V DOMINGO DA QUARESMA
Ano – C; Cor – Roxo; Leituras: Is 43,16-21; Sl 125 (126); Fl 3,8-14; Jo
8,1-11.
“QUEM DENTRE VOCÊS NÃO TIVER PECADO, ATIRE A PRIMEIRA PEDRA” (Jo
8,7)
Diácono
Milton Restivo
Na liturgia de
hoje o Evangelho de João narra o episódio que é conhecido como o da mulher
adúltera. Não se pode avaliar ou tirar conclusões de uma perícope ou passagem
do Evangelho ou das Sagradas Escrituras sem ter conhecimento da história e dos
costumes do povo da época. Seria muita leviandade de nossa parte fazer um
julgamento precoce e imediato dessa passagem evangélica levando em consideração
os nossos costumes, a nossa lei, a nossa moral e ética. As situações eram bem
diferentes do que são hoje. A religião judaica era uma religião feita só para
homens. As mulheres não eram nem coadjuvantes.
Vamos fazer
apenas algumas colocações para que seja entendida a situação da mulher na sociedade
patriarcal judaica do Antigo Testamento e no tempo de Jesus. Para uma mulher
judia sair de casa sem cobrir a cabeça era considerado ato tão ofensivo ao
marido que este tinha o direito de repudiá-la e separar-se dela sem direito
algum para a esposa. Isso ofendia de tal modo os bons costumes que o marido
tinha o direito, inclusive o dever religioso, de expulsá-la de casa e divorciar-se
dela, sem estar obrigado a pagar-lhe a soma combinada no contrato matrimonial.
O homem bem
educado jamais poderia encontrar-se, a sós, com uma mulher, onde quer que seja.
Se a mulher fosse casada o homem deveria evitar olhá-la ou saudá-la.
Um pai podia
vender sua filha como escrava, após ela ter completado doze anos. Fato pouco
comum, mas que servia para manter a submissão feminina. No Pentateuco era
permitido ao pai israelita pobre ou endividado vender sua filha para que fosse
concubina do homem que a comprasse ou de seu filho. Se a mulher, agora escrava,
não agradasse ao seu amo, ela poderia ser resgatada, mas o seu senhor judeu não
podia revendê-la (como peça de mercado) a um estrangeiro, mas poderia ser
vendida a um outro judeu: “Se alguém
vender a filha como escrava, esta não sairá como saem os escravos. Se ela
desagradar o patrão, a quem estava destinada, este deixará que a resgatem; não
poderá vendê-la a estrangeiros, usando de fraude com ela. Se o patrão destinar
a escrava para seu filho, este o tratará conforme o direito das filhas”.
(Ex 21,7-9).
As filhas
tinham que ceder os principais lugares para os filhos e, inclusive, permitir
que eles passassem primeiro pelas portas das casas. Em muitos lares os filhos
eram incentivados a usar sua força contra as suas irmãs a fim de irem
aprendendo a dominar as mulheres.
A mulher não
podia atuar como testemunha num tribunal, nem como testemunha de acusação; o
testemunho da mulher não era válido. A mulher era considerada pecadora e
mentirosa por natureza. Seu testemunho em um julgamento era considerado de
pouco valor. Somente o marido tinha o direito de romper o matrimônio exigindo o
divórcio, a mulher não.
Causas
prováveis de divórcio: além do citado acima, de sair na rua sem cobrir a
cabeça; a mulher que perdia seu tempo na rua falando com outras mulheres
(porque não podia conversar com homens), ou que se põe a fiar na porta de sua
casa, podia ser repudiada por seu marido sem qualquer compensação econômica.
Segundo o rabi Hille, “inclusive quando a
esposa tivesse deixado a comida se queimar”, podia ser repudiada com o
divórcio. As mulheres não tinham acesso ao ensino religioso e eram deixadas à
parte nos cultos; eram, portanto, analfabetas. Muitas outras opressões existiam
contra as mulheres.
Imagine
a coragem de Jesus ao conversar com as mulheres, instruí-las e tratá-las com
dignidade. Na época de Jesus a mulher não era mais do que uma propriedade do
seu marido, que era o seu dono. O marido possuía empregados, escravos,
propriedades e a própria mulher como propriedade sua.
