sábado, 24 de junho de 2017

“AQUELE QUE DER TESTEMUNHO DE MIM DIANTE DOS HOMENS...” (Mt 10,32).

XII DOMINGO DO TEMPO COMUM

“AQUELE QUE DER TESTEMUNHO DE MIM DIANTE DOS HOMENS...” (Mt 10,32).

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Diácono Milton Restivo

Passados o Tempo da Quaresma, o Tempo Pascal e a festa da solenidade da Santíssima Trindade, estamos de volta ao Tempo Comum e, por estarmos no Ano Litúrgico “A”, retornamos ao Evangelho segundo Mateus.
Na primeira leitura desta liturgia aparece o profeta Jeremias.
Jeremias é o profeta da esperança. Seu livro é o maior da Bíblia, por conter mais palavras que qualquer outro livro. É o mais simpático dos profetas e também aquele de quem possuamos notícias mais abundantes, quase todas transmitidas por seu próprio livro.
Jeremias nasceu por volta do ano 646 aC, em Anatot, nas proximidades de Jerusalém, de família sacerdotal e já predestinado ao ministério profético (Jr 1,5). No décimo terceiro ano do reinado de Josias (626 aC), Jeremias foi chamado por Deus e por ele enviado a levar a sua mensagem aos reinos e às nações, mensagem em que predominam as ameaças e as ruínas, mas que é rica também de promessas de restauração (1,9-10).
Apesar da relutância por parte de sua índole bonachona e um pouco tímida, o jovem Jeremias respondeu ao apelo divino com generoso espírito de sacrifício, acrescido em face das oposições que lhe foram preditas (1,17-19) e do celibato que lhe foi imposto por expressa ordem divina.
Sobre a questão política, cultural e religiosa, a introdução do livro de Jeremias, feita pela Bíblia do Peregrino, ajuda a entender que durante a segunda metade do século VII aC a Assíria declina rapidamente, desmorona e cede diante do ataque combinado de medos e babilônios. É exatamente nesse período, meio como conturbado, que aparece essa figura profética. 
     É importante também percebermos que houve, da parte de Jeremias, certa resistência ao chamado de Deus (Jr 1,6). Expressa assim o temor causado pela amplidão e pela dificuldade do empreendimento. O propósito de Jeremias como profeta era, sem dúvida, transmitir a mensagem do Senhor. Ao fazer isso, ele queria reconciliar o povo com Deus e avisá-lo sobre as consequências de permanência nesta conduta.
O objetivo do livro é registrar as profecias de Jeremias, mas também contar algo sobre o homem Jeremias e seu destino como profeta de Deus, em conflito com o povo e com o Senhor.
Na leitura desta liturgia Jeremias mostra-se perseguido até pelos seus amigos: “... todos os meus amigos esperam que eu tropece” (Jr 20,10c) e ele coloca toda a sua confiança no seu Deus: “Yahweh está do meu lado como valente guerreiro. [...] Yahweh dos exércitos, tu que examinas o justo e vês os rins e o coração, que eu possa ver a tua vingança contra eles, pois foi a ti que eu confiei a minha causa” (Jr 20,11.12), e termina com um canto de louvor a Yahweh: “Cantem a Yahweh, louvem a Yahweh, pois ele livrou a vida do pobre das mãos dos malvados” (Jr 20,13).
O Salmo 68 dá ao salmista a certeza da presença de Deus em sua vida. O salmista sente-se injustiçado e perseguido e eleva a Yahweh um grito de socorro. O primeiro efeito da presença de Yahweh é o estabelecimento da justiça. O servo servidor pede socorro.
Este Salmo é citado várias vezes no Novo Testamento, especialmente em relação ao sofrimento de Cristo. Nem tudo neste cântico se aplica a Jesus. Podemos melhor entendê-lo como um Salmo do sofrimento de um servo de Deus (Davi) que fornece as imagens necessárias para melhor compreender a angústia de Jesus.
Nos versículos de 1 a 4 deste Salmo o salmista sente-se injustiçado e pede o livramento dos seus perseguidores, alegando que seus inimigos o castigaram sem motivo e Jesus, no Evangelho de João, faz também essa mesma queixa: “Deste modo se realiza o que está escrito na Lei deles: ‘Odiaram-me sem motivo” (Jo 15,25).
Também o contexto dos versículos de 9 a 12 é aplicado a Jesus. O Salmista, no versículo 10a, diz: “Porque o zelo de tua casa me devora...”, e João, no seu Evangelho, diz a respeito de Jesus: “Seus discípulos se lembraram do que diz a Escritura: ‘O zelo pela tua casa me devora” (Jo 2,17).
No versículo 10b o salmista acrescenta: ... e as afrontas com que te afrontam  recaem sobre mim”, tendo Paulo se lembrado disso na sua carta aos Romanos: “Cristo não procurou agradar a si mesmo, ao contrário, , como diz a Escritura: ‘os insultos daqueles que te insultam caíram sobre mim’.”
Os quatro Evangelistas referenciam, no sofrimento de Jesus, o que o salmista disse: “Como alimento me deram fel, e na minha sede me deram vinagre” (Sl 68,22).
