Ano – C; Cor – branco; Leituras: At 1,1-11;
Sl 47 (47); Ef 1,17-23; Lc 24,46-53.
“VOCÊS SERÃO TESTEMUNHAS DE TUDO ISSO”. (Lc 24,48).
Diácono
Milton Restivo
Se pegarmos
o final do Evangelho segundo Lucas e o início do livro dos Atos dos Apóstolos,
os dois livros creditados a Lucas, veremos que é uma continuação ininterrupta,
ou seja, Lucas começa o livro de Atos dos Apóstolos com o mesmo fato com que havia
terminado o seu Evangelho: a ascensão de Jesus Cristo aos céus.
Lucas é o
único evangelho em que há indicações de um destinatário: Teófilo (Lc 1,3), o
mesmo do livro dos Atos dos Apóstolos (At 1,3).
Lucas
começa o seu Evangelho com uma dedicatória a Teófilo, como da mesma forma, no
início dos Atos dos Apóstolos ele faz a dedicatória ao mesmo destinatário.
No seu
Evangelho Lucas começa assim: “Muitos
empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre
nós, como no-los transmitiram aqueles que foram desde o princípio testemunhas
oculares e que se tornaram ministros da palavra. Também a mim me pareceu bem,
depois de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevê-los
para ti segundo a ordem, excelentíssimo Teófilo,
para que conheças a solidez daqueles ensinamentos que tens recebido’. (Lc
1,1-4).
No livro
dos Atos dos Apóstolos, este é o início: “Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que
Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado
mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi
elevado às alturas”. (At
1,1-2).
Lucas dedicou seu Evangelho ao "excelentíssimo
Teófilo", e nos Atos dos
Apóstolos repete a dedicatória. Até hoje não se sabe quem seja “Teófilo”.
Muitas
explicações tem-se dado a respeito. Muitos defendem a tese de que Teófilo teria
sido uma personagem importante entre as autoridades da época; outros levantam a
hipótese que seria um nobre convertido ao cristianismo pelo próprio Lucas. Mas
não existe amparo para nenhuma dessas teses.
Teófilo, em grego significa "Amigo de
Deus", (Théou-philos).
A expressão literária pode estar-se
referindo a uma pessoa em particular, a uma comunidade ou a todos que se
enquadrarem ao termo.
A conclusão
lógica, mas não definitiva que se poderia chegar, seria que Lucas teria escrito
o seu Evangelho para todos os Teófilos, “amigos de Deus”, ou seja, para todos aqueles
que aderiram com fé, confiança e responsabilidade à mensagem de Jesus Cristo,
todos os convertidos ou os que se convertem todos os dias. Todos são “Théou
philos”, todos são amigos de Deus.
A ascensão
de Jesus Cristo desempenha, assim, nos escritos de Lucas, um papel de
articulação, pois encerra o Evangelho e dá início aos Atos dos Apóstolos, ou
seja, o término da história de Jesus que se realizou na terra (o Evangelho) e o
início da história da Igreja já com o Cristo Ressuscitado (Atos).
A Ascensão
faz parte da glorificação e exaltação de Jesus. Jesus, de natureza divina e por
ter assumindo a natureza humana, na sua ascensão, ao se colocar à direita da
glória do Pai, leva consigo a nossa frágil natureza humana unida à sua
divindade.
Pois bem, a
glória de Jesus é antecipação e garantia da nossa, como diz a oração inicial da
Missa da festividade da Ascensão do Senhor: “Ó Deus todo-poderoso, a
ascensão do vosso Filho já é nossa vitória. Fazei-nos exultar de alegria e
fervorosa ação de graças, pois, membros do seu corpo, somos chamados na
esperança a participar da sua glória”. (Missal Romano).
Jesus
promete e afirma: “Vocês receberão o
poder do Espírito Santo, que descerá sobre vocês para serem minhas
testemunhas...” (At 1,8).
A Ascensão
de Jesus Cristo é o ponto de partida para os seus seguidores começarem a ser
testemunhas e anunciadores de Cristo exaltado que voltou ao Pai para sentar-se
à sua direita.
O Senhor
glorificado continua presente no mundo por meio de sua ação naqueles que crêem em sua Palavra e deixam
que o Espírito Santo atue interiormente e livremente neles.
O mandato
de Jesus é claro, preciso e vigente: "Vão
pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia". (Mc 16,15); “Vão e façam com que todos os povos se
tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo, e ensinando-os a observat tudo o que ordenei a vocês”. (Mt
28,19-20). Por isso, a nova presença do
Ressuscitado em sua Igreja,
de maneira não mais visível, faz com que seus seguidores constituam a
comunidade de vida e de salvação.
E isso
começa a se operar a partir do momento em que os discípulos de Jesus recebem o
Espírito Santo e partem pelo mundo afora para testemunharem Jesus Cristo.
Sob a ação
do Espírito Santo todos os discípulos de Jesus são suas testemunhas, e isso já
ficou constatado e patenteado no início da Igreja: “Esses homens que estão falando, não são galileus? Como é que cada um
de nós os ouve em sua própria língua materna? [...] E cada um de nós, em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas
de Deus. Todos estavam admirados e perplexos, e cada um perguntava ao outro: ‘O
que quer dizer isso?”. (At 2,7.11-12); “E
nós somos testemunhas dessas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu
àqueles que lhe obedecem”. (At 5,32); “Quando
começaram a acreditar em Filipe, que anunciava a Boa Notícia do Reino de Deus e
do nome de Jesus Cristo, tanto os homens como as mulheres se apresentavam para
o batismo.” (At 8,12); E nós somos
testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles
mataram a Jesus, suspendendo-o numa cruz. Deus, porém, o ressuscitou no
terceiro dia e lhe concedeu manifestar sua presença, não para todo o povo, mas
para as testemunhas que Deus já havia escolhido: para nós, que comemos e
bebemos com Jesus, depois que ele ressuscitou dos mortos. E Jesus nos mandou
pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos.
