IX DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Ano
– B; Cor – Verde; Leituras: Dt 5,12-15; Sl 80 (81), 2Cor 4,6-11; Mc 2,23-36.
“O SÁBADO FOI FEITO
PARA O HOMEM, NÃO O HOMEM PARA O SÁBADO” (Mc 2,27)
Diácono
Milton Restivo
Deus nos quer livres,
soltos e felizes. Deus criou o homem para a felicidade plena, para viver a vida
em abundância (Jo 10,10b) e encontrar dentro da liberdade a realização plena.
Mas o homem quer se
tornar um deus, o homem quer se igualar a Deus como aconteceu com Adão e Eva no
Éden (Gn 3,5) e acredita que se realiza plenamente escravizando o seu irmão.
O Evangelho da
liturgia de hoje nos mostra bem essa realidade.
Jesus se revolta ao
ver a atitude de homens que se arvoravam em ser, enganosamente, servidores de
Yahweh, distorcerem a lei de Moisés, da qual eles se diziam fieis seguidores, e
através disso escravizarem o povo com sua pseudo-religiosidade.
Para esses homens
daquele tempo e os homens de todos os tempos Jesus tem palavras duras:
·
“Amarram fardos pesados e os
impõe no ombro das pessoas, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los nem
sequer com um só dedo. [...]
Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus
hipócritas, porque vocês fecham o Reino de Deus para as pessoas! Vocês não
entram nem deixam entrar aqueles que estão entrando. [...] Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus
hipócritas. Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por
dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Assim também vocês: por fora
parecem justos para as pessoas, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e
injustiça.” (Mt 23,4.13.27).
E, tudo isso, porque
os fariseus, que se julgavam os donos da verdade como tantos hoje se sentem
donos da verdade, e impunham pesados fardos religiosos nas costas do povo,
abordaram Jesus quando, supostamente, os discípulos de Jesus transgrediam o
sábado colhendo espigas na seara para matar a fome.
A observância do
sábado – em hebraico “shabbat”, que quer dizer “repouso” – era uma das coisas
mais sagradas para os israelitas. Descansar no sétimo dia era um dever
gravíssimo.
A própria narração do
Gênesis mostra Deus descansando no sétimo dia (Gn 2,2), depois de completar a
obra da criação.
Na travessia do
deserto, o maná não caia do céu no dia de sábado; e, então, no sexto dia de
trabalho colhiam uma porção dupla para terem o que comer no sábado (Ex 16,22).
Além da prescrição do
Decálogo, há muitos outros lugares da Bíblia em que se fala do repouso do
sábado. Os rabinos montaram sobre o assunto infinitas discussões, chegando a
certos tipos de prescrições e absurdos – ou melhor, de proibições – que temos
que achar no mínimo muito estranhas, senão de todo ridículas.
Assim é que elencaram
trinta e nove espécies de trabalho que não era permitido fazer no sábado.
Visitar um doente, por exemplo, era proibido. Fazer uma viagem de mais de dois
mil côvados (cerca de novecentos metros), acender fogo, afastar-se de casa a
não ser uma pequena distância, tudo isso era proibido pelos mandamentos dos
fariseus.
Eles instituíram uma
distância máxima que era permitido caminhar, proibiram o uso de sandálias que
precisassem amarrar as correias, e nem os curandeiros podiam trabalhar, a não
ser em caso de risco de morte.
Sábado é o sétimo dia
da semana, o dia do descanso. Este dia recorda dois grandes momentos da
história do povo judaico. São eles o descanso de Yahweh depois de terminar a
sua obra da criação do mundo:
·
“No sexto dia Deus
concluiu o trabalho que havia feito e no sétimo dia descansou de todo trabalho
que tinha feito”. (Gn 2,2),
Diz também a respeito
da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito, conforme está no Decálogo.
Sua observância é considerada de extrema importância, aparecendo como o quarto
dos Dez mandamentos:
·
“Lembra-te do dia do
sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas
o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem
tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu
animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas. Porque em seis
dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia
descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou". (Ex 20,8-11; Dt
5,12-15).
