XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano B - Cor: verde – Leituras: 1Rs 17,10-16; Sl 145; Hb 9,24-28; Mc
12,38-44.
“ESTA VIÚVA POBRE DEPOSITOU MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS QUE DEPOSITARAM
MOEDAS NO TESOURO”. Mc 12,43.
Diácono
Milton Restivo
A liturgia do
domingo de hoje nos trás duas viúvas: uma na primeira leitura, a viúva de
Sarepta, do tempo do profeta Elias, e a viúva observada por Jesus, que
depositou “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, no Tesouro do Templo.
A viúva, tanto
no Antigo como no Novo Testamento, era uma pessoa discriminada, porque a sua
situação era de pouca segurança. As viúvas, assim como os órfãos e os estrangeiros,
pertenciam àquela categoria de pessoas que sempre necessitava da proteção
especial dos profetas: “... busquem o direito,
socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is
1,76); “... se não oprimirem o
estrangeiro, o órfão e a viúva... então eu continuarei morando com vocês, neste
lugar, nesta terra que eu dei aos seus antepassados...” (Jr 7,6-7).
Também
necessitavam do amparo e da defesa da Lei: “Não
maltrate a viúva nem o órfão, porque se você os maltratar e eles clamarem por
mim, eu escutarei o clamor deles. E eu farei vocês perecerem pela espada...” (Ex
22,21-22); “E você fará uma festa diante
de Yahweh, seu Deus – junto com o seu filho e a sua filha, seu escravo e sua
escrava, com o levita que vive em sua cidade e o imigrante, o órfão e a viúva
que vivem em seu meio - ...” (Dt 16, 11 e 14); “Quando você estiver ceifando a colheita em seu campo e esquecer atrás
um feixe, não volte para pegá-lo: deixe-o para o imigrante, o órfão e a viúva. [...]
o resto será para o imigrante, o órfão e
a viúva” (Dt 24,19.20.21). Existem tantas outras citações que, se não
fossem a intervenção dos profetas e o amparo e a defesa da Lei, as viúvas
viveriam em estado de deplorável necessidade.
A mulher
israelita, especialmente a viúva, era alvo de forte discriminação imposta pela
Lei de Moisés. As viúvas não estavam, de forma alguma, preparadas para
sobreviverem economicamente sem o seu marido. A viúva, se não tivesse pelo
menos um filho para poder herdar as terras do pai de seu filho e permanecer com
a família do falecido, continuava, de certa maneira, ligada ao seu falecido
marido e, de acordo com a Lei contida no livro do Deuteronômio 25,5-10 (a lei
do levirato), se não tivesse filho, deveria esperar que algum dos seus cunhados
a tomasse como mais uma de suas mulheres e com ele tivesse um filho em respeito
pela memória de seu irmão: “Quando dois
irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá de
casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela,
cumprindo o dever de cunhado. O primogênito que nascer receberá o nome do irmão
morto, para que o nome deste não se apague em Israel”. (Dt 25,5-6). Só
depois dos seus cunhados a rejeitarem e depois de cumpridos os rituais
constantes em Deuteronômio 25,7-10, que determinam atitudes agressivas e
degradantes contra o cunhado que a rejeitou, é que a viúva poderia tentar novo
casamento.
O interessante
é observar que em todo o escrito da Bíblia não aparece a palavra “viúvo” (no
masculino). Não há viúvos na história bíblica. Talvez Abraão, cuja esposa,
Sara, morreu antes dele (Gn 23,1-2), seu sobrinho Lot, cuja esposa foi
transformada numa estátua de sal quando da fuga da destruição de Sodoma e
Gomorra (Gn 19,26) e Judá (Gn 38,12) sejam os únicos viúvos de toda a Bíblia,
mas, em nenhum caso o homem é qualificado pelo estado civil “viúvo” como as
mulheres que perderam seus maridos são qualificadas de “viúvas”.
A palavra
viúvo (no masculino) só aparece uma vez e assim mesmo apenas na versão de João
Ferreira de Almeida, a Bíblia usada pelos protestantes e evangélicos
brasileiros: “Aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se
permanecessem no estado em que também eu vivo” (1Cor 7,8), enquanto que nas
traduções conhecidas (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria, Paulinas, do
Peregrino e outras versões) se lê “solteiros ou celibatários e viúvas” (no
feminino), e jamais “viúvo” (no masculino). Pegando, como referência, a Bíblia Pastoral, lê-se:
“Aos solteiros e às viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu”. (1Cor
7,8). Há grande quantidade de viúvas na Bíblia. Viúvas sem nomes: a viúva de
Sarepta (1Rs 17,8-24); a viúva de Técua, que mentiu para o rei Davi (2Sm 14,1-21);
a viúva de Naim (Lc 7,12); a viúva pobre que dá a esmola no Templo (Mc 12,42; Lc
21,2); a viúva perseverante na oração (Lc 18,1-8); e viúvas com nomes: Tamar
(Gn 38,11); Abigail (1Sm 27,3); Noemi, Orfa e Rute (Rt 1,3-5); Ana (Lc 2,36-37)
etc.
Havia tantas
viúvas em Israel que foi necessário garantir a sobrevivência delas por força
das leis, como já citamos (Dt 24,19-22; 26,12-13; 27,19).
Havia tantas
viúvas na igreja primitiva que foi necessário instituir a diaconia para evitar
que algumas fossem omitidas na distribuição diária do alimento (At 6,1-5). Este
assunto, ao longo dos tempos, foi sempre considerado muito delicado.
No Antigo
Testamento Deus condenou os líderes de Israel por não cuidarem das viúvas, e
quando cuidavam, faziam-no mal, como já foi citado: “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão,
defendam a causa da viúva”. (Is 1,76). Mais tarde Jesus acusou os fariseus
de se aproveitarem das viúvas para se promoverem individualmente: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus
hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar,
fazem longas orações!” (Mt 23,14). Posteriormente a Igreja de Jerusalém
passou por um mau bocado pelas divergências que existiam no tratamento das
viúvas, como já se viu, havendo a necessidade da criação da diaconia para,
entre outras coisas, cuidar das viúvas.
(At 6,1-5).
Na primeira
carta a Timóteo é mencionada a necessidade de haver uma lista de viúvas mais
confiáveis e outra de viúvas menos confiáveis. Fariam parte do primeiro grupo
as viúvas acima de sessenta anos, conhecidas por seu testemunho: “A mulher será inscrita no grupo das viúvas
com sessenta anos e não menos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver
em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado filhos, sido hospitaleira
e lavado os pés dos fiéis, socorrido os atribulados, aplicada a toda boa obra”.
(1Tm 5,9-10). “Honre as viúvas que
verdadeiramente são viúvas.” (1Tm 5,3).
Para ser
ajudada pela igreja primitiva, conforme determinação acima, o comportamento
destas mulheres devia respeitar alguns quesitos, a saber: que exerçam a
piedade; estejam desamparadas; que esperam em Deus; sejam espirituais,
dedicando-se à oração; tenham mais de sessenta anos; terem sido mulheres de um
só marido; tenham criado os filhos com dedicação; que exerçam a hospitalidade
aos santos; que socorram os aflitos; que pratiquem toda espécie de boa obra. As
viúvas mais jovens, taxadas de preguiçosas, mexeriqueiras e que vivem batendo
perna na rua pertenceriam ao segundo grupo: “Rejeite às viúvas mais jovens; pois quando seus desejos se afastam de
Cristo, elas querem se casar, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu
primeiro compromisso. Além disso, elas aprendem a viver ociosas, correndo de
casa em casa; elas não são apenas desocupadas, mas também fofoqueiras,
indiscretas, falando o que não devem.” (1Tm 5,11-13). Depois vem a
recomendação às famílias cristãs que têm como membros mulheres viúvas, para que
as próprias famílias cuidem de sua subsistência para não sobrecarregar a Igreja
nesse mistér: “Se um fiel tem viúvas em
sua família, preste socorro a elas; não se onere a igreja, a fim de que a
igreja possa ajudar aquelas que são verdadeiramente viúvas.” (1Tm 5,16).
Assim, a
expressão que aparece no texto de Marcos e de Lucas “viúva pobre”, nesse
contexto cultural, leva-nos a imaginar uma viúva que não tivesse filhos, nem
cunhados que a recebessem, nem quaisquer meios de subsistência.
Jesus está
vivendo a sua última semana de vida em Jerusalém antes de sua entrega total ao
Pai. Desta feita, depois de sentar-se diante do Templo, encontra uma coisa
positiva – o gesto da viúva pobre que depositou duas das menores moedas da
época no cofre do Templo!
O texto de
hoje relata alguns acontecimentos. Primeiro, uma advertência contra a atitude
dos líderes religiosos da época (não serviria para hoje também?): “Tenham cuidado com os doutores da Lei”. Segundo:
adverte contra a ânsia de se destacar dos demais por se vestirem bem, da
mordomia que julgam ter direito e de um tratamento diferenciado: “Eles gostam de andar com roupas compridas,
de ser cumprimentados nas praças púbicas, gostam dos primeiros lugares nas
sinagogas, e dos lugares de honra nos banquetes”. Terceiro: Jesus adverte
contra o anseio de ter prestígio e honras, as falcatruas e as vantagens que
esses líderes religiosos tiravam dos menos favorecidos e o fingimento que
aplicavam para acobertar os seus roubos, transgressões e falsidades: “No entanto, exploram as viúvas e roubam
suas casas, e para disfarçar fazem longas orações”. E, quarto, deixa claro
qual será o fim de quem assim age: “Por
isso eles vão receber uma condenação mais severa.” (Mc 12,35-37). “E Jesus estava sentado diante do Tesouro do
Templo, e olhava a multidão que depositava moedas no
Tesouro. Muitos ricos depositavam muito dinheiro”.
Às vezes, como
aqueles que depositavam grande quantia no Tesouro do Templo, ou pagando
corretamente o seu dízimo, pode-se pensar que quem assim o faz está servindo e
agradando ao Senhor, quando na verdade, apenas estão fazendo um teatro e usando
um palco à vista de todos para colocarem-se em evidência.
Jesus olhava
aquela multidão que acorria ao Templo, principalmente nas festas da Páscoa,
enquanto observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os
olhos e cutucando-se mutuamente quando algum ricaço, ruidosamente, despejava
sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que trazia alegria aos corações
dos sacerdotes que serviam no templo. Vai daí que “Então, chegou uma viuva
pobre, e depositou duas pequenas moedas, que valiam uns poucos centavos”. (Mc 12,41-42). E Jesus chama seus
discípulos e lhes diz que a viúva depositou mais que todos os outros, apesar de
ser apenas “duas pequenas moedas que
valiam uns poucos centavos”, e acrescentou: “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a
viuva, na sua pobreza depositou tudo o que tinha, tudo o que possuia para
viver”. (Mc 12, 44).
Somente Marcos
e Lucas (Mc 20,45; Lc 21,1-4) descrevem a atitude de Jesus perante a pobre
viúva que deitou a sua oferta no cofre do Templo de Jerusalém. Jesus chamou a
atenção dos discípulos para que observassem a oferta da pobre viúva.
A viúva só
chamava a atenção pela sua miséria, mas teve o desprendimento de ofertar ao
Senhor, também, toda a sua pobreza. O pouco que ela deu era tudo o que possuía
para viver e, portanto, muito mais dos que depositavam aquilo que lhes sobrava.
Depositar é ofertar, é dar, é doar. A
viuva deu duas insignificantes moedas que valiam poucos centavos o que, diante
de Deus foi uma grande oferta. “Se o dinheiro não for teu servidor, ele será o
teu mestre”, disse Francis Bacon. E Jesus
explica o porque: “porque todos
depositaram do que estava sobrando para eles”. A viuva deu tudo o que tinha para seu sustento.
Na oferta e na doação existem três princípios
básicos: amor, fé e sacrifício.
Amor quer dizer que ninguém a mandou dar tudo o
que possuia para o seu sustento, e ela deu. Ela ofertou livremente. Era algo
espontâneo, honrando a Deus e sua obra. Demonstrou sua fé, porque a viúva deu
tudo, não ficou com nada, nem para o seu sustento, porque se sentia amparada pela
misericórdia do Senhor. Jesus não demonstrou nenhuma pena pela viúva. Jesus
sabia que a mulher estava acionando um princípio poderoso de Deus para o seu
suprimento: a Fé.
Dar quando se tem muito é fácil. Dar do que sobra
é mais fácil ainda. Mas dar quando se tem necessidade exige fé. Isto significa
confiar mais em Deus do que nas riquezas.
É tendo fé que Deus proverá o sustento da viúva.
Na Bíblia o conceito de oferta está ligado à idéia
de sacrifício.
Não devemos ofertar a Deus o que não significa
nada ou não vale nada para nós. Se as nossas contribuições não nos expõem ao
sacrifício, ainda não atingimos o padrão ensinado por Jesus. A viúva estava
disposta a passar privações para que outros não passassem.
Ainda hoje muita gente
está acostumada a obter tudo a peso de ouro e na razão direta de suas posses
materiais, por isso, julga, com o mesmo gabarito, a justiça de Deus.
Quantos acreditam que,
quando as ofertas forem bastante generosas e todos aplaudirem tocando trombeta
pela suposta generosidade de seus corações, também Deus os recompensará na vida
futura e até na vida presente, como ensinam com muito interesse muitos
seguimentos religiosos que se dizem cristãos: se a tua oferta for generosa, o
teu dízimo for abundante, Deus te recompensará com bens e riquezas materiais. Desconhecem
a admoestação de Jesus, de que os que receberem os aplausos na terra por
supostos bens que fazem ou pela generosidade de suas ofertas ou esmolas, já
receberam a sua recompensa: “Vocês gostam
de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. De
fato, o que é importante para os homens, é detestável para Deus”. (Lc
16,15); “Não pratiquem a justiça de vocês
diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não
terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu. [...] Eu garanto a vocês: eles já receberam a
recompensa”. (Mt 6,1.2a). Esquecem-se de que Deus não se deixa levar por aplausos
e respeitos humanos. A viúva tímida, quase que ocultamente, pois somente Jesus
e os seus discípulos presenciaram o seu gesto, depositou, na arca do tesouro do
Templo, a sua oferenda obscura e insignificante, fruto do seu trabalho e
indispensável para o seu próprio sustento. Jesus considerou a sua oferta
superior ao conjunto de todas as demais dádivas que ali foram colocadas pelos
abastados da cidade.
A viúva depositou o que
lhe era substancial, ao passo que os outros deram do que lhes sobrava, e que
não lhes faria falta alguma.
A religião genuína
é a que alcança e socorre os necessitados, como disse Tiago em sua carta: "Religião pura e sem mancha diante de
Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se
livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).
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