Ano – B; Cor – Róseo; Leituras: Is 61,1-2.10-11; Sl de Lc 1; 1Ts 5,16-24; Jo 1,6-8.19-28.
“EU SOU A VOZ QUE GRITA NO DESERTO”. (Jo 1,23)
Diácono Milton Restivo
O Terceiro Domingo do Advento é chamado “Domingo Gaudete”, ou seja, “Domingo da Alegria”. Este domingo tem esse nome porque a antífona de entrada da Missa começa com as palavras de Paulo Apóstolo na sua carta aos filipenses: “Gaudete in Domino semper”, que, traduzido para o português, temos: “Fiquem sempre alegres no Senhor! Repito: fiquem alegres! O Senhor está próximo”. (Fl 4,4.5) e, na segunda leitura, no mesmo espírito de alegria, Paulo diz aos tessalonicenses: “Irmãos, estejam sempre alegres, rezem sem cessar. Dêem graças em todas as circunstâncias, porque esta é a vontade de Deus a respeito de vocês em Jesus Cristo. [...] Que o espírito, alma e corpo de vocês sejam conservados de modo irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Quem chamou vocês é fiel e realizará tudo isso.” (1Ts 5,16-18.23-24).
Os paramentos litúrgicos deste domingo poderão ser róseos para amenizar um pouco a austeridade do roxo, e o otimismo deve reinar porque, na liturgia da Palavra, o profeta Isaias diz para que o Messias deveria vir. No Salmo Maria, a escolhida para ser a mãe do Filho de Deus, o Messias, entoa um dos mais belos cânticos das Sagradas Escrituras, o “Magnificat” e o Evangelho de João apresenta o precursor do Messias, João Batista. “a voz que grita no deserto”. (cf Jo 1,22).
O profeta Isaias marca presença, novamente, na primeira leitura deste terceiro Domingo do Advento. Jesus, na sua primeira alocução na sinagoga de Nazaré, lê e comenta esta passagem de Isaias, atribuindo-a a si próprio: “Deram-lhe o livro do profeta Isaias. Abrindo o livro, Jesus encontrou a passagem onde está escrito: ‘O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor’. Em seguida Jesus fechou o livro, o entregou na mão do ajudante, e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Então Jesus começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu essa passagem da Escritura, que vocês acabam de ouvir.” (Lc 4,17-21). Foi para isso que Jesus veio e, para que isso se realize, a Igreja se prepara, no Tempo do Advento, para a sua primeira vinda, já na expectativa de sua segunda vinda, no fim dos tempos.
No Salmo é lido e cantado uma das mais belas orações contida nas Sagradas Escrituras, o Cântico de Maria, também conhecido como “Magnificat” em sinal de humildade e agradecimento a Deus Pai por realizar em Maria as promessas do Antigo Testamento em enviar aos homens a Salvação do mundo. Deus se satisfaz com o que é pequeno, pobre, simples e humilde. Por isso, neste cântico, Maria diz que Deus “olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,48).
Deus buscou uma moça pobre, simples, humilde numa cidade desconhecida, Nazaré, numa região desprezada pelos judeus, a Galiléia, “a terra que não era dos judeus” (Mt 4,15; Is 8,23) e no meio de um povo pobre e desprezado, para ser a mãe do seu Filho, ao invés de escolher, para essa finalidade, uma mulher da alta sociedade, uma rainha ou cortesã do palácio real, ou até a filha do sumo sacerdote. No tempo de Maria, como hoje, deveriam existir mulheres que se destacavam na sociedade, na política, no poder, na riqueza. Mulheres que, sem dúvida, poderiam oferecer ao Filho de Deus, que assumiu a natureza humana, um palácio com todas as riquezas e mordomias, ao invés de uma gruta úmida e fria, cheirando a estrume e urina de muares e equinos. Essas mulheres poderiam oferecer um berço de ouro, ao invés de um cocho incômodo e mal cheiroso de animais como seu primeiro berço. Poderiam oferecer aquecedores de ar ao invés do respirar quente dos animais para aquecer o recém-nascido. Mulheres que poderiam providenciar e determinar para que as primeiras visitas ao Filho de Deus recém-nascido fossem os mais ricos e poderosos monarcas e autoridades que existiam na terra naquele tempo, ao invés de as primeiras visitas serem, como foram, pobres e humildes pastores. Mas a Divina Providencia age diferentemente dos pensamentos humanos. Deus não quis para o seu Filho um palácio, já que o universo inteiro é seu. O Senhor não quis para o seu Filho um berço de ouro, já que tem a abóbada celeste para lhe servir de suporte dos pés. Deus não quis para o seu Filho um aquecedor de ar para aquecê-lo, já que os ventos que sopram dos quatro cantos do universo obedecem as suas ordens, obedecem a sua voz. Deus não quis, para visitar seu Filho, pela primeira vez, ricos monarcas e poderosos reis e nem esnobes gentes da sociedade, porque ele é o Rei dos Reis, e todos os reinos do mundo lhe pertencem. Deus não quis para mãe de seu filho uma mulher rica, poderosa, da sociedade, porque sabia que no coração dessas mulheres não havia lugar para a Vida que deveria ser vivida pelos homens e para a Verdade que seria transmitida a toda a humanidade, e nem para o Caminho que os homens deveriam trilhar, porque