sábado, 8 de julho de 2017

“QUEM NÃO TOMA A SUA CRUZ E NÃO ME SEGUE, NÃO É DIGNO DE MIM” (Mt 10,38).

XIII DOMINGO DO TEMPO COMUM

“QUEM NÃO TOMA A SUA CRUZ E NÃO ME SEGUE, NÃO É DIGNO DE MIM” (Mt 10,38).

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Diácono Milton Restivo

A primeira leitura desta liturgia fala de um profeta muito importante, mas totalmente desconhecido pela grande maioria dos cristãos: o profeta Eliseu. O nome “Eliseu” quer dizer “Deus é a salvação”.
Eliseu foi discípulo e sucessor do grande profeta, também chamado de “o príncipe dos profetas, Elias. Yahweh designou Eliseu como sucessor de Elias quando estava arando a terra com uma junta de bois. Elias jogou sobre os ombros de Eliseu o seu manto e, imediatamente “Eliseu deixou os bois, correu atrás de Elias, e disse: ‘Deixe-me dizer adeus aos meus pais. Depois eu seguirei você’. Elias respondeu: ‘Vá, mas volte logo’” (1Rs 19,19-20).
Nas narrativas da vida de Eliseu nas Sagradas Escrituras, encontra-se uma série de acontecimentos sobrenaturais que marca a carreira de seu ministério. Os milagres de Eliseu ocorreram num momento em que a religião de Yahweh estava enfrentando uma afronta da parte do povo que ignorava a Yahweh, adorava ao deus Baal, e os reis de Israel se entregaram a essa adoração. Da mesma forma que os milagres de Elias, Eliseu foi concebido para demonstrar a autoridade do profeta e de apresentar ao povo o Deus vivo, combatendo os falsos deuses.
Eliseu superou em muito o profeta Elias no número e no caráter extraordinário de seus milagres, mas a personalidade e a influência religiosa de Elias é que ficaram marcadas na história do povo judeu e, bem por isso, Elias é mencionado trinta vezes no Novo Testamento, enquanto que Eliseu apenas uma. 
       Nesta primeira leitura vamos encontrar uma mulher preocupada com o bem estar de Eliseu; ele que era um profeta andarilho passava amiúde na casa e na região dessa mulher e ali lhe eram oferecidas refeições. Por ser uma mulher rica, cujo nome não foi citado no texto e por isso ficou conhecida como “sunamita” por residir na cidade de Sunan (cf 2Rs 4,11), cidade que ficava entre o Monte Carmelo e a Samaria, conversou com seu marido e construiu para o profeta um quarto com o mínimo necessário de mobília: “uma cama, uma mesa uma cadeira e um candeeiro” (2Rs 4,10).
Nessa passagem o que se nota é a perspicácia feminina: “Tenho observado que este homem, que passa tantas vezes por nossa casa, é um santo de Deus.” (2Rs 4,9).
Quantos homens e mulheres de Deus passam na nossa vida e nós nos fazemos indiferentes à presença de Deus nessas pessoas. As mulheres, realmente, têm este sexto sentido: o de pressentir algo de diferente nas pessoas... Aí vamos de encontro com aquela observação de Jesus: “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o fizeram. [...] Cuidado para não desprezar nenhum desses pequeninos, pois eu digo a vocês: os anjos deles no céu estão sempre na presença de meu Pai que está no céu” (Mt 25,40 e 18,10), e ainda mais, que consta do Evangelho da liturgia de hoje: “Quem recebe um profeta, por ser profeta, receberá a recompensa de profeta. E quem recebe um justo, por ser justo, receberá a recompensa de justo. Quem der ainda que seja apenas um copo de água fria a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, eu garanto a vocês: não perderá a sua recompensa” (Mt 10,41-42).
E foi o que aconteceu com a mulher que acolhera o profeta Eliseu.
Eliseu, sensibilizado com a atenção e caridade da mulher, “perguntou a Geizi, seu servo: ‘Que se poderia fazer por essa mulher’? Geizi respondeu: ‘É inútil perguntar-lhe; ela não tem filhos e o marido já é velho. Eliseu mandou então que a chamasse. Ele chamou-a e ela pôs-se à porta. Eliseu disse-lhe: ‘Daqui a um ano, neste tempo, você terá um filho nos braços’. Ela, porém, respondeu: ‘Não, meu senhor, não engane sua serva’. A mulher, porém, ficou grávida e deu à luz um filho no ano seguinte, na mesma época que Eliseu havia predito” (2Rs 4,14-17).
Quando o menino, já crescido, veio a falecer acometido por uma doença, o profeta Eliseu o ressuscita (cf 2Rs 4,18-37). Isso confirma o dito por Jesus “Quem der ainda que seja apenas um copo de água fria a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, eu garanto a vocês: não perderá a sua recompensa. (Mt 10,42).
A título de esclarecimento, existem vários casos de ressurreições de mortos na Bíblia, dez ao todo, a saber: No Antigo Testamento: o filho da viúva, por Elias (1Rs 17,17-24); o filho da mulher sunamita, por Eliseu (2Rs 4,14-17); o homem que foi encostado nos ossos de Eliseu (2Rs 13,20-21).
