADRE VICTOR SE TORNOU O
PRIMEIRO BEATO NEGRO, AFRODESCENDENTE DO BRASIL
A Igreja de Três Pontas, no sul de
Minas Gerais, está em festa. Em 14 de novembro de 2018, após dois anos de
espera, foi beatificado o Padre Francisco de Paula Victor, filho de escravos.
Padre Victor, como é chamado, se
tornará assim o primeiro beato afrodescendente do Brasil.
O Papa Francisco havia autorizado a
Congregação das Causas dos Santos em 5 de junho passado a promulgar o Decreto
concernente ao milagre atribuído à intercessão de Francisco de Paula Victor.
Francisco de Paula Victor, nasceu em 12 de abril de 1827 na Vila da Campanha da
Princesa (MG). Filho da escrava Lourença Justiniana de Jesus, teve como
madrinha de batismo a própria patroa, Marianna de Santa Bárbara Ferreira.
Mesmo tendo começado o trabalho de
alfaiate, o sonho de Victor era ser sacerdote, um sonho proibido para ele, a
ponto de se dizer que caso se tornasse sacerdote “às galinhas cresceria os
dentes”. Eram os duros e trágicos tempos do regime escravocrata e aos escravos
não era somente proibido acesso a qualquer cargo público civil, mas também
eclesiástico.
Aos escravos era até mesmo proibido
estudar. A aspiração de Victor encontrou uma inesperada reviravolta, com a
ajuda da madrinha-patroa e na determinação de Dom Antonio Vicoso, Bispo de
Mariana, abolicionista convicto, que apoiou o jovem de forma irrestrita.
Biografia
Pe. Victor, o
padre negro, é chamado “O Anjo Tutelar de Três Pontas”, Minas Gerais. Nasceu em
Campanha, MG, filho da escrava Lourença Maria de Jesus,em 12 de abril de 1827 e
foi batizado aos 20 de abril do mesmo ano, pelo padre Antônio Manoel Teixeira.
Dentro do
regime de escravidão, então vigente no Brasil, filho de escrava era também
escravo. Pouco se sabe de sua infância, apenas que era uma criança forte,
robusta e saudável. Conhecemos os nomes de seus padrinhos: Mariana Barbosa
Ferreira e Feliciano Antônio de Castro.
Possivelmente, em virtude de alguma proteção
de pessoa caridosa, pôde ser afastado dos trabalhos pesados que eram reservados
aos escravos, ficando destinado a aprender o ofício de alfaiate. Seu mestre
alfaiate, o senhor Inácio Barbudo, a quem confidenciou o desejo de ser padre,
disse-lhe: “Já se viu negro ser Padre?”.
O Venerável Dom Antônio Ferreira Viçoso,
bispo de Mariana, MG, visitou Campanha em 1848. O alfaiate Victor o procurou
manifestando-lhe o desejo de ser sacerdote. Este o recebeu com muita alegria.
Dom Viçoso era um santo bispo, e encaminhou-o para o estudo de latim e música.
Teve ajuda de sua madrinha, Mariana.
Em 1849, o
jovem Victor dirigiu-se a cavalo para o Seminário de Mariana. Devido à
escravidão, havia o preconceito racial até na Igreja. Seus colegas de seminário
fizeram com que passasse pelas maiores humilhações, críticas, zombarias e
exclusão. Com grande humildade e
espírito de serviço, aos poucos foi ganhando a simpatia e o respeito de seus
companheiros.
O bispo D.
Viçoso o estimava e sempre apoiava, chegando a proclamar suas virtudes. Recebeu as ordens menores a 20 de fevereiro de 1850 e Dom Viçoso
dispensou-o de possíveis impedimentos canônicos, inclusive até, por ser negro.
Ordenado sacerdote em 14 de junho de 1851, permaneceu em Campanha, MG, como
coadjutor, de 1851 a 1852, indo para Três Pontas, MG, em 14 de junho do mesmo
ano, como Vigário Encomendado.
A princípio a
população ficou descontente por ter um padre negro como vigário, com seu
aspecto rude, pois ‘não era bonito’. Mas a animosidade se transformou em
admiração. Logo que assumiu seus trabalhos na Paróquia, visitava doentes,
amparava inválidos, zelava pela infância desvalida, atendia a população em suas
necessidades.
