sábado, 10 de novembro de 2012

“ESTA VIÚVA POBRE DEPOSITOU MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS QUE DEPOSITARAM MOEDAS NO TESOURO”. Mc 12,43.

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano B - Cor: verde – Leituras: 1Rs 17,10-16; Sl 145; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44.
“ESTA VIÚVA POBRE DEPOSITOU MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS QUE DEPOSITARAM MOEDAS NO TESOURO”. Mc 12,43.

Diácono Milton Restivo
http://gasfa.org.br/Msgs/2007/Dez/Obulo_da_viuva2.jpg

A liturgia do domingo de hoje nos trás duas viúvas: uma na primeira leitura, a viúva de Sarepta, do tempo do profeta Elias, e a viúva observada por Jesus, que depositou “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, no Tesouro do Templo.
A viúva, tanto no Antigo como no Novo Testamento, era uma pessoa discriminada, porque a sua situação era de pouca segurança. As viúvas, assim como os órfãos e os estrangeiros, pertenciam àquela categoria de pessoas que sempre necessitava da proteção especial dos profetas: “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76); “... se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva... então eu continuarei morando com vocês, neste lugar, nesta terra que eu dei aos seus antepassados...” (Jr 7,6-7).
Também necessitavam do amparo e da defesa da Lei: “Não maltrate a viúva nem o órfão, porque se você os maltratar e eles clamarem por mim, eu escutarei o clamor deles. E eu farei vocês perecerem pela espada...” (Ex 22,21-22); “E você fará uma festa diante de Yahweh, seu Deus – junto com o seu filho e a sua filha, seu escravo e sua escrava, com o levita que vive em sua cidade e o imigrante, o órfão e a viúva que vivem em seu meio - ...” (Dt 16, 11 e 14); “Quando você estiver ceifando a colheita em seu campo e esquecer atrás um feixe, não volte para pegá-lo: deixe-o para o imigrante, o órfão e a viúva. [...] o resto será para o imigrante, o órfão e a viúva” (Dt 24,19.20.21). Existem tantas outras citações que, se não fossem a intervenção dos profetas e o amparo e a defesa da Lei, as viúvas viveriam em estado de deplorável necessidade.
A mulher israelita, especialmente a viúva, era alvo de forte discriminação imposta pela Lei de Moisés. As viúvas não estavam, de forma alguma, preparadas para sobreviverem economicamente sem o seu marido. A viúva, se não tivesse pelo menos um filho para poder herdar as terras do pai de seu filho e permanecer com a família do falecido, continuava, de certa maneira, ligada ao seu falecido marido e, de acordo com a Lei contida no livro do Deuteronômio 25,5-10 (a lei do levirato), se não tivesse filho, deveria esperar que algum dos seus cunhados a tomasse como mais uma de suas mulheres e com ele tivesse um filho em respeito pela memória de seu irmão: “Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá de casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela, cumprindo o dever de cunhado. O primogênito que nascer receberá o nome do irmão morto, para que o nome deste não se apague em Israel”. (Dt 25,5-6). Só depois dos seus cunhados a rejeitarem e depois de cumpridos os rituais constantes em Deuteronômio 25,7-10, que determinam atitudes agressivas e degradantes contra o cunhado que a rejeitou, é que a viúva poderia tentar novo casamento.
O interessante é observar que em todo o escrito da Bíblia não aparece a palavra “viúvo” (no masculino). Não há viúvos na história bíblica. Talvez Abraão, cuja esposa, Sara, morreu antes dele (Gn 23,1-2), seu sobrinho Lot, cuja esposa foi transformada numa estátua de sal quando da fuga da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19,26) e Judá (Gn 38,12) sejam os únicos viúvos de toda a Bíblia, mas, em nenhum caso o homem é qualificado pelo estado civil “viúvo” como as mulheres que perderam seus maridos são qualificadas de “viúvas”.
A palavra viúvo (no masculino) só aparece uma vez e assim mesmo apenas na versão de João Ferreira de Almeida, a Bíblia usada pelos protestantes e evangélicos brasileiros: “Aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo” (1Cor 7,8), enquanto que nas traduções conhecidas (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria, Paulinas, do Peregrino e outras versões) se lê “solteiros ou celibatários e viúvas” (no feminino), e jamais “viúvo” (no masculino).  Pegando, como referência, a Bíblia Pastoral, lê-se: “Aos solteiros e às viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu”. (1Cor 7,8). Há grande quantidade de viúvas na Bíblia. Viúvas sem nomes: a viúva de Sarepta (1Rs 17,8-24); a viúva de Técua, que mentiu para o rei Davi (2Sm 14,1-21); a viúva de Naim (Lc 7,12); a viúva pobre que dá a esmola no Templo (Mc 12,42; Lc 21,2); a viúva perseverante na oração (Lc 18,1-8); e viúvas com nomes: Tamar (Gn 38,11); Abigail (1Sm 27,3); Noemi, Orfa e Rute (Rt 1,3-5); Ana (Lc 2,36-37) etc.