No Novo Testamento: o filho da viúva de Naim, por Jesus (Lc 7,11-17); a filha de Jairo, por Jesus (Lc 8,41-42.49-56); Lázaro, por Jesus (Jo 11,1-44); muitos santos que haviam morrido, depois da morte de Jesus (Mt 27,52-53); a ressurreição de Jesus (Mt 28,1-8; Lc 24,1-10; Jo 20,1-10); a discípula Tabita, por Pedro (At 9,36-42); o jovem Eutico, por Paulo (At 20,9-12).
No Evangelho desta liturgia Jesus convoca os seus apóstolos para um determinado estilo de vida. A maior parte do capítulo 10 de Mateus é constituída de instruções para os doze apóstolos sobre sua missão em Israel: como eles deveriam agir, o que iriam fazer e como surgiriam as dificuldades e a inevitável perseguição. Jesus é taxativo e radical e não usa de meias palavras: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim” (Mt 10,37).
É lógico que Jesus exige a obrigatoriedade do quarto mandamento que ele diz ser mandamento de Deus: “Vocês são bastante espertos para deixar de lado o mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês. Com efeito, Moisés ordenou: ‘Honre seu pai e sua mãe’. E ainda: ‘Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve morrer’” (Mc 7,9-10). Mas, acima desse mandamento, Jesus coloca em destaque o primeiro mandamento deixado por Deus a Moisés e que ele o faz extensivo para toda a sua Igreja: “O primeiro mandamento é este: Ouça, ó Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor! E ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento, com toda a sua força.” (Mc 12,29-30).
Na hierarquia dos valores, Deus é o valor supremo. Deus não é somente o objeto prioritário do nosso amor porque: “Deus é amor: quem permanece  no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16b). Quando em sua carta João diz que “Deus é amor” cria uma interrogação: Deus é amor, ou o amor é Deus?
Quando existe uma contradição entre o mandato de obedecer a Deus e a honra devida aos pais, Jesus declara que o amor a Deus é prioritário.
Se amarmos a Deus de verdade e acima de tudo, esse amor que temos a Deus nos leva a amar, também de verdade o pai, a mãe, o filho, a filha, o marido, a esposa, o irmão, a irmã, enfim, a todos os que convivem conosco, que nos rodeiam e que nos são próximos e ai, passamos a amar o próximo como a nós mesmos, conforme a resposta dada por Jesus aos fariseus que lhe perguntaram: “’Mestre, qual é o maior mandamento da Lei’? Jesus respondeu: ‘Ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma e com todo o seu entendimento. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Ame ao seu próximo como a si mesmo. Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos” (Mt 22,34-40).
O que Jesus está dizendo não é uma doutrina, mas uma missão: é uma maneira de dar sentido à vida e direcionar o amor a quem realmente é o amor: “Deus é amor”.
Jesus não insinua de quem for casado e tem esposa, marido, filhos, deve deixar radicalmente a esposa ou marido e filhos para seguí-lo e amá-lo. Isso seria um contra-senso e iria de encontro com aquilo que o Criador dissera ao primeiro casal; “Por isso, um homem deixa seu pai e sua mãe, e seu une à sua mulher, e eles dois se tornam uma só carne.” (Gn 2,24) e que foi ratificado mais tarde pelo próprio Jesus: “Vocês nunca leram que o Criador, desde o início, os fez homem e mulher? E que ele disse: ‘Por isso o homem deixará o seu pai e sua mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’? Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não deve separar” (Mt 19,4-6).
Entenda-se essa afirmação de Jesus que devemos amá-lo e seguí-lo através da esposa, do marido, dos filhos, dos pais dos irmãos, enfim, do próximo...
Os nossos entes queridos, antes de serem nossos, são de Deus, a Deus pertence e Deus nos os dá de presente. Não podemos amar mais o presente do que aquele que nos deu o presente. Exemplo disso temos no santo homem Jó, quando perdeu todos os seus familiares e os seus bens: “Yahweh me deu tudo e Yahweh tudo me tirou. Bendito seja o nome de Yahweh” (Jó 1,21). Conformismo? Não! Entrega total nas mãos de Deus indo de encontro com aquilo que repetimos todos os dias na oração do Pai Nosso que o próprio Jesus nos ensinou: “Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6,10).
Quem ama a Jesus de verdade, ama de verdade marido, esposa, filhos, pais, mães, irmãos, o próximo, mas, em primeiro lugar “ame ao Senhor seu Deus com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo o seu entendimento, com toda a sua força.” (Mc 12,29-30).