A sua
dedicação, as suas virtudes o fizeram admirado por todos, ficando acima de
todas as críticas. Procurou catequizar e instruir o seu povo.
No seu plano
de evangelização e catequese, chegou a criar a escola “Sagrada Família”, mais
tarde “Escola Coração de Jesus”, com uma organização perfeita. Nela recebia
alunos de todo o sul de Minas, e até do Rio de Janeiro. Muitos alunos pobres
eram admitidos, gratuitamente, mesmo internos. Por ela passaram
brasileiros de grande
projeção social. Fez, de muitos filhos de famílias humildes, homens de cultura,
que passaram a viver da inteligência, nas mais variadas profissões.
Padre Victor
tinha grande devoção a Maria e ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Era
admirado pelo trato e respeito religioso com que realizava as celebrações
litúrgicas. Pregava pelo exemplo a fé, a esperança, a fortaleza, o temor a Deus
e sobretudo a caridade.
Seus
paroquianos podiam contar
com ele para sanar dificuldades, seja fome, desentendimentos familiares, falta
de moradia ou trabalho.
Amava a Deus
na pessoa de seu semelhante, de modo especial os mais pobres. Muito enérgico e
exigente nas atitudes de respeito para com Deus, no entanto não deixava de ser
carinhoso e meigo com os pequenos. Jovial, gostava de festas, chegando a ceder
salões da “Sagrada Família” para festas e bailes familiares, sempre terminando
às 24h.
Como escravo
que fora, protegia os negros maltratados e se insurgia contra os fazendeiros
maldosos. Certa vez enfrentou um bando armado de fazendeiros na entrada da
cidade, com um crucifixo na mão, que queria atear fogo na casa do Presidente da
Junta Abolicionista da cidade, que refugiava dois de seus escravos. Dizia:
“Entrem! Entrem!...mas passem por cima do cadáver do vigário!” O bando se
desfez diante dessa muralha moral que era o padre Victor, um simples sacerdote
negro, revestido da graça de Cristo!
Padre Victor
vivia de esmolas e dava esmolas. Grande era a sua liberalidade, a tal ponto que
passava necessidades. Praticava tanto o desapego dos bens materiais, que quando
recebia alguma doação, a dava ao primeiro pobre que encontrasse, sem ao menos
ver que quantia era.
Certa vez um
pobre retornou dizendo que a quantia era muito alta, mas ele respondeu somente:
“Já lhe dei; são seus”. Minado por uma lesão cardíaca e hepatite, sua saúde foi
definhando, mesmo sem deixar suas atividades pastorais, que exerceu até os
últimos dias de sua vida. Paroquiou Três Pontas, por cinquenta e três anos.
Faleceu no dia 23 de setembro de 1905.
A notícia de
seu falecimento abalou a cidade e toda a região que já o venerava.
Ficou
insepulto três dias, pois todos o queriam visitar, mas mesmo, assim, de seu
corpo exalava suave perfume. Em vista do grande número de pessoas foi
necessário fazer uma procissão pelas ruas da cidade, voltando novamente à
Matriz, por ele construída e onde foi enterrado.
As graças e
os milagres que a população diz receber por intercessão de padre Victor são
inúmeras. De ano para ano aumenta o número de fiéis de toda a região e até de
outros estados que visitam Três Pontas no dia 23 de setembro, agradecendo
graças recebidas ou implorando preces pela intercessão de Pe. Victor, e muitos
fazem essa romaria a pé.
Oração para a
Canonização
Ó Pai, que concedestes a
vosso Servo, o Bem-aventurado Padre Victor ser amigo dos pobres, dos humildes e
dos simples, e lhe deste a graça de ser vosso fiel servidor na busca do
Reino dos céus, nós vos pedimos que a Igreja possa reconhecer oficialmente as
suas virtudes e o proponha como modelo e protetor nosso. Por ter sido exemplo
de pobreza, de simplicidade, de caridade para com os mais pobres e de serviço
dedicado à Igreja, nós vos pedimos que, pela sua valiosa intercessão,
obtenhamos a graça de que mais temos necessidade (...). Concedei-nos também
que, a seu exemplo,
tenhamos no coração um
ardente amor a Vós e ao próximo. Isso Vo-lo pedimos por meio de Jesus Cristo,
vosso Filho, em união com o Espírito Santo. Amém.
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