O Decálogo, a
Lei de Moisés, coloca a mulher como propriedade de seu marido com as demais posses,
juntamente com a casa e o campo, o escravo e a escrava, o boi e o asno: “Não cobice a casa de seu próximo, nem a
mulher do próximo, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem
coisa alguma que pertença ao seu próximo”. (Ex 20,17; Dt 5,21).
Como pode ser
observado, a mulher era colocada no mesmo nível da escrava, do boi, do jumento
e de todas as outras propriedades do marido. E isso está no Decálogo.
Rabinos judaicos iniciavam todos os encontros nas sinagogas
com as seguintes palavras, "Bendito
sejas tu, Senhor, porque tu não me fizeste mulher". As mulheres eram
excluídas da vida religiosa e raramente lhes ensinavam a Torá em privacidade.
Jesus começou, publicamente, a incluir muitas mulheres como
suas discípulas, o que era rejeitado pelos rabinos e não permitido pelos
doutores da Lei, escribas e fariseus, e isso enfurecia os líderes religiosos.
No Templo e
nas sinagogas homens e mulheres ficavam rigorosamente separados; as mulheres
sempre em lugares inferiores, secundários, e jamais poderiam ler os livros da
Lei ou dos Profetas, mesmo porque eram analfabetas, e não podiam nem falar
durante o culto.
O culto na
sinagoga era celebrado apenas caso houvesse ao menos dez homens com mais de
treze anos de idade, por mais numerosas que fossem as mulheres; as mulheres não
contavam.
As mulheres
não aprendiam a ler, não frequentavam qualquer tipo de escola, estavam isentas
de peregrinar nas grandes festas anuais a que estavam obrigados os homens, e de
outras práticas religiosas, e nem podiam pronunciar a ação de graças à mesa,
mas, eram obrigadas a cumprir todas as proibições da lei religiosa, e
submetidas, também, a todo rigor da legislação civil, penal e religiosa,
inclusive à pena de morte, como vemos no caso da mulher adúltera (Jo 8,1-5).
No livro do
Levítico encontramos: “O homem que
cometer adultério com a mulher de seu próximo deverá morrer, tanto ele como
ela” (Lv 20,10) e no Deuteronômio: “Se
um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada,
ambos serão mortos, o homem que se deitou com a mulher e a mulher. Deste modo você
eliminará o mal de Israel. Se houver uma jovem prometida a um homem, e outro
tiver relações com ela na cidade, vocês levarão os dois à porta da cidade, e os
apedrejarão até que morram; a jovem por não ter gritado por socorro na cidade,
e o homem por ter violentado a mulher de seu próximo”. (Dt 22,22-24). Mas
isso não aconteceu quando apresentaram a mulher adúltera para Jesus, que “foi surpreendida em adultério”
(sozinha?). Se a mulher foi surpreendida em adultério, deveria haver um homem
em cena, porque sozinha isso seria impossível; cadê o homem que estava com a
mulher? Então vê-se que o homem era protegido e estava isento de qualquer
responsabilidade; somente a mulher era culpada.
Há registro
que, nos séculos I e II dC, três vezes ao dia, o homem judeu agradecia a Deus,
rezando, por não terem sido criados pagão, escravo, ou mulher. Assim diz um
comentário do século II: “Rabi Jehuda diz: “devem ser feitas três orações diárias: Bendito seja Deus que não me
fez pagão. Bendito seja Deus que não me fez mulher. Bendito seja Deus que não
me fez ignorante. Bendito seja Deus que não me fez pagão: porque todas as
nações diante dele são como nada (Is 40,17). Bendito seja Deus que não me fez
mulher: porque a mulher não está obrigada a cumprir os mandamentos. Bendito
seja Deus que não me fez ignorante: porque o ignorante não se envergonha de
pecar”. Chegavam-se aos extremos, como os do rabi Eliezer, da época de
Jesus, que dizia: “Quem ensina a Torá
para sua filha, ensina-lhe a libertinagem (ela fará mau uso do que
aprendeu). É melhor queimar a Lei santa do que entregá-la a uma mulher.” Entenda-se
que seria melhor jogar a Torá no fogo do que permitir que uma mulher a lesse e
a entendesse.