os corações das mulheres ricas estariam encharcados e inchados das coisas da terra e não teriam espaços para as coisas do céu. Para ser a mãe de seu Filho, o Senhor não procurou mulheres em palácios ou sociedades, mas procurou a mais pobre, a mais humilde exatamente numa das mais pobres e humildes casas de Nazaré, na Galiléia, terra dos pagãos. Para a mãe de seu Filho, o Senhor não escolheu a mulher mais rica da terra, mas aquela que estava mais familiarizada com as coisas do céu. Deus não escolheu uma mulher comprometida com a sociedade e com o mundo, com o coração cheio das preocupações passageiras e apegado demais às coisas que perecem, mas escolheu uma mulher com o coração desapegado, um coração pobre, um coração que ele sabia, poderia não entender o que estivesse acontecendo, mas que se submeteria dócil e livremente a vontade de Deus através do seu “sim”: “eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38), ainda que isso lhe custasse as mais cruciantes dores. E Jesus Cristo foi exigente na escolha de sua mãe. Nós não escolhemos a mãe que temos, embora agradeçamos a Deus pelas mães que ele nos deu. Mas Jesus teve um privilégio a mais que nós: ele teve o privilégio de poder escolher a sua mãe, e nisso ele foi exigente, porque escolheu a mais bela, a mais pura, a mais santa, a mais imaculada, a mais inviolável, e, além de tudo isso, a mais pobre, humilde. Maria foi pobre em toda a extensão da palavra. Não só teve espírito de pobre, mas viveu a pobreza materialmente com todas as suas consequências. Maria sentiu-se um instrumento humilde e pobre para os planos da Providência “porque o Todo poderoso realizou grandes obras em meu favor; seu nome é santo, e sua misericórdia chega aos que o temem, de geração em geração” (Lc 1,49-50). E foi exatamente por isso que o Senhor a julgou apta para operar nela as suas maravilhas. Poderia haver algo de mais pobre do que uma Virgem ser mãe? Deus opera as suas maravilhas nos pobres, humildes e corações desapegados das coisas do mundo, e Maria preencheu em tudo os desejos do Pai. Deus voltou exatamente o seu olhar para essa jovenzinha, uma serva simples, pobre e humilde para que, nem ela se gloriasse na presença de Deus por ter merecido tão grande honraria. Isso é pura graça, bondade e misericórdia de Deus, e não mérito de qualquer que seja a pessoa, e isso Maria reconhece nesse cântico. Neste cântico Maria diz: “De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48). As gerações e os seguimentos religiosos, ainda que sejam cristãos, que não reconhecem em Maria “bem-aventurada”, ainda não entenderam que Deus realiza as suas maravilhas no povo das bem-aventuranças (cf Mt 5,1-13), e desconhecem aquilo que o Espírito Santo falou pela boca de Isabel: “Você é bendita entre as mulheres e é bendito o fruto do teu ventre” Como posso merecer que a mãe do meu Senhor venha me visitar? [...] Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu”. (Lc 1,42-43.45).
O cântico de Maria é o cântico dos pobres e bem-aventurados que esperam e reconhecem a vinda de Deus, o “Emanuel – Deus conosco” para libertá-los através de Jesus.
O Evangelho volta-se, novamente, para a figura de João Batista. As narrativas da vida de Jesus começam no capítulo primeiro do Evangelho de João com João Batista confirmando a profecia e identificando Jesus como “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). O discurso principal de João era a respeito da vinda do Messias. Grandemente esperado por todos os judeus, o Messias era a fonte de todas as esperanças deste povo em restaurar a sua dignidade como nação independente. Vinha gente para ver e ouvir a mensagem de João Batista, de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região ao redor do Jordão, bem como as suas diretrizes para corrigir o seu comportamento (cf Lc 3,11-14). João Batista era grande aos olhos do Senhor, não tendo havido maior profeta do que ele, conforme disse Jesus: “Eu digo a vocês: entre os nascidos de mulher ninguém é maior do que João” (Lc 7,28). As suas vestimentas de pelo de camelo e cinto de couro lembravam o profeta Elias, que também assim se vestia: “Ele estava vestido com roupas de pelos e usava um cinto de couro” (2Rs 1,8; Mt 3,4a). A sua maneira de vida e alimento austeros: “comia gafanhotos e mel silvestre” (Mt 3,4b) seria uma viva reprimenda ao luxo e ambições da maioria do povo, especialmente às autoridades políticas e religiosas do povo. João Batista aparece brevemente como um mensageiro que deu testemunho da luz, enviado por Deus para preparar o caminho para Jesus: “Apareceu um homem enviado por Deus, que se chamava João. Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz. A luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem, estava chegando ao mundo” (Jo 1,6-9). João Batista não era para ser confundido com a própria luz, que era o Messias esperado, mas como um enviado para ajudar a todos a acreditar na luz que era a Palavra.