Mateus escreve: “Aí deram vinho misturado com fel para Jesus beber... [...] E logo um deles foi correndo pegar uma esponja, a ensopou em vinagre, colocando-a na ponta de uma vara, e deu ara Jesus beber” (Mt 27,34.48).
Marcos atesta: “Deram-lhe vinho misturado com mirra... [...] Alguém correndo, encheu de vinagre uma esponja, colocando-a na ponta de uma vara, e deu para Jesus beber” (Mc 15,23.36).
Lucas afirma: “Os soldados também caçoavam dele. Aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: ‘Se tu és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo” (Lc 23,36-37).
João testemunha: “Depois disso, sabendo que tudo estava realizado, para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: ‘Tenho sede”. Havia ai uma jarra cheia de vinagre. Amarraram uma esponja ensopada de vinagre numa vara, e aproximaram a espoja da boca de Jesus. Ele tomou vinagre e disse: ‘Tudo está realizado’. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,28-30).
Na segunda leitura Paulo, escrevendo aos Romanos, faz um paralelo entre Adão e Jesus Cristo, a morte e a vida, onde a vida supera a morte. Paulo referencia essas duas figuras, mostrando duas consequências: Adão-Cristo, pecado-graça, morte-vida, conforme explica o rodapé da Bíblia Edição Pastoral. Paulo contrapõe a supremacia de Cristo e do reino da graça sobre Adão e o reino do pecado. O rodapé da Bíblia de Jerusalém explica que o pecado separa o homem de Deus. Esta separação é a morte, morte espiritual e eterna da qual a morte física é sinal.
O rodapé da Bíblia do Peregrino afirma que Paulo expõe a libertação do pecado e da morte, na grande comparação entre Adão e Cristo. Afirma que é um texto árduo e difícil, como se Paulo estivesse lutando para compreender e formular um mistério.
O capítulo 10 do Evangelho de Mateus é peculiar: é um momento de intimidade de Jesus com os seus discípulos mais chegados, os que seriam seus apóstolos. Jesus separa seus discípulos do meio da multidão e fica sozinho com eles porque, o que ele vai falar, é de interesse exclusivo de seus discípulos. É para a formação deles. Este capítulo inicia-se exatamente assim, conforme a Bíblia de Jerusalém: “Chamou os doze discípulos...” (Mt 10,1).
A partir daí Jesus dá início ao núcleo da nova comunidade dando-lhe uma missão.
Começa por escolher doze de seus discípulos para serem seus apóstolos, suas testemunhas (Mt 10,1-4), determinando a eles o que deveria ser feito: indicando a eles o caminho que deveriam seguir, anunciar a todos o Reino de Deus, curar os doentes, ressuscitar os mortos, curar os leprosos, expulsar os demônios (entenda-se, vencer o mal), não cobrar nada por esse serviço, não acumular bens, viver com o que Deus provê no dia a dia e o que deveriam levar para essa missão (Mt 10,5-15). Essa seria a vocação dos apóstolos e a missão para a qual eles estavam sendo convocados.
Dar de graça o que de graça receberam (Mt 10,8b).
Deveriam ser prudentes como a serpente e simples como as pombas (Mt 10,16). Ser prudente é não se deixar levar pela vã glória dos elogios fáceis e demagogos conseguidos pelo bem que fora feito e jamais se julgar igual ou mais que o Mestre porque “o discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor. Para o discípulo basta ser como seu mestre e para o servo ser como o seu senhor” (Mt 10,24-25).
Os discípulos terão o mesmo destino de Jesus: sofrer as consequências da missão que liberta e dá vida nova. Essa missão atingirá os interesses de muitos contrários aos ensinamentos de Jesus e, por isso, provocará a perseguição, a divisão e o ódio, até mesmo dentro das famílias (Mt 10,17-18).
Como o Mestre fora perseguido, os discípulos não poderiam esperar coisa diferente porque, quem se dedica à missão de evangelizar são como ovelhas no meio de lobos e serão injustiçados, perseguidos, caluniados, odiados de todos por causa do nome do Mestre (Mt 10,16-23).
Após dizer coisas terríveis que poderiam acontecer, Jesus lhes dá um alento: “Quando entregarem vocês aos tribunais, não fiquem preocupados como ou com o que vocês devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irmão falar, e sim o Espírito do Pai de vocês que falará através de vocês” (Mt 10, 19-20). Nos momentos difíceis, o discípulo deve contar com a ajuda do Espírito Santo. É ele quem lhe dará forças para proclamar, com destemor, sua fé.
Ser amado por Deus não quer dizer viver sem problemas, mas ter certeza de que, haja o que houver, Jesus está presente em nossa vida, porque sem ele nada podemos, não daremos frutos: “Vocês também não poderão dar frutos, se não ficarem unidos a mim. Eu sou a videira e vocês os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15,4-5).
No Apocalipse 3,19, encontramos: “Quanto a mim, repreendo e educo a todos aqueles que amo”. Se Deus permite a perseguição, o sofrimento é porque nos ama e para não ficarmos vangloriando dos bens realizados, porque, depois de haver feito tudo bem feito, devemos nos julgar servos inúteis: Assim também vocês, depois de haverem feito tudo o que lhes foi ordenado, digam: Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10).
A oração de agradecimento após a comunhão de Santo Tomás de Aquino inclui uma frase similar ao último verso desta parábola: “Eu te agradeço, Oh Senhor, Todo-Poderoso Pai, Eterno Deus, que considerou por bem, não por meus méritos, mas pela condescendência de sua bondade, satisfazer-me como pecador, este seu servo inútil.
Para ser seu discípulo, Jesus orienta para ser manso. Ser manso é deixar-se envolver pela certeza de que está fazendo exatamente aquilo que Jesus faria no seu lugar.
Nas bem-aventuranças Jesus exalta a mansidão, quando diz: “Felizes, os mansos, porque possuirão a terra” (Mt 5,5) e Jesus coloca-se como modelo de mansidão: Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso de seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30).
Nessa exortação aos apóstolos, Jesus orienta para que não tenham medo (Mt 10,26.28), e aquilo que ele diz a cada um em segredo deve ser proclamado à luz do dia e sobre os telhados (Mt 10,27), isto é, aquilo que Jesus deixa claro nas Escrituras e no coração de cada seguidor seu, deve ser proclamado aos quatro ventos, como disse Paulo: “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim: pelo contrário, é uma necessidade que me foi imposta. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” (1Cor 9,16).
O medo é um dos maiores obstáculos para muitas pessoas de boa vontade de serem apóstolas.
Tem medo de fracassar. Tem medo de ser mal entendida. Tem medo de comentários. Tem medo de sofrer violência ou chacotas. Tem medo das renúncias que tem que fazer ao assumir um apostolado responsável. Tem medo de não ser aceito até pelos próprios familiares. Ignora-se o que Jesus disse aos seus apóstolos: “Não tenham medo...” (Mt 10,26.28).
O cristão tem como tarefa testemunhar publicamente sua fé. “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”. Este testemunho acontece no seio de um mundo hostil, nem sempre disposto a acolher mensagem do Reino. E Paulo complementa: “Pregando o Evangelho, eu o prego gratuitamente, sem usar dos direitos que a pregação do Evangelho me confere” (1Cor 9,18). Dar de graça o que de graça recebeu (Mt 10,8).
E, como diz o Padre Jaldemir Vitório, Jesuíta, em uma de suas exortações, o discípulo encontra-se, muitas vezes, em situações nas quais sua fé é posta em xeque. É, então, o momento de se decidir a favor ou contra Jesus. É sua vida que está em jogo: renegá-lo significa sobreviver, tomar partido em favor dele significa morrer. Evidentemente, a decisão fica por conta do discípulo. Se tiver uma fé robusta e coragem suficiente para suportar as consequências de sua opção, será capaz de declarar sua fé. Se, pelo contrário, tiver uma fé inconsistente e um caráter frágil, negará sua condição de discípulo de Jesus, declarando não conhecê-lo.”
Jesus encoraja seus discípulos: “Não tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Pelo contrário, tenham medo daquele que pode arruinar a alma e o corpo no inferno” (Mt 10,28).
Em toda a sua existência a nossa Igreja tem exemplos maravilhosos de cristãos que preferiram dar a vida do que contrariar os ensinamentos de Jesus. Exemplos recentes temos no norte e nordeste do nosso país, como o Padre Ezequiel, a Irmã Dóroty e tantos outros.
A esses que não renegaram a Jesus diante dos homens e que deram testemunho de Jesus diante dos homens, Jesus dará testemunho deles diante do Pai: “Todo aquele que der testemunho de mi diante dos homens, também eu darei testemunho deles diante do meu Pai que está no céu” (Mt 10,32). Mas, àqueles que não levaram à sério a mensagem de Jesus e o ignoraram e o renegaram, Jesus terá uma atitude inversa: “Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, eu também o renegarei diante do meu Pai que está no céu” (Mt 10,33).
Se Deus cuida até dos pardais, quanto mais de nós, que valemos muito mais do que muitos pardais (Mt 10,29).  Estamos todos nas mãos de Deus, e nada nos faltará. Se faltar, não foi por culpa dele, que respeita a liberdade até dos que nos oprimem e martirizam. A recompensa será magnífica! 

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