Nem sempre que
o homem não cumprisse a lei seria punido, mas a mulher jamais escaparia da
punição, como vemos no caso da mulher adúltera. Como foi citado acima, o judeu
que se considerava educado, puro e santo, jamais conversaria na rua com uma
mulher sozinha, e principalmente ainda se essa mulher estivesse isolada no
campo, e principalmente ainda se essa mulher fosse de vida duvidosa, e
principalmente, ainda se essa mulher fosse uma estrangeira.
Jesus desafiou as leis sociais em relação a ambos os sexos
e conversava com as mulheres onde quer que fosse, ainda que a mulher fosse uma
estrangeira. Não aconteceu assim com a samaritana, mulher estrangeira e de um
povo inimigo dos judeus? E quem era a samaritana? E onde estava a
samaritana? (Jo 4,1-30).
A samaritana
era uma mulher que estava sozinha no campo (apanhando água na fonte de Jacó);
uma mulher estrangeira, idólatra para os judeus, de moral duvidosa, pois já
tinha tido cinco maridos, e maldita por todo judeu que se julgava fiel e santo,
e isso é constatado na admiração e surpresa e até repulsa de seus discípulos
quando flagraram Jesus conversando com esse tipo de mulher sozinho, em lugar
isolado, na fonte de Jacó, fora da cidade da região de Samaria chamada Sicar: “Naquele instante (enquanto Jesus
conversava com a samaritana), chegaram os
seus discípulos e admiravam-se de que falasse com uma mulher; nenhum deles,
porém, lhe perguntou: ‘que procuras’? ou: ‘o que falas com ela?” (Jo
4,27). Ficaram com medo de inquirir o
Mestre sobre sua atitude. E o que presenciamos depois disso? A comunidade
cristã da Samaria começa a existir exatamente por essa mulher, de vida e moral
duvidosa, idólatra, estrangeira que qualquer judeu de bom senso deveria cortar
léguas dela, e foi para ela que Jesus ofereceu a água viva: “Se você conhecesse o dom de Deus, e quem
lhe está pedindo de beber, você é que lhe pediria. E ele daria a você água
viva. [...] A mulher então, deixou
seu cântaro e correu à cidade, dizendo a todos: ‘Venham ver um homem que me
disse tudo o que fiz. Não será ele o Cristo? ’ Eles saíram da cidade e foram
encontro de Jesus”. (Jo 4,29-30).
A afirmação de
Jesus: “Muitos os que agora são
primeiros, serão os últimos, e muitos que agora são os últimos serão os
primeiros.” (Mc 10,31; cf Mt 19,30; 20,16), aplicava-se, de uma maneira
especial, às mulheres pela sua situação de inferioridade nas estruturas
dominadas pelos homens nas comunidades patriarcais judaicas. Contrariando todas
as expectativas da época, em que o Rabi só podia ter discípulos homens, Jesus foi
ousado e não teve somente discípulos homens; teve muitas discípulas mulheres,
aliás, mais assíduas do que os próprios homens, e ter discípulas mulheres era
proibido aos mestres judeus (desculpem pelos “discípulos homens” e “discípulas
mulheres”. Foi apenas para chamar mais a atenção sobre o fato. Vou insistir
nisso).
Jesus teve mulheres
amigas muito queridas, como as irmãs Marta e Maria, e manifestou por elas
amizade humana, intensa, profunda e publicamente: “Estando (Jesus) em viagem,
entrou num povoado, e certa mulher, chamada Marta, recebeu-o em sua casa. Sua
irmã, chamada Maria, ficou sentada aos pés do Senhor, escutando-lhe a palavra”.
(Lc 10,38-42); “Jesus amava Marta e sua
irmã (Maria) e Lázaro. Quando Jesus a
viu chorar (Maria) e também os
judeus, que a acompanhavam, comoveu-se interiormente e ficou conturbado”. (Jo
11,5.33); “Seis dias antes da Páscoa,
Jesus foi à Betânia, onde estava Lázaro que ele ressuscitara dos mortos.