Jesus, como judeu,
era cumpridor das leis de Moisés, guardava o sábado e tinha o cuidado de não
desrespeitá-lo desde que isso não contrariasse as necessidades básicas do ser
humano e levantava a sua voz quando isso acontecia e sempre contestava quando a
lei do sábado feria a dignidade humana:
·
Ora, uma pessoa vale
mais do que uma ovelha! Portanto, em dia de sábado é permitido fazer o bem”. (Mt 12,12);
·
“Era
sábado o dia em que Jesus fez o barro e abriu os olhos do cego”. (Jo
9,14).
Marcos
narra no seu evangelho que, num certo dia:
·
“Jesus
estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus discípulos
começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. Então, os fariseus disseram
a Jesus: ‘Olha, porque eles fazem em dia de sábado o que não é permitido?” (Mc
2,23-24).
Por
que essa reprimenda dos fariseus? O que tinha demais arrancar espigas enquanto
caminhavam, se eles faziam isso para comer as espigas porque estavam com
fome? Porque os judeus guardavam o dia
de sábado para o descanso, e os fariseus interpretavam que no sábado nada
poderia ser feito, nem sequer acender o fogo para coser alimentos, que isso
contrariava a lei de Moisés.
Os
fariseus chegaram ao absurdo de, dos dez mandamentos de Moisés, criarem mais
613 mandamentos adjacentes aos mandamentos de Moisés. Isso mesmo, 613
mandamentos que obrigavam o povo a cumpri-los senão não alcançariam a salvação.
E
em relação ao sábado existiam nada mais nada menos que 39 proibições que
deveriam ser respeitadas e obedecidas fielmente no sábado, caso contrário
haveriam punições divinas.
Afirmavam que haviam
613 preceitos dos quais eram negativos tanto quantos dias tem o ano 365
mandamentos negativos e o resto 248 mandamentos eram positivos.
E os fariseus
chegavam ao cúmulo de chamar de malditos todos aqueles que desconheciam a Lei e
que não seguiam a Lei, como vemos no Evangelho de João:
·
“Essa
multidão que não conhece a Lei, é feita de malditos.”
(Jo 7,49).
Os fariseus logo
reclamaram: estavam fazendo uma coisa proibida no dia de sábado.
Afinal, os discípulos
de Jesus estavam pegando espigas para comerem, o que era um dos trinta e nove
trabalhos proibidos em dia de sábado.
O que Jesus e os
discípulos estavam fazendo, como narra Marcos, seria perfeitamente lícito aos
olhos dos fariseus se isso não estivesse sendo realizado no sábado.
Para dar assistência
ao viandante, transeunte, andarilho ou peregrino, a lei de Moisés previa:
·
“Quando você entrar
no pomar do seu próximo, pode comer à vontade, até ficar satisfeito, mas não
pode carregar nada na mão.” (Dt 23,25).
Não era isso que os
discípulos de Jesus estavam fazendo como andarilhos? Apanhando espigas para
comer? Mas, acontece que isso poderia ser feito em qualquer dia da semana, mas,
segundo os mandamentos dos fariseus, isso jamais poderia ser feito num sábado,
ainda que fosse para saciar a fome e suprir a necessidade do transeunte.
A tradição oral defendida
pelos fariseus determinava minuciosamente o que podia e não podia ser feito aos
sábados. Como já disse, havia até uma lista de 39 atitudes, verbos, trabalhos,
que jamais podiam ser feitos no sábado. Quatro destes verbos - colher,
debulhar, limpar e preparar para comer - eram descrições de que os discípulos
estavam fazendo ao comer e exatamente num sábado, o que era proibido pela lei
farisaica.
Também a seita dos
chamados essênios, por exemplo, proibia claramente que um homem tirasse de uma
cisterna ou fosso um animal que ali tivesse caído num sábado. Jesus, e até
mesmo a maioria dos judeus, achava isto um absurdo:
·
“Ele lhes respondeu:
"Qual de vocês, se tiver uma ovelha e ela cair num buraco no sábado, não
irá pegá-la e tirá-la de lá? Quanto mais vale um homem do que uma ovelha!
Portanto, é permitido fazer o bem no sábado”. (Mt 12.11).
·
“Se um de vocês tiver
um filho ou um boi, e este cair num poço no dia de sábado, não irá tirá-lo imediatamente?
’ E eles nada puderam responder.” (Lc 14,5).
Jesus combateu a
tradição imposta pelos fariseus ferrenhamente, especialmente as tradições com
respeito ao sétimo dia. Há uma grande quantidade de situações onde Jesus entrou
em choque com os fariseus nesta questão;
·
“Jesus disse ao homem
de mão paralisada: ‘Levante-se aqui para o meio’. E lhe perguntou: ‘É permitido
no sábado fazer o bem ou o mal? Salvar uma vida ou matar?’ Mas eles nada
respondiam. Então, lançando sobre eles
um olhar de indignação e tristeza, por causa da dureza do coração deles, Jesus
disse ao homem: ‘Estende a mão’. Ele a estendeu e sua mão ficou curada”. (Mc 3,3-5);
·
“Certo sábado Jesus
estava ensinando numa das sinagogas, e ali estava uma mulher que tinha um
espírito que a mantinha doente havia dezoito anos. Ela andava encurvada e de
forma alguma podia endireitar-se. Ao vê-la, Jesus chamou-a à frente e lhe
disse: ‘Mulher, você está livre da sua doença’. Então lhe impôs as mãos; e
imediatamente ela se endireitou e passou a louvar a Deus. Indignado porque
Jesus havia curado no sábado, o dirigente da sinagoga disse ao povo: ‘Há seis
dias em que se deve trabalhar. Venham para ser curados nesses dias, e não no
sábado’. O Senhor lhe respondeu: ‘Hipócritas! Cada um de vocês não desamarra no
sábado o seu boi ou jumento do estábulo e o leva dali para dar-lhe água? Então,
esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa por dezoito
longos anos, não deveria no dia de sábado ser libertada daquilo que a prendia?”
(Lc
13,10-16).
·
“Certo sábado,
entrando Jesus para comer na casa de um fariseu importante, observavam-no
atentamente. À frente dele estava um homem doente, com o corpo inchado. Jesus
perguntou aos fariseus e aos peritos na lei: ‘É permitido ou não curar no
sábado?’ Mas eles ficaram em silêncio. Assim, tomando o homem pela mão, Jesus o
curou e o mandou embora. Então ele lhes perguntou: ‘Se um de vocês tiver um
filho ou um boi, e este cair num poço no dia de sábado, não irá tirá-lo
imediatamente?’ E eles nada puderam responder.”
(Lc 14,1-6).
·
“Disse-lhe
Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Imediatamente o homem ficou
são; e, tomando o seu leito, começou a andar. Ora, aquele dia era
sábado. Pelo que disseram os judeus ao que fora curado: ‘Hoje é sábado, e
não te é lícito carregar o leito’. Ele, porém, lhes respondeu: ‘Aquele
que me curou, esse mesmo me disse: Toma o teu leito e anda’. Perguntaram-lhe,
pois: ‘Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito e anda?”
(Jo 5,8-12).
·
Pelo
motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos
pais), no sábado circuncidais um homem.Se o homem recebe a circuncisão no
sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra
mim, porque no sábado curei de todo um homem? (Jo 7,22-23).
No capítulo 23 do
Evangelho de Mateus Jesus não poupa reprimendas, maldições e desprezo para os
escribas e fariseus que impunham ao povo esses mandamentos absurdos, fardos tão
pesados que nem eles podiam carregar.
