domingo, 17 de abril de 2016

“AS MINHAS OVELHAS ESCUTAM A MINHA VOZ...” (Jo 10,27).

IV DOMINGO DA PÁSCOA

“AS MINHAS OVELHAS ESCUTAM A MINHA VOZ...” (Jo 10,27).


Diácono Milton Restivo

Na primeira leitura da Liturgia da Palavra deste domingo Paulo e Barnabé tentam levar a Palavra de Deus aos judeus que residiam fora da Palestina, na cidade de Antioquia da Pisídia, mas foram rejeitados por eