SEGUNDO DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano – A; Cor – Verde; Leituras: Is 49,3.5-6; Salmo 39(40); 1Cor 1,1-3;
Jo 1,29-34.
“EIS O CORDEIRO DE DEUS, AQUELE QUE TIRA O PECADO DO MUNDO”. (Jo
1,29).
Diácono
Milton Restivo
No primeiro domingo do Tempo Comum a Igreja comemorou
a recordação do batismo de Jesus por João Batista. Neste segundo domingo João
torna pública a identidade de Jesus no seu ministério: “Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o
pecado do mundo”. (Jo 1,29).
Em toda santa Missa
que participamos, durante a fração do pão eucarístico, ouvimos o presidente da
celebração dizer: “Eis o Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo” e respondemos convictos e compungidos: “Senhor, eu não sou digno (a) de que entreis
em minha morada. Mas dizei uma palavra e serei salvo (a)”. Esta aclamação
foi introduzida na santa missa pelo Papa Sérgio II (687-701). Quando Jesus é
chamado de Cordeiro de Deus no Evangelho segundo João em 1,29 e 1,36, é uma
referência ao fato de que ele é o sacrifício perfeito e definitivo pelo pecado
do mundo e de todos os homens. Para podermos compreender quem Jesus era e o que
fez, precisamos voltar ao Velho Testamento onde encontramos as profecias sobre
a vinda do Messias como expiação do pecado, principalmente no livro de Isaias: “No entanto, Yahweh queria esmagá-lo com o
sofrimento: se ele entrega a sua vida em reparação pelos pecados, então
conhecerá os seus descendentes, prolongará a sua existência e, por meio dele, o
projeto de Yahweh triunfará”. (Is 53,10); “Mas ele estava sendo
transpassado por causa de nossas revoltas, esmagado por nossos crimes. Caiu
sobre ele o castigo que nos deixaria quites; e por suas feridas é que veio a
cura para nós.” (Is 53,5;
2Cor 5,21; Rm 4,25; Gl 3,13).
O termo “Cordeiro
de Deus” é uma expressão que aparece
no Novo Testamento, no Evangelho de João, onde João Batista diz de Jesus: "Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que
tira o pecado do mundo" (Jo 1,29; 1,36). Quando João Batista aponta
para Jesus e o chama de Cordeiro de Deus, ele está dizendo que Jesus veio para
morrer a nossa morte; que Jesus veio nos aspergir com o seu sangue e nos trazer
a salvação; que Jesus veio para levar consigo o nosso sofrimento, a nossa dor e
o nosso pecado; que Jesus veio para imolar a sua vida no altar do Pai, mas,
acima de tudo, veio para triunfar sobre todos os poderes inimigos que tentam
subjugar os seus discípulos, por isso ele é “o
Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo”.
Nas Sagradas
Escrituras a primeira menção sobre sacrificar um cordeiro em lugar de alguém
que estava destinado à morte aparece no livro do Gênesis, 22,1-18, quando
Yahweh submete Abraão à grande prova da fé. Para Abrahão provar a sua fé a
Yahweh teria de sacrificar o seu próprio e único filho Isaac, imolando-o e
queimando-o numa pira de lenha, como era costume para os sacrifícios de animais,
conforme Yahweh lhe havia determinado: “Abraão,
tome seu filho, seu único filho Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e
ofereça-o ai em holocausto, sobre uma montanha, que eu vou lhe mostrar”. (Gn
22,2). No caminho, Isaac, sabendo que iam fazer um holocausto a Yahweh e vendo
que não levavam a vítima, pergunta ao seu pai: “’Pai, aqui estão o fogo e a lenha. Mas onde está o cordeiro para o
holocausto? ’ Abraão respondeu: ‘Deus providenciará o cordeiro para o holocausto,
meu filho’”. (Gn 22,6-8).
Porém, quando
Abraão ia consumar a ordem de Yahweh, um anjo interveio e impediu que Abraão
sacrificasse seu filho Isaac: “Não
estenda a mão contra o menino! Não lhe faça nenhum mal! Agora sei que você teme
a Deus, pois não me recusou seu filho único.” (Gn 22,12).
Mas o
holocausto deveria ser realizado de qualquer forma e “Abraão ergueu os olhos e viu um cordeiro preso pelos chifres num
arbusto; pegou o cordeiro e o ofereceu em holocausto no lugar do seu filho.” (Gn
22,13). Isaac é substituído por um
cordeiro que é sacrificado em seu lugar.
Foi o primeiro
prenúncio de Jesus, o Messias, como o Cordeiro de Deus que deveria ser
sacrificado para que, como Isaac, os homens todos não fossem sacrificados pelos
seus pecados: “Foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca;
tal como cordeiro ele foi levado para o matadouro; como ovelha muda diante do
tosquiador, ele não abriu a boca.” (Is 53,7; Mt 26,63; 1Pd 2,23; At 8,32-33; Jo 1,29). E Jesus ficou calado diante de seus torturadores:
“Pilatos entrou outra vez no palácio e
perguntou a Jesus: ‘Donde és tu?’ Jesus ficou calado”. (Jo 19,9).
Isaias não para por ai: “Todavia,
eram as nossas doenças que ele carregava, eram as nossas dores que ele levava
em suas costas. E nós achávamos que ele era um homem castigado, um homem ferido
por Deus e humilhado. Mas ele estava sendo transpassado por causa de nossas
revoltas, esmagado por nossos crimes. Caiu sobre ele o castigo que nos deixaria
quites; e por suas feridas é que veio a cura para nós.” (Is 53,4-5; 2Cor 5,21; Rm 4,25; Gl 3,13).
Mas, existe um fato de suma importância no início
dessa passagem do teste de Yahweh para com Abraão que se repetiu no chamamento
de Moisés, que não podemos deixar passar desapercebido: a maneira como Yahweh
chamou Abraão e Moisés, pessoas de importância vital para o povo israelita, e a
mesma resposta que eles deram ao chamamento de Yahweh.
Para Abraão Yahweh chamou o seu nome por duas
vezes (Gn 22,1), o mesmo acontecendo com Moisés, tendo o seu nome repetido por
Yahweh por duas vezes (Ex 3,4), e a resposta de ambos foi a mesma: “Eis-me aqui” (Gn 22,1; Ex 3,4). O
Senhor chama o seu escolhido repetindo o seu nome por duas vezes e aquele que
está aberto ao chamamento de Yahweh responde prontamente: “Eis-me aqui”. A partir dai Yahweh determina o motivo de seu
chamamento: A Abraão o teste de sua fé; a Moisés, a libertação de seu povo.
Qual tem sido a nossa resposta ao Senhor nosso Deus quando ele nos chama pelo
nosso nome? Na missão de Moisés, como foi na de Abraão, também aparece um
cordeiro para livrar todos os primogênitos dos hebreus da morte no Egito (Ex
12,1-14). Yahweh determina a Moisés que o cordeiro a ser sacrificado deveria
ser macho, sem defeito, de um ano, isto é, sem ter sido usado, ainda, para a
procriação (Ex 12,5).
No livro do Deuteronômio Yahweh determina que o
cordeiro seja um primogênito, ou seja, o primeiro, aquele que abriu o ventre de
sua mãe, e que não tenha defeitos (Dt 15,21).
Na fuga dos hebreus do Egito o sangue do cordeiro
imolado deveria ser passado sobre as portas das casas dos hebreus, e isso os
livararia do anjo da morte: “Pegarão o
sangue e o passarão sobre os dois batentes e sobre a travessa da porta, nas
casas onde comerem o animal. [...] Nessa
noite, eu passarei pela terra do Egito, matarei todos os primogênitos egípcios,
desde os homens até os animais. [...] O
sangue nas casas será um sinal de que vocês estão dentro dela: ao ver o sangue,
eu passarei adiante. E o flagelo destruidor não atingirá vocês, quando eu ferir
o Egito. Esse dia será para vocês um memorial, pois nele celebrarão uma festa
de Yahweh. Vocês o celebrarão como um rito permanente, de geração em geração”. (Ex
12,7.12.13-14). Observemos a última frase: “Vocês
o celebrarão como um rito permanente, de geração em geração”. Quando Jesus
anuncia a Nova Aliança no seu sangue, ele determina que isso seja feito em
memória dele de geração em geração: “Do
mesmo modo, após a Ceia, tomou também o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a Nova
Aliança no meu sangue: todas as vezes que vocês beberem dele, façam isso em
memória de mim’” (1Cor 11,25), da mesma maneira que Moisés falara quando
aspergia o sangue dos cordeiros imolados sobre o povo: “Este é o sangue da Aliança que Yahweh faz com vocês”. (Ex 24,8).
Como o sangue do cordeiro salvou os primogênitos
dos hebreus da morte no Egito, o sangue do Cordeiro de Deus imolado no Calvário
e que tingiu a cruz, salva a todos os que aderirem ao seu batismo e às suas
recomendações evangélicas.
A Carta aos Hebreus atribui a Jesus, o Messias, o
símbolo do cordeiro que era sacrificado pelos sacerdotes no Antigo Testamento
(Ex 29,1-37), quando afirma: De fato,
depois que o sumo sacerdote oferece o sangue no santuário pelos pecados do
povo, os corpos dos animais oferecidos em sacrifício são queimados fora do
recinto sagrado. Por esse motivo também Jesus sofreu sua paixão fora de
Jerusalém quando purificou o povo com o seu próprio sangue”. (Hb 13,11-12).
Isaias atribui a Jesus a figura profética do
cordeiro: “Foi oprimido e humilhado, mas
não abriu a boca; tal como cordeiro, ele foi levado para o matadouro; como
ovelha muda diante do tosquiador, ele não abriu a boca.” (Is 53,7). O
sistema de sacrifícios estabelecido por Deus no Antigo Testamento preparou o
terreno para a vinda de Jesus, o Cristo, o perfeito sacrifício que Deus
providenciou como expiação pelos pecados de seu povo: “Deus tornou possível aquilo que para a Lei era impossível, porque os
instintos egoístas a tornaram impotente. Ele enviou o seu próprio Filho numa
condição semelhante à do pecado, em vista do pecado, e assim condenou o pecado
na sua carne mortal”. (Rm 8,3); “Irmãos,
com toda segurança podemos entrar no santuário, por meio do sangue de Jesus. Ele
inaugurou para nós esse caminho novo e vivo, através da cortina, isso é, da sua
própria carne”. (Hb 10,19-20). O
cordeiro é o símbolo mais antigo da salvação de um povo e da Páscoa desse povo.
Hoje o “Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo” é a realidade mais nova da Nova Aliança, a Aliança
inaugurada no sangue de Jesus derramado no Calvário.
No Novo
Testamento Cristo é o Cordeiro de Deus sacrificado uma vez por todas em prol da
salvação de toda a humanidade. É a nova Aliança de Deus realizada por seu
Filho, agora não só com um povo, mas com todos os povos. No Antigo Testamento a
Páscoa era celebrada com os pães sem fermento, os pães ázimos e com o
sacrifício de um cordeiro como recordação do grande feito de Deus em prol de
seu povo: a libertação da escravidão do Egito.
Assim o povo de
Israel celebrava a libertação e a aliança de Deus com seu povo.
Hoje, na
Eucaristia, o povo de Deus se alimenta do pão que lhe é oferecido por Jesus: “A seguir, Jesus tomou o pão, agradeceu a
Deus, o partiu e distribuiu a eles, dizendo: ‘Isto é meu corpo, que é dado por
vocês. Façam isso em memória de mim’”. (Lc 22,19).
Para os
cristãos o centro da fé será sempre o Cristo que morreu e ressuscitou para
mostrar que o Reino de Deus pregado por ele está presente e vivo entre os
homens.
O livro das Sagradas Escrituras que mais
descreve Jesus como o Cordeiro, é o Apocalipse.
Mais de vinte e oito vezes no último livro da Bíblia, Jesus é identificado como
o Cordeiro.
