XII DOMINGO DO TEMPO COMUM
“AQUELE QUE DER TESTEMUNHO DE MIM DIANTE DOS
HOMENS...” (Mt
10,32).
Diácono Milton Restivo
Passados o Tempo
da Quaresma, o Tempo Pascal e a festa da solenidade da Santíssima Trindade,
estamos de volta ao Tempo Comum e, por estarmos no Ano Litúrgico “A”,
retornamos ao Evangelho segundo Mateus.
Na primeira
leitura desta liturgia aparece o profeta Jeremias.
Jeremias é o
profeta da esperança. Seu livro é o maior da Bíblia, por conter mais palavras
que qualquer outro livro. É o mais simpático dos profetas e também aquele de
quem possuamos notícias mais abundantes, quase todas transmitidas por seu próprio
livro.
Jeremias nasceu
por volta do ano 646 aC, em Anatot, nas proximidades de Jerusalém, de família
sacerdotal e já predestinado ao ministério profético (Jr 1,5). No décimo
terceiro ano do reinado de Josias (626 aC), Jeremias foi chamado por Deus e por
ele enviado a levar a sua mensagem aos reinos e às nações, mensagem em que
predominam as ameaças e as ruínas, mas que é rica também de promessas de
restauração (1,9-10).
Apesar da
relutância por parte de sua índole bonachona e um pouco tímida, o jovem
Jeremias respondeu ao apelo divino com generoso espírito de sacrifício,
acrescido em face das oposições que lhe foram preditas (1,17-19) e do celibato
que lhe foi imposto por expressa ordem divina.
Sobre a questão
política, cultural e religiosa, a introdução do livro de Jeremias, feita pela
Bíblia do Peregrino, ajuda a entender que durante a segunda metade do século
VII aC a Assíria declina rapidamente, desmorona e cede diante do ataque
combinado de medos e babilônios. É exatamente nesse período, meio como
conturbado, que aparece essa figura profética.
É importante
também percebermos que houve, da parte de Jeremias, certa resistência ao
chamado de Deus (Jr 1,6). Expressa assim o temor causado pela amplidão e pela
dificuldade do empreendimento. O propósito de Jeremias como profeta era, sem
dúvida, transmitir a mensagem do Senhor. Ao fazer isso, ele queria reconciliar
o povo com Deus e avisá-lo sobre as consequências de permanência nesta conduta.
O objetivo do
livro é registrar as profecias de Jeremias, mas também contar algo sobre o
homem Jeremias e seu destino como profeta de Deus, em conflito com o povo e com
o Senhor.
Na leitura desta
liturgia Jeremias mostra-se perseguido até pelos seus amigos: “... todos os meus amigos esperam que eu
tropece” (Jr 20,10c) e ele coloca toda a sua confiança no seu Deus: “Yahweh está do meu lado como valente
guerreiro. [...] Yahweh dos
exércitos, tu que examinas o justo e vês os rins e o coração, que eu possa ver
a tua vingança contra eles, pois foi a ti que eu confiei a minha causa” (Jr
20,11.12), e termina com um canto de louvor a Yahweh: “Cantem a Yahweh, louvem a Yahweh, pois ele livrou a vida do pobre das
mãos dos malvados” (Jr 20,13).
O Salmo 68 dá ao
salmista a certeza da presença de Deus em sua vida. O salmista sente-se
injustiçado e perseguido e eleva a Yahweh um grito de socorro. O primeiro
efeito da presença de Yahweh é o estabelecimento da justiça. O servo servidor
pede socorro.
Este Salmo é
citado várias vezes no Novo Testamento, especialmente em relação ao sofrimento
de Cristo. Nem tudo neste cântico se aplica a Jesus. Podemos melhor
entendê-lo como um Salmo do sofrimento de um servo de Deus (Davi) que
fornece as imagens necessárias para melhor compreender a angústia de Jesus.
Nos versículos
de 1 a 4 deste Salmo o salmista sente-se injustiçado e pede o livramento dos
seus perseguidores, alegando que seus inimigos o castigaram sem motivo e Jesus,
no Evangelho de João, faz também essa mesma queixa: “Deste modo se realiza o que está escrito na Lei deles: ‘Odiaram-me sem
motivo” (Jo 15,25).
Também o
contexto dos versículos de 9 a 12 é aplicado a Jesus. O Salmista, no versículo
10a, diz: “Porque o zelo de tua casa me
devora...”, e João, no seu Evangelho, diz a respeito de Jesus: “Seus discípulos se lembraram do que diz a
Escritura: ‘O zelo pela tua casa me devora” (Jo 2,17).
No versículo 10b
o salmista acrescenta: ... e as afrontas
com que te afrontam recaem sobre mim”,
tendo Paulo se lembrado disso na sua carta aos Romanos: “Cristo não procurou agradar a si mesmo, ao contrário, , como diz a
Escritura: ‘os insultos daqueles que te insultam caíram sobre mim’.”
Os quatro Evangelistas
referenciam, no sofrimento de Jesus, o que o salmista disse: “Como alimento me deram fel, e na minha sede
me deram vinagre” (Sl 68,22).