Já citamos parte dele
acima, mas nunca é demais repetir, acrescentando mais alguma coisa:
·
“Então
falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés
estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que eles
disserem que vocês devem observar, observe-as e façam-nas; mas não procedam em
conformidade com as obras deles, porque eles dizem e não fazem; pois atam
fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles,
porém, nem com seu dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem
vistos pelos homens; pois trazem largas mangas, e alargam as franjas das suas
vestes, E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas
sinagogas, e as saudações nas praças, e gostam de serem chamados pelos homens; Mestre,
Mestre. [...] Mas
ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês fecham aos homens
o reino dos céus; e nem vocês entram nem deixam entrar aos que estão entrando. Ai
de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês devoram as casas das
viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso vocês sofrerão mais
rigoroso juízo. Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! pois que vocês percorrem
o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terem feito, vocês o
fazem filho do inferno duas vezes mais do que vocês mesmos. Ai de vocês,
condutores cegos! [...] Ai de vocês, escribas e fariseus,
hipócritas! [...] Condutores cegos!
que coam um mosquito e engolem um camelo. Ai de vocês, escribas e fariseus,
hipócritas! pois que limpam o exterior do copo e do prato, mas o interior está
cheio de rapina e de intemperança. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do
copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. Ai de vocês, escribas
e fariseus, hipócritas! Pois que são semelhantes aos sepulcros caiados, que por
fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de
mortos e de toda a imundícia. Assim também vocês exteriormente parecem justos
aos homens, mas interiormente vocês estão cheios de hipocrisia e de iniquidade.
Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! [...] Serpentes, raça de víboras! Como poderão escapar da condenação do
inferno? (Mt 23,1-39).
O
próprio Jesus proclamava-se Senhor do sábado, apresentando uma visão renovada e
transformada do mesmo e colocando-o a serviço do homem, em vez da mera
observância da lei:
·
“O
sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado.
Portanto, o Filho do Homem é senhor do sábado”. (Mc
227-28).
O sábado, como dia de
descanso para os judeus, é assim uma instituição a favor do homem, em seu
benefício, uma bênção grandiosa. Só uma perversa distorção do texto poderia
levar à conclusão de que o sábado deva ser considerado contrário ao homem e
para escravizar o homem.
Assim o sábado seria
uma bênção e não uma carga para o homem.
O farisaísmo dos dias
de Cristo obscurecera o verdadeiro caráter do sábado. Os fariseus o acumularam
de exigências esdrúxulas que o tornaram um fardo quase insuportável.
A atitude de Cristo
para com o sábado foi a de descaracterizá-lo desses acréscimos, devolvendo-o à
prístina pureza.
A atitude de Cristo
para com seu santo dia foi de reverência e não de desprezo.
Para os
cristãos não existe mais o sábado. O “dia do Senhor” é para nós o domingo.
Porque foi nesse dia – o primeiro da semana – que o Senhor ressuscitou. Como no
primeiro dia da criação Deus fez a luz, no primeiro dia da nova criação,
resplandeceu a claridade daquele que disse:
·
“Eu sou a luz do
mundo”. (Jo 8,12).
É então, para nós
esse o dia santificado. O dia do repouso, preludiando, inclusive, o dia do
eterno repouso, que a carta aos hebreus chama de “sabatismo do povo de Deus”
(cf Hb 4).
O fato de o
domingo ser o dia do repouso, fez dele espontaneamente um dia de lazer. Nada
demais, se esse lazer se contiver dentro das normas da dignidade e não vier a
profanar o dia do Senhor. E não vier desagregar a família, em vez de uni-la no
encontro amigo e cheio daqueles valores que enobrecem a convivência humana.
Mas o que vale
a pena é insistir no fato de que o domingo é um dia santificado.
O antigo “dia do sol”
dos romanos -(nome que permanece nas línguas saxônicas: “sunday” , “sonntag”) –
é para nós o dia do grande Sol do Senhor Ressuscitado.
Cada domingo é
comemoração da Páscoa.
É uma pequena
Páscoa. Que deve ser celebrada com puríssima alegria espiritual.
E a missa dominical é
a assembléia do Ressuscitado, que deve ajudar-nos a reviver aquele encontro de
Cristo com seus discípulos da primeira Páscoa do cristianismo.
O
cristianismo, desde a sua origem, tem imitado a prática do descanso sabático
dos judeus, mas passando-o para o Domingo, o primeiro dia da semana, o dia do
Senhor, da Ressurreição de Jesus Cristo.
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