Ofereceram-lhe um jantar: Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa
com ele. Então Maria, tendo tomado uma libra de um perfume de nardo puro, muito
caro, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos; e a casa inteira
ficou cheia do perfume do bálsamo”. (Jo 12,1-8).
Jesus teve
centenas de mulheres discípulas: “Maria
de Magdala, chamada de Madalena, de que Jesus fez sair sete espíritos; Joana,
mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Suzana, e várias outras mulheres
que ajudavam a Jesus e aos seus discípulos com os bens que possuíam.” (Lc
8,1-3; cf Mc 15,40-41).
O que dizer,
então, da adúltera apresentada de forma constrangedora a Jesus?
Pela Lei de
Moisés e dos judeus essa mulher deveria ser morta por apedrejamento, conforme
prevê o livro do Deuteronômio 22,22: “Se
um homem for pego em flagrante tendo relações sexuais com uma mulher casada,
ambos serão mortos, o homem que se deitou com a mulher e a mulher. Deste modo você
eliminará o mal de Israel”.
Mas, onde
estava o homem? Porque não o apresentaram? E qual foi a atitude de Jesus diante
dos anciãos, sacerdotes, escribas, doutores da lei e todo o povo?
Os escribas e
os fariseus estavam, desde longa data, maquinando uma armadilha para pegar
Jesus e desacreditá-lo diante da opinião pública. Talvez tivesse chegado o
momento.
Era de manhã e
Jesus estava chegando ao Templo. Vieram até ele os mestres da Lei e os fariseus
trazendo uma mulher em estado lastimável de vergonha, humilhação e desespero.
Segundo eles, a mulher havia sido pega em flagrante, cometendo adultério, um
dos três pecados gravíssimos citados na Lei de Moisés, que era punido com a
morte por apedrejamento. Os rabinos diziam: “Todo
judeu deve morrer antes de cometer idolatria, adultério ou assassinato.”
O
adultério era um dos três crimes e pecados mais graves e a Torá era muito clara
neste aspecto, variando apenas a forma de como se deveria cumprir a pena de
morte: o livro do Levítico, 20,10, diz: “O
homem que cometer adultério com a mulher de seu próximo deverá morrer, tanto
ele como ela”, mas não fala da forma como deveriam ser mortos. O livro do Deuteronômio,
22,24, estabelece a pena no caso da mulher já estar casada, e, neste caso,
deve-se tirar a mulher e o homem fora das portas da cidade: “e vocês levarão os dois à porta da cidade e
os apedrejarão até que morram.”
Adultério era
um pecado contra Deus e contra a Lei de Moisés, e que era para ser aplicado
tanto para a mulher... quanto para o homem (???). Mas, trouxeram somente a
mulher. Insisto: cadê o homem que consumira com ela o adultério? A mulher teria
cometido o adultério sozinha?
Afinal de
contas, quem era a mulher? Que valor tinha a mulher na sociedade judaica?
Os doutores da
Lei e os fariseus estavam menos preocupados com o pecado que a mulher cometera
e mais preocupados em
desacreditar Jesus e submetê-lo a um descrédito e delito
maior.
Se Jesus
inocentasse a mulher estaria contrariando a Lei de Moisés, o que seria causa de
morte também. Se ele condenasse a mulher à morte por apedrejamento estaria
contrariando todos os seus ensinamentos baseados na lei do amor e da
misericórdia, e ainda mais, contrariaria a lei dos romanos que haviam tirado
dos judeus o direito de aplicar a pena de morte a quem quer que seja, e isso
deixaria Jesus em maus lençóis com os dominadores do povo judeu, os romanos.