Mateus escreve: “Aí deram vinho misturado com fel para Jesus
beber... [...] E logo um deles foi
correndo pegar uma esponja, a ensopou em vinagre, colocando-a na ponta de uma
vara, e deu ara Jesus beber” (Mt 27,34.48).
Marcos atesta: “Deram-lhe vinho misturado com mirra... [...]
Alguém correndo, encheu de vinagre uma
esponja, colocando-a na ponta de uma vara, e deu para Jesus beber” (Mc
15,23.36).
Lucas afirma: “Os soldados também caçoavam dele.
Aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre, e diziam: ‘Se tu és o rei dos judeus,
salva-te a ti mesmo” (Lc 23,36-37).
João testemunha:
“Depois disso, sabendo que tudo estava
realizado, para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: ‘Tenho sede”. Havia
ai uma jarra cheia de vinagre. Amarraram uma esponja ensopada de vinagre numa
vara, e aproximaram a espoja da boca de Jesus. Ele tomou vinagre e disse: ‘Tudo
está realizado’. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo
19,28-30).
Na segunda
leitura Paulo, escrevendo aos Romanos, faz um paralelo entre Adão e Jesus
Cristo, a morte e a vida, onde a vida supera a morte. Paulo referencia essas
duas figuras, mostrando duas consequências: Adão-Cristo, pecado-graça,
morte-vida, conforme explica o rodapé da Bíblia Edição Pastoral. Paulo contrapõe
a supremacia de Cristo e do reino da graça sobre Adão e o reino do pecado. O
rodapé da Bíblia de Jerusalém explica que o pecado separa o homem de Deus. Esta
separação é a morte, morte espiritual e eterna da qual a morte física é sinal.
O rodapé da Bíblia
do Peregrino afirma que Paulo expõe a libertação do pecado e da morte, na
grande comparação entre Adão e Cristo. Afirma que é um texto árduo e difícil,
como se Paulo estivesse lutando para compreender e formular um mistério.
O capítulo 10 do
Evangelho de Mateus é peculiar: é um momento de intimidade de Jesus com os seus
discípulos mais chegados, os que seriam seus apóstolos. Jesus separa seus
discípulos do meio da multidão e fica sozinho com eles porque, o que ele vai
falar, é de interesse exclusivo de seus discípulos. É para a formação deles. Este
capítulo inicia-se exatamente assim, conforme a Bíblia de Jerusalém: “Chamou os doze discípulos...” (Mt
10,1).
A partir daí Jesus
dá início ao núcleo da nova comunidade dando-lhe uma missão.
Começa por
escolher doze de seus discípulos para serem seus apóstolos, suas testemunhas
(Mt 10,1-4), determinando a eles o que deveria ser feito: indicando a eles o
caminho que deveriam seguir, anunciar a
todos o Reino de Deus, curar os doentes, ressuscitar os mortos, curar os leprosos,
expulsar os demônios (entenda-se, vencer o mal), não cobrar nada por esse
serviço, não acumular bens, viver com o que Deus provê no dia a dia e o que
deveriam levar para essa missão (Mt 10,5-15). Essa seria a vocação dos
apóstolos e a missão para a qual eles estavam sendo convocados.
Dar de graça o que de graça receberam (Mt 10,8b).
Deveriam ser prudentes como a serpente e simples
como as pombas (Mt 10,16). Ser prudente é não se deixar levar pela vã glória
dos elogios fáceis e demagogos conseguidos pelo bem que fora feito e jamais se
julgar igual ou mais que o Mestre porque “o
discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor. Para o
discípulo basta ser como seu mestre e para o servo ser como o seu senhor” (Mt
10,24-25).
Os discípulos terão o mesmo destino de Jesus:
sofrer as consequências da missão que liberta e dá vida nova. Essa missão
atingirá os interesses de muitos contrários aos ensinamentos de Jesus e, por
isso, provocará a perseguição, a divisão e o ódio, até mesmo dentro das
famílias (Mt 10,17-18).
Como o Mestre fora perseguido, os discípulos não
poderiam esperar coisa diferente porque, quem se dedica à missão de evangelizar
são como ovelhas no meio de lobos e serão injustiçados, perseguidos,
caluniados, odiados de todos por causa do nome do Mestre (Mt 10,16-23).
Após dizer coisas terríveis que poderiam acontecer,
Jesus lhes dá um alento: “Quando
entregarem vocês aos tribunais, não fiquem preocupados como ou com o que vocês
devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irmão falar, e sim o Espírito do
Pai de vocês que falará através de vocês” (Mt 10, 19-20). Nos momentos difíceis, o discípulo deve contar com a ajuda do Espírito
Santo. É ele quem lhe dará forças para proclamar, com destemor, sua fé.
Ser amado por Deus não quer dizer viver sem
problemas, mas ter certeza de que, haja o que houver, Jesus está presente em
nossa vida, porque sem ele nada podemos, não daremos frutos: “Vocês também não poderão dar frutos, se não
ficarem unidos a mim. Eu sou a
videira e vocês os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto,
porque sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15,4-5).