Sobre ele todos os profetas dão o seguinte testemunho: todo aquele que acredita
em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados”. (At 10,39-43). “Mas Deus o ressuscitou dos mortos, e
durante muitos dias ele apareceu àqueles que o acompanharam da Galiléia a
Jerusalém, Agora eles são testemunhas de Jesus diante do povo”. (At
13,30-31).
Os
versículos finais do Evangelho de Lucas encerram como se fossem uma síntese de
todo o Evangelho: Jesus cumpre as profecias com a sua Paixão e Ressurreição,
com que nos obtém o perdão dos pecados: “Assim
está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e, no
seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados de todas as
nações, começando por Jerusalém”. (Lc 24,46-47).
É exatamente
isto que tem de ser pregado a todos os povos, a partir de testemunhas
credenciadas: “E vocês são testemunhas
disso.” (Lc 24,48). E tudo isso acontecerá com a força do Espírito Santo: “Agora eu lhes enviarei aquele que meu Pai
prometeu”. (Lc 24,49).
Jesus cumprira a sua missão, conforme ele
mesmo afirmou ainda na cruz: “Está tudo consumado”. (Jo 21,30). A missão
da Palavra de Deus que se fez homem e veio habitar entre nós (cf Jo 1,14)
encerrou-se com o último suspiro de Jesus na cruz. Dai para frente, seria o
Espírito Santo que deveria operar. E, na sua ascensão ao Pai, Jesus diz que
agora ele enviará o Espírito Santo que o Pai havia prometido e que Jesus
anunciara durante toda a sua vida pública.
Sem a presença do Espírito Santo na Igreja,
não saberíamos quem fora Jesus e desconheceríamos totalmente os seus
ensinamentos. Como diz o Apóstolo Paulo: “Por isso eu declaro a vocês que ninguém, falando sob a ação do Espírito
de Deus, jamais poderá dizer: ‘Maldito Jesus’. E ninguém poderá dizer ‘Jesus é
o Senhor’ a não ser sob a ação do Espírito Santo”. (1Cor 12,3).
A ascensão
de Jesus Cristo ao céu não é o fim de sua presença entre os homens, mas o
começo de uma nova forma de estar no mundo. Sua presença acompanha com sinais a
missão evangelizadora de seus discípulos.
A
comunidade pós-pascal necessitou de um tempo para reforçar sua fé periclitante
no Ressuscitado. A Ascensão é o fim da visibilidade terrena de Jesus Cristo e o
início de um novo tipo de sua presença entre nós. Ao ser glorificado, Jesus,
que é uma pessoa divina, é entronizado com todo o poder no céu e na terra: ele,
ressuscitado, é constituído Senhor do universo, Senhor da história, Senhor da
nossa vida.
É isto que
a Escritura e a Tradição e o Magistério querem dizer e como diz Paulo na
segunda leitura ao afirmar que o Pai “manifestou
a sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à
direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania ou
qualquer título que se possa mencionar não somente neste mundo, mas ainda no
mundo futuro” (Ef 1,20-21). Jesus está “sentado
à direita de Deus Pai”: ele tem o mesmo poder do Pai, ele recebeu o
senhorio sobre tudo.
É este o
significado da ascensão. Um de nossa raça está inserido na vida da Trindade, um
de nossa raça é Senhor do céu e da terra, um de nossa humanidade é Senhor dos
anjos, um de nossa natureza está no topo de todas as coisas. É o que dirá a
oração após a comunhão da Missa da festividade da Ascensão do Senhor: “Deus eterno e todo-poderoso, que nos
concedeis conviver na terra com as realidades do céu, fazei que nossos corações
se voltem para o alto, onde está junto de vós a nossa humanidade”. (Missal
Romano).
Lucas
exprime esta realidade nos Atos dos Apóstolos afirmando que Jesus “foi
elevado ao céu à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não
podiam mais vê-lo”. (At 1,9). Jesus subiu para uma vida superior, para uma
plenitude que não é deste mundo.
Jesus,
agora, está totalmente imerso no mundo de Deus. É este o significado da nuvem
que o encobre. A nuvem é o símbolo do Espírito que, divinizando-o
completamente, coloca-o diretamente no âmbito de Deus Pai. Por isso já não
podemos mais ver Jesus com os olhos da carne.
Mas, a
partida de Jesus não é um afastamento de nós. Ele estará, para sempre, interior
e realmente, presente no coração da Igreja e de cada fiel através da potência
do seu Espírito Santo.
Este é o
mistério que vamos celebrar no próximo domingo, no Pentecostes.
Na glória,
sentado à direita do Pai, Jesus agirá sempre como “Cabeça da Igreja, que é
seu corpo” (Ef
1,22b-23a), vivificando-a, sustentando-a, e conduzindo-a sempre mais a ele, até
que ele venha, conforme a comunidade aclama ao ser dito pelo presidente da
celebração: “Eis o mistério da fé”, e todos respondemos: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos
deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa
vinda” (Missal
Romano - cf 1Cor 11,27), do mesmo modo que os apóstolos o viram partir.
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