A Lei mosaica
prescrevia a pena de morte para uma mulher casada, pega em adultério: “Se um homem for pego em flagrante tendo
relações sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, o homem que se
deitou com a mulher e a mulher. Deste modo você eliminará o mal de Israel. Se
houver uma jovem prometida a um homem, e outro tiver relações com ela na
cidade, vocês levarão os dois à porta da cidade, e os apedrejarão até que
morram; a jovem por não ter gritado por socorro na cidade, e o homem por ter
violentado a mulher de seu próximo”. (Dt 22,22-24). O Evangelho de João
relata que os romanos tinham retirado dos judeus o direito de condenar alguém a
morte: “Pilatos disse: ‘Encarreguem-se
vocês mesmos de julgá-lo conforme a lei de vocês’. Os judeus responderam; ‘Não temos permissão de condenar ninguém à
morte’.” (Jo 18,31).
Portanto, se
Jesus dissesse que a mulher deveria ser apedrejada, ele contrariaria a lei
civil dos romanos; se ele negasse esta pena, estaria contra a lei religiosa
mosaica.
Os doutores da
Lei e os fariseus procuravam, por todos os meios estratégicos, de como apanhar
e encontrar em Jesus alguma contradição, ou erro contra a Lei de Moisés,
tradições, costumes judaicos que pudessem incriminá-los, para que, de alguma
forma, Jesus ficasse mal visto aos olhos do povo, e desacreditado e que ele
perdesse sua popularidade.
Jesus não
defende a mulher do delito que havia cometido; ela era realmente adúltera, não
prostituta, e a trata como tal, mas com amor, compreensão, compaixão e
misericórdia. Mas a Lei determinava que morressem os dois: homem e mulher que
cometeram o delito. Mas, onde estava o homem? Adúlteras e prostitutas existem,
sim, mas elas não existiriam se não houvessem homens covardes que delas tiram
proveito e depois lhes apontam o dedo para incriminá-las, escondendo-se na
multidão dos que gritam condenando-as e incentivando o apedrejamento. Pela Lei aquela mulher deveria ser punida
com o apedrejamento. Deveria ter sido uma cena constrangedora.
Para surpresa
de todos, Jesus ignora os julgadores e com misericórdia e muito amor coloca a
sua atenção na mulher. A fisionomia da mulher estava transtornada, triste.
Estava com medo, angustiada, apavorada, sem nenhuma perspectiva de futuro;
afinal das contas, sua vida terminaria ali. Ela fora pega praticando sexo com
um homem, provavelmente casado, e estava, agora, nas mãos de seus possíveis
algozes, mas o companheiro de infortúnio havia desaparecido por conveniência da
própria Lei que protege os que direcionam a lei contra os fracos e oprimidos.
Jesus não
apela nem para a lei dos homens e nem para a Lei de Moisés. Jesus coloca em
prática a Lei da Graça onde a pessoa é mais importante do que a letra. Jesus
usou a lei da liberdade, a lei do perdão, a lei da misericórdia, a lei da
compaixão, a lei do amor.
Os acusadores
dizem: “Mestre, esta mulher foi
surpreendida em flagrante adultério. Moisés na lei manda apedrejar tais
mulheres. Que dizes tu?” (Jo 8,4-5).
O Evangelista
conhecia a intenção dos acusadores, e testemunha: “Perguntaram isso para experimentar Jesus e para terem motivo de acusá-lo.”
(Jo 8,6).
Jesus, com
toda a serenidade que sempre pautou sua personalidade, caráter e suas atitudes,
conhecedor das intenções dos que queriam pegá-lo em contradição, manteve-se
inatingível pelo ódio que reinava no local, “abaixou-se
e começou a escrever com o dedo no chão”. (Jo 8,8).
Não sabemos o
que Jesus tenha escrito, e jamais o saberemos. Alguns autores vêem uma
referência a uma frase em Jeremias: "aqueles
que se afastam de ti terão seus nomes inscritos na poeira, porque abandonaram
Yahweh, a fonte de água viva" (Jr 17,13).
Talvez Jesus
tivesse escrito no chão o que já havia ensinado antes: “Não julguem, e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados
com o mesmo julgamento com que vocês julgarem, e serão medidos com a mesma
medida com que vocês medirem. Porque você fica olhando o cisco no olho do seu
irmão e não presta atenção à trave que está no seu próprio olho?” (Mt
7,1,3). Os acusadores insistiram para que Jesus se definisse e desse uma
resposta e, “Jesus ergueu-se e disse: ‘Quem
de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira pedra’.” (Jo 8,7).
Em outras
palavras, “somente quem fosse santo, quem
não tivesse pecados, quem fosse puro de mãos e limpo de coração, que não
entregasse a sua alma à vaidade e nem jurasse enganosamente” (Sl 24),
poderia ser o primeiro a atirar a pedra.
E quem é assim
não atira pedra em ninguém, pelo contrário, usa a lei da misericórdia, do
perdão e, como Jesus fez, a Lei da Graça onde a pessoa é mais importante do que
a letra.
Jesus, após
dizer: “Quem de vocês não tiver pecado,
atire nela a primeira pedra”, abaixou-se novamente e continuou a escrever
no chão. “E eles, ouvindo o que Jesus
falou, foram saindo uma a um, a começar pelos mais velhos”. (Jo 8,9).
Resultado:
deixaram Jesus sozinho com a mulher. É de se acreditar que até os seus
discípulos e apóstolos, desconsertados com o desfecho, deixaram o local, porque
o Evangelista é taxativo: “E Jesus ficou
sozinho. Ora, a mulher continuava ali no meio”. (Jo 8,9).
Jesus, então,
dirige-se para a mulher fazendo-lhe uma pergunta. “Mulher, onde estão àqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E
ela disse: ‘Ninguém, Senhor’. E disse-lhe Jesus: ‘Nem eu também te condeno;
vai-te, e não peques mais’.” (Jo 8,10-11).
Perguntando para
a mulher se os seus acusadores não a tinham condenado, Jesus deixa claro que
ele não se identifica com eles, “pois
Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho Único, para que todo o que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3,16). Ele não veio para condenar, mas para salvar!
Por isso a mulher está livre para ir, mas não para pecar de novo!
A Lei de
Moisés, que é a lei do Antigo Testamento, foi escrita com o dedo de Deus na
pedra: “Yahweh disse a Moisés: ‘Corte
duas tábuas de pedra, como as primeiras, suba ao meu encontro na montanha, e eu
escreverei as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas que você
quebrou.” (Ex 34,1). É por isso que os infratores da lei de Moisés deveriam
ser punidos com a pedra, com o apedrejamento, porque a sua lei foi escrita na
pedra.
A Lei do amor,
da misericórdia e do perdão, que é a Lei do Novo Testamento e da Nova Aliança,
também é escrita, da mesma forma, com o dedo de Deus, mas não na pedra, mas no
coração de cada um, transmitida, não para Moisés, mas transmitida pela própria “Palavra de Deus que se fez homem e veio
habitar entre nós” (Jo 1,14): “Eu dou
a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês,
vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os
outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos.” (J0 13,34-35).
Por isso é que os que pecam contra esta lei devem ser tratados com compreensão,
amor, misericórdia e perdão, assim como fez Jesus. Deus detesta o pecado, mas
ama o pecador.
O amor mútuo já era orientado no Antigo Testamento,
também como um mandamento: “Amarás o teu
próximo como a ti mesmo” (Lv19,18), mas que foi olvidado e não levado a
sério.
Esta é a Nova
Lei que Jesus escreve e prescreve. Esta é a Nova e Eterna Aliança, não escrita,
mas inscrita nos nossos corações pelo “dedo de Deus”, Jesus Cristo. “Quem não tiver pecado atire a primeira
pedra.”.
Jesus podia
ter atirado! Jesus seria o único que poderia ter atirado a pedra, porque ele
era o único ali presente que não tinha pecado algum. Mas estendeu a mão e
levantou a mulher da sua prostração, libertou-a da sua humilhação, salvou-a até
da sua solidão, conversando com ela pela primeira vez, olhando-a, quem sabe,
amorosamente, nos olhos. Com o olhar e com o coração, Jesus deve ter dito àquela
mulher: “Eu não te condeno! Eu sou o
Messias do Deus sem pedras, o Deus do Perdão abundante. Vai e de agora em
diante não tornes a pecar! Vai, e sê de novo!”.
Mais tarde Paulo escreveria: “Onde
abundou o pecado, superabundou a graça”. (Rm 5,20).
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