Havia tantas viúvas em Israel que foi necessário garantir a sobrevivência delas por força das leis, como já citamos (Dt 24,19-22; 26,12-13; 27,19).
Havia tantas viúvas na igreja primitiva que foi necessário instituir a diaconia para evitar que algumas fossem omitidas na distribuição diária do alimento (At 6,1-5). Este assunto, ao longo dos tempos, foi sempre considerado muito delicado.
No Antigo Testamento Deus condenou os líderes de Israel por não cuidarem das viúvas, e quando cuidavam, faziam-no mal, como já foi citado: “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76). Mais tarde Jesus acusou os fariseus de se aproveitarem das viúvas para se promoverem individualmente: “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações!” (Mt 23,14). Posteriormente a Igreja de Jerusalém passou por um mau bocado pelas divergências que existiam no tratamento das viúvas, como já se viu, havendo a necessidade da criação da diaconia para, entre outras coisas, cuidar das viúvas.  (At 6,1-5). 
Na primeira carta a Timóteo é mencionada a necessidade de haver uma lista de viúvas mais confiáveis e outra de viúvas menos confiáveis. Fariam parte do primeiro grupo as viúvas acima de sessenta anos, conhecidas por seu testemunho: “A mulher será inscrita no grupo das viúvas com sessenta anos e não menos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado filhos, sido hospitaleira e lavado os pés dos fiéis, socorrido os atribulados, aplicada a toda boa obra”. (1Tm 5,9-10). “Honre as viúvas que verdadeiramente são viúvas.” (1Tm 5,3).
Para ser ajudada pela igreja primitiva, conforme determinação acima, o comportamento destas mulheres devia respeitar alguns quesitos, a saber: que exerçam a piedade; estejam desamparadas; que esperam em Deus; sejam espirituais, dedicando-se à oração; tenham mais de sessenta anos; terem sido mulheres de um só marido; tenham criado os filhos com dedicação; que exerçam a hospitalidade aos santos; que socorram os aflitos; que pratiquem toda espécie de boa obra. As viúvas mais jovens, taxadas de preguiçosas, mexeriqueiras e que vivem batendo perna na rua pertenceriam ao segundo grupo: “Rejeite às viúvas mais jovens; pois quando seus desejos se afastam de Cristo, elas querem se casar, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro compromisso. Além disso, elas aprendem a viver ociosas, correndo de casa em casa; elas não são apenas desocupadas, mas também fofoqueiras, indiscretas, falando o que não devem.” (1Tm 5,11-13). Depois vem a recomendação às famílias cristãs que têm como membros mulheres viúvas, para que as próprias famílias cuidem de sua subsistência para não sobrecarregar a Igreja nesse mistér: “Se um fiel tem viúvas em sua família, preste socorro a elas; não se onere a igreja, a fim de que a igreja possa ajudar aquelas que são verdadeiramente viúvas.” (1Tm 5,16).  
Assim, a expressão que aparece no texto de Marcos e de Lucas “viúva pobre”, nesse contexto cultural, leva-nos a imaginar uma viúva que não tivesse filhos, nem cunhados que a recebessem, nem quaisquer meios de subsistência.
Jesus está vivendo a sua última semana de vida em Jerusalém antes de sua entrega total ao Pai. Desta feita, depois de sentar-se diante do Templo, encontra uma coisa positiva – o gesto da viúva pobre que depositou duas das menores moedas da época no cofre do Templo!
O texto de hoje relata alguns acontecimentos. Primeiro, uma advertência contra a atitude dos líderes religiosos da época (não serviria para hoje também?): “Tenham cuidado com os doutores da Lei”. Segundo: adverte contra a ânsia de se destacar dos demais por se vestirem bem, da mordomia que julgam ter direito e de um tratamento diferenciado: “Eles gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças púbicas, gostam dos primeiros lugares nas sinagogas, e dos lugares de honra nos banquetes”. Terceiro: Jesus adverte contra o anseio de ter prestígio e honras, as falcatruas e as vantagens que esses líderes religiosos tiravam dos menos favorecidos e o fingimento que aplicavam para acobertar os seus roubos, transgressões e falsidades: “No entanto, exploram as viúvas e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações”. E, quarto, deixa claro qual será o fim de quem assim age: “Por isso eles vão receber uma condenação mais severa.” (Mc 12,35-37). “E Jesus estava sentado diante do Tesouro do Templo, e olhava a multidão que depositava moedas no Tesouro. Muitos ricos depositavam muito dinheiro”.
Às vezes, como aqueles que depositavam grande quantia no Tesouro do Templo, ou pagando corretamente o seu dízimo, pode-se pensar que quem assim o faz está servindo e agradando ao Senhor, quando na verdade, apenas estão fazendo um teatro e usando um palco à vista de todos para colocarem-se em evidência.