O Cordeiro no Apocalipse é uma figura com poder absoluto, é um Cordeiro
vitorioso. O papel dele de sacrifício é central, mas ele se apresenta como o Cordeiro
que foi morto, mas agora vive.
Pelo seu sangue, ele dá a vitória aos fiéis
e lava as vestiduras deles: “Um dos
Anciãos tomou a palavra e me perguntou: ‘Você sabe quem são e de onde vieram
esses que estão vestidos com roupas brancas?’ Eu respondi: ‘Não sei não,
Senhor! O Senhor é quem sabe.’ Ele então me explicou: ‘São os que vêm chegando
da grande tribulação. Eles lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do
Cordeiro’”. (Apo 7,13-14). O Cordeiro, também descrito como o Leão de Judá,
é o único digno de abrir os selos do livro para revelar e executar a vontade de
Deus: “Um dos anciãos me consolou: ‘Pare
de chorar! O Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi venceu! Ele é capaz de
romper os selos e abrir o livro!”(Apo 5,5). Ele é digno, também, de receber
a adoração de todas as criaturas no céu e na terra: “O Cordeiro imolado é digno de receber o poder, a riqueza, a sabedoria,
a força, a honra, a glória e o louvor”. (Apo 5,12). O Cordeiro aparece no monte
Sião com os fiéis da terra: “O Cordeiro
estava de pé sobre o monte Sião. Com ele os cento e quarenta e quatro mil que
traziam a fronte marcada com o nome dele e o nome de seu Pai”. (Apo 14,1).
Um dos fatos mais impressionantes sobre o
Cordeiro do Apocalipse é que
ele é um guerreiro vitorioso. Apesar da imagem comum de cordeiros como animais
mansos e inofensivos, o Cordeiro de Deus é um forte vencedor, garantindo a
vitória dos fiéis que estejam com ele: “Todos
juntos farão guerra contra o Cordeiro. Mas o Cordeiro os vencerá, porque o
Cordeiro é Senhor dos senhores e Rei dos reis. E com ele, vencerão também os
chamados, os escolhidos e os fieis”. (Apo 17,14). Por outro lado, aqueles
que rejeitam o Cordeiro são punidos diante dele: “Se alguém adora a Besta e a imagem dela, e recebe a sua marca na
fronte ou na mão, esse também vai beber o vinho do furor de Deus, derramado sem
mistura na taça de sua ira. Será atormentado com fogo e enxofre diante dos
santos Anjos e diante do Cordeiro”. (Apo 14,9-10). No final do livro do Apocalipse
os discípulos são chamados às bodas do Cordeiro, quando ele recebe sua noiva,
que é a Igreja: “Vamos ficar alegres e
contentes, vamos dar glória a Deus, porque chegou o tempo do casamento do
Cordeiro, e sua esposa já está pronta: concederam que ela se vestisse de linho
puro e brilhante, - pois o linho representa o comportamento justo dos santos.
Logo em seguida o Anjo me disse: ‘Escreva: Felizes os convidados para o
banquete do casamento do Cordeiro”. (Apo 19,7-9).
Através dos séculos o cordeiro tem chamado a
atenção por sua natureza de mansidão.
Em seu espírito de humildade, Jesus personifica o cordeiro. Vinte e oito
vezes no livro de Apocalipse, João usa a palavra que descreve Jesus como Cordeiro. Se tivesse ficado com
desejo de vingança, quando no momento de sua prisão, Jesus poderia ter mandado
descer dos céus doze legiões de anjos para destruírem seus inimigos: “Ou você pensa que eu não poderia pedir
socorro ao meu Pai? Ele me mandaria logo mais de doze legiões de anjos”. (Mt
26,53). Pedro, mais tarde, diria na sua carta: “quando insultado, não revidava; ao sofrer, não ameaçava. Antes,
depositava sua causa nas mãos daquele que julga com justiça. Através dos
ferimentos dele é que fomos curados, pois estavam desgarrados como ovelhas, mas
agora retornaram ao seu Pastor e Guardião”. (1Pd 2,23-25).
Por isso, Jesus é o “cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado
do mundo”. (Jo 1,29.36).
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