No Apocalipse
3,19, encontramos: “Quanto a mim, repreendo e educo a todos aqueles que
amo”. Se Deus permite a perseguição, o sofrimento é porque nos ama e
para não ficarmos vangloriando dos bens realizados, porque, depois de haver
feito tudo bem feito, devemos nos julgar servos inúteis: “Assim também vocês,
depois de haverem feito tudo o que lhes foi ordenado, digam: Somos servos
inúteis, fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10).
A oração de
agradecimento após a comunhão de Santo Tomás de Aquino inclui uma frase similar
ao último verso desta parábola: “Eu te agradeço, Oh Senhor, Todo-Poderoso
Pai, Eterno Deus, que considerou por bem, não por meus méritos, mas pela
condescendência de sua bondade, satisfazer-me como pecador, este seu servo
inútil.”
Para ser seu discípulo, Jesus orienta para ser
manso. Ser manso é deixar-se envolver pela certeza de que está fazendo
exatamente aquilo que Jesus faria no seu lugar.
Nas bem-aventuranças Jesus exalta a mansidão,
quando diz: “Felizes, os mansos, porque
possuirão a terra” (Mt 5,5) e Jesus coloca-se como modelo de mansidão: Venham para mim todos vocês que estão
cansados de carregar o peso de seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a
minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês
encontrarão descanso para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu
fardo é leve” (Mt 11,28-30).
Nessa exortação aos apóstolos, Jesus orienta para
que não tenham medo (Mt 10,26.28), e aquilo que ele diz a cada um em segredo
deve ser proclamado à luz do dia e sobre os telhados (Mt 10,27), isto é, aquilo
que Jesus deixa claro nas Escrituras e no coração de cada seguidor seu, deve
ser proclamado aos quatro ventos, como disse Paulo: “Anunciar o Evangelho não é título de glória para mim: pelo contrário,
é uma necessidade que me foi imposta. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”
(1Cor 9,16).
O medo é um dos maiores obstáculos para muitas
pessoas de boa vontade de serem apóstolas.
Tem medo de fracassar. Tem medo de ser mal
entendida. Tem medo de comentários. Tem medo de sofrer violência ou chacotas.
Tem medo das renúncias que tem que fazer ao assumir um apostolado responsável.
Tem medo de não ser aceito até pelos próprios familiares. Ignora-se o que Jesus
disse aos seus apóstolos: “Não tenham
medo...” (Mt 10,26.28).
O cristão tem como tarefa testemunhar publicamente sua fé. “Ai de mim se eu
não anunciar o Evangelho”. Este testemunho acontece no seio de um
mundo hostil, nem sempre disposto a acolher mensagem do Reino. E Paulo
complementa: “Pregando o Evangelho, eu o
prego gratuitamente, sem usar dos direitos que a pregação do Evangelho me
confere” (1Cor 9,18). Dar de graça o que de graça recebeu (Mt 10,8).
E, como diz o Padre Jaldemir
Vitório, Jesuíta, em uma de suas exortações, “o discípulo
encontra-se, muitas vezes, em situações nas quais sua fé é posta em xeque. É,
então, o momento de se decidir a favor ou contra Jesus. É sua vida que está em
jogo: renegá-lo significa sobreviver, tomar partido em favor dele significa
morrer. Evidentemente, a decisão fica por conta do discípulo. Se tiver uma fé
robusta e coragem suficiente para suportar as consequências de sua opção, será
capaz de declarar sua fé. Se, pelo contrário, tiver uma fé inconsistente e um
caráter frágil, negará sua condição de discípulo de Jesus, declarando não
conhecê-lo.”
Jesus encoraja seus discípulos: “Não
tenham medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Pelo
contrário, tenham medo daquele que pode arruinar a alma e o corpo no inferno” (Mt
10,28).
Em toda a sua existência a nossa Igreja tem exemplos maravilhosos de
cristãos que preferiram dar a vida do que contrariar os ensinamentos de Jesus.
Exemplos recentes temos no norte e nordeste do nosso país, como o Padre
Ezequiel, a Irmã Dóroty e tantos outros.
A esses que não renegaram a Jesus diante dos homens e que deram
testemunho de Jesus diante dos homens, Jesus dará testemunho deles diante do
Pai: “Todo aquele que der testemunho de
mi diante dos homens, também eu darei testemunho deles diante do meu Pai que
está no céu” (Mt 10,32). Mas, àqueles que não levaram à sério a mensagem de
Jesus e o ignoraram e o renegaram, Jesus terá uma atitude inversa: “Aquele, porém, que me renegar diante dos
homens, eu também o renegarei diante do meu Pai que está no céu” (Mt
10,33).
Se Deus cuida até dos pardais, quanto mais de nós,
que valemos muito mais do que muitos pardais (Mt 10,29). Estamos todos nas mãos de Deus, e nada nos
faltará. Se faltar, não foi por culpa dele, que respeita a liberdade até dos
que nos oprimem e martirizam. A recompensa será magnífica!
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