Jesus olhava aquela multidão que acorria ao Templo, principalmente nas festas da Páscoa, enquanto observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os olhos e cutucando-se mutuamente quando algum ricaço, ruidosamente, despejava sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que trazia alegria aos corações dos sacerdotes que serviam no templo. Vai daí que “Então, chegou uma viuva pobre, e depositou duas pequenas moedas, que valiam uns poucos centavos”. (Mc 12,41-42). E Jesus chama seus discípulos e lhes diz que a viúva depositou mais que todos os outros, apesar de ser apenas “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, e acrescentou: “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a viuva, na sua pobreza depositou tudo o que tinha, tudo o que possuia para viver”. (Mc 12, 44).
Somente Marcos e Lucas (Mc 20,45; Lc 21,1-4) descrevem a atitude de Jesus perante a pobre viúva que deitou a sua oferta no cofre do Templo de Jerusalém. Jesus chamou a atenção dos discípulos para que observassem a oferta da pobre viúva.
A viúva só chamava a atenção pela sua miséria, mas teve o desprendimento de ofertar ao Senhor, também, toda a sua pobreza. O pouco que ela deu era tudo o que possuía para viver e, portanto, muito mais dos que depositavam aquilo que lhes sobrava. Depositar é ofertar, é dar, é doar. A viuva deu duas insignificantes moedas que valiam poucos centavos o que, diante de Deus foi uma grande oferta. “Se o dinheiro não for teu servidor, ele será o teu mestre”, disse Francis Bacon.  E Jesus explica o porque: “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles”.  A viuva deu tudo o que tinha para seu sustento.
Na oferta e na doação existem três princípios básicos: amor, fé e sacrifício.
Amor quer dizer que ninguém a mandou dar tudo o que possuia para o seu sustento, e ela deu. Ela ofertou livremente. Era algo espontâneo, honrando a Deus e sua obra. Demonstrou sua fé, porque a viúva deu tudo, não ficou com nada, nem para o seu sustento, porque se sentia amparada pela misericórdia do Senhor. Jesus não demonstrou nenhuma pena pela viúva. Jesus sabia que a mulher estava acionando um princípio poderoso de Deus para o seu suprimento: a Fé.
Dar quando se tem muito é fácil. Dar do que sobra é mais fácil ainda. Mas dar quando se tem necessidade exige fé. Isto significa confiar mais em Deus do que nas riquezas.
É tendo fé que Deus proverá o sustento da viúva.
Na Bíblia o conceito de oferta está ligado à idéia de sacrifício.
Não devemos ofertar a Deus o que não significa nada ou não vale nada para nós. Se as nossas contribuições não nos expõem ao sacrifício, ainda não atingimos o padrão ensinado por Jesus. A viúva estava disposta a passar privações para que outros não passassem.
Ainda hoje muita gente está acostumada a obter tudo a peso de ouro e na razão direta de suas posses materiais, por isso, julga, com o mesmo gabarito, a justiça de Deus.
Quantos acreditam que, quando as ofertas forem bastante generosas e todos aplaudirem tocando trombeta pela suposta generosidade de seus corações, também Deus os recompensará na vida futura e até na vida presente, como ensinam com muito interesse muitos seguimentos religiosos que se dizem cristãos: se a tua oferta for generosa, o teu dízimo for abundante, Deus te recompensará com bens e riquezas materiais. Desconhecem a admoestação de Jesus, de que os que receberem os aplausos na terra por supostos bens que fazem ou pela generosidade de suas ofertas ou esmolas, já receberam a sua recompensa: “Vocês gostam de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. De fato, o que é importante para os homens, é detestável para Deus”. (Lc 16,15); “Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu. [...] Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa”. (Mt 6,1.2a). Esquecem-se de que Deus não se deixa levar por aplausos e respeitos humanos. A viúva tímida, quase que ocultamente, pois somente Jesus e os seus discípulos presenciaram o seu gesto, depositou, na arca do tesouro do Templo, a sua oferenda obscura e insignificante, fruto do seu trabalho e indispensável para o seu próprio sustento. Jesus considerou a sua oferta superior ao conjunto de todas as demais dádivas que ali foram colocadas pelos abastados da cidade.
A viúva depositou o que lhe era substancial, ao passo que os outros deram do que lhes sobrava, e que não lhes faria falta alguma.
A religião genuína é a que alcança e socorre os necessitados, como disse Tiago em sua carta: "Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).

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