João Batista é questionado pelos “sacerdotes e levitas” que foram enviados de Jerusalém pelas “autoridades dos judeus para perguntarem a João: Quem é você?” (Jo 1,19). Perguntaram se João Batista era o Messias que todos estavam esperando que viria. Então, “João confessou e não negou. Ele confessou: ‘Eu não sou o Messias’. [...] Perguntaram-lhe, então ‘Então, que é você? Elias’?” (Jo 1,20.21). Esta pergunta, se João Batista era Elias, foi feita porque os judeus esperavam, antes da vinda do Messias, o retorno de Elias, e isso tinha seu fundamento na profecia de Malaquias, através do qual Yahweh havia dito: “Vejam! Eu mandarei para vocês o profeta Elias, antes que venha o grandioso e terrível Dia de Yahweh.” (Ml 3,23). Também, o anjo Gabriel, quando trouxera a notícia do nascimento de João Batista para seu pai Zacarias, dissera: “Caminhará à frente deles com o espírito e o poder de Elias.” (Lc 1,17) e, mais tarde, Jesus diria: “E se vocês quiserem aceitar, João é Elias que devia vir.” (Mt 11,14). Em outra oportunidade Jesus, com amargura, disse aos apóstolos: “Elias vem para colocar tudo em ordem. Mas eu digo a vocês: Elias já veio e eles não o reconheceram. Fizeram com ele tudo o que quiseram. E o Filho do Homem será maltratado por eles do mesmo modo’. Então os discípulos compreenderam que Jesus falava de João Batista”. (Mt 17,11-13). O que Jesus queria deixar claro é que, o mesmo espírito que repousara em Elias, estava com João Batista, com o mesmo denodo, coragem, ousadia e intrepidez. E as perguntas continuaram, porque os sacerdotes e levitas “tinham que levar uma resposta para aqueles que os enviaram” (cf Jo 1,22). João afirma que não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta.
João só pretende ser “uma voz gritando no deserto” e alertar a todos que “Aplainem o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaias.” (Jo 1,23). Perguntado: “Porque é que você batiza, se não é o Messias, nem Elias, nem o Profeta? João respondeu: ‘Eu batizo com água, mas no meio de vocês existe alguém que vocês não conhecem, e que vem depois de mim. Eu não mereço nem sequer desamarrar a correia das sandálias dele.” (Jo 1,25-27).
Jesus mesmo afirma que João Batista foi uma de suas maiores testemunhas, e diz que João era “uma lâmpada acesa e iluminava”: “Se eu dou testemunho de mim mesmo, meu testemunho não vale. Mas há outro que dá testemunho de mim, e eu sei que o testemunho que ele dá é válido. Vocês mandaram mensageiro a João, e ele deu testemunho da verdade. Eu não preciso do testemunho de um homem, mas falo isso para que vocês sejam salvos. João era uma lâmpada que estava acesa e iluminava. Vocês quiseram se alegrar com a sua luz.” (Jo 5,31-35). Como precursor e testemunha do Messias, João Batista anunciou: “Eu batizo vocês com água. Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. Eu não sou digno nem sequer de desamarrar a correia das sandálias dele. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo. Ele terá na mão uma pá; vai limpar sua eira, e recolher o trigo em seu celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga.” (Lc 3,16-17). Jesus lamenta pelos judeus, principalmente as autoridades políticas e religiosas do povo, não terem dado crédito a João Batista: “Pois eu garanto a vocês: os cobradores de impostos e as prostitutas vão entrar antes de vocês no Reino do Céu. Porque João veio até vocês para mostrar o caminho da justiça, e vocês não acreditaram nele. Vocês, porém, mesmo vendo isso, não se arrependeram para acreditar nele”. (Mt 21,31-32).
João deixou-nos um belo exemplo de humildade. Quando lhe informaram que Jesus estava batizando, (cf Jo 3,22-29) em vez de sentir inveja, respondeu: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). João foi o último profeta a quem “veio a palavra de Deus”, do mesmo modo que falava o Senhor aos outro profetas do Antigo Testamento: “Foi nesse tempo que Deus enviou a sua palavra a João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc. 3.2), da mesma forma que fora enviada ao profeta Jeremias: “A palavra de Yahweh lhe foi dirigida (a Jeremias) no décimo terceiro ano do reinado de Josias...” (Jr 1,2).
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