Na nossa igreja existem as vocações onde realmente as pessoas, tanto homens como mulheres, são convidados a deixar a sua gente e a sua terra para uma missão específica: são os religiosos, as religiosas, os sacerdotes, os monges, os missionários que vão levar a Palavra de Deus a povos distantes, países longínquos e continentes diversos ao ouvir o chamamento vocacional de Deus: “Sai da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei” (Gn 12,1). E Jesus continua na sua exortação: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim. Quem procura conservar a sua vida vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la.” (10,38-39).
A que cruz Jesus deve se referir? A uma igual a dele? Absolutamente! Aquela cruz é dele, somente dele, e ninguém lhe tira. A missão de Jesus se concretizou naquela cruz. Jesus não sugere e nem insinua que devamos, como ele fez, arrastar a nossa cruz pelos caminhos tortuosos da vida.
Mas, a que cruz Jesus se refere? As nossas cruzes são os compromissos que assumimos com Deus e com o irmão na nossa caminhada e os levamos a sério. O primeiro compromisso assumido pelo cristão é o Batismo e, a partir do momento em que assumimos com responsabilidade os compromissos batismais, assumimos a nossa cruz e passamos a viver a vida da Trindade. A partir do batismo começam a surgir novas cruzes: o estilo de vida, o estado de vida, a escolha da vida, a vocação na vida, a missão, a profissão, os chamamentos da sociedade, da família.
Para as pessoas vocacionadas para o matrimônio, a cruz a ser levada é a responsabilidade assumida a dois diante do altar no “sim” da aceitação mútua: na pobreza e na riqueza, na saúde e na doença, na educação e manutenção dos filhos que advém dessa união, na fidelidade mútua, no companheirismo e tudo o mais que a vida reserva para o homem e a mulher que, através dessa união, se tornaram uma só carne e “o que Deus uniu o homem não deve separar” (Mt 19,6).
Quem não toma a sua cruz com dignidade e responsabilidade, e não segue a Jesus, não é digno de Jesus. Difícil de entender? É a essa cruz que Jesus nos pede fidelidade.
E quantos deixam a cruz pelo caminho e justificam a desunião no matrimônio dizendo que é incompatibilidade de gênio e tantas outras desculpas esfarrapadas. Quem deixa a cruz pelo caminho não é digno de Cristo: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim (Mt 10,38) e “o que Deus uniu o homem não deve separar” (Mt 19,6). Da mesma maneira na vocação profissional.
Seja qual seja a profissão assumida, desde um gari até um advogado, desde um servente de pedreiro até um engenheiro, desde uma empregada doméstica até uma empresária, desde um atendente de hospital até um médico, todas as profissões são dignas e todas as profissões são cruzes assumidas que devem ser levadas com responsabilidade e com amor a Deus e ao próximo.
 Quem usa a sua profissão para explorar os irmãos ou enriquecer ilicitamente está virando as costas para a sua cruz, está deixando a cruz pelo caminho e deixou de ser digno de seguir a Jesus: “Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim” (Mt 10,38).
Estas palavras de Jesus são palavras duras? São, mas são palavras evangélicas.
Seguir a Jesus não é brincadeira.
Esta passagem evangélica finaliza com o tema do acolhimento e da hospitalidade que é inserido no tema geral das condições para o ingresso no Reino do Pai.
De resto, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os enfermos e os prisioneiros, conforme disse Jesus em Mateus 25,35-36, requer uma disponibilidade que é fruto do desapego interior.
Seguir a Jesus é ver Jesus no mais pequenino dos irmãos, nos últimos, naqueles que não têm possibilidade de retribuir e nem sequer de agradecer: “Quem recebe a vocês a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta, por ser um profeta, receberá a recompensa de um profeta. E quem recebe um justo, receberá a recompensa de justo. Quem der ainda que seja apenas um copo de água fria, a um desses pequeninos, por ser meu discípulo, eu garanto a vocês, não perderá a sua recompensa” (Mt 1041-42).
Seguir a Jesus e assumir a cruz de cada dia não é brincadeira, é coisa séria e de responsabilidade.
Aqueles que julgam que seguir a Jesus seja uma coisa fácil, seja uma brincadeira, devem começar a desconfiar se realmente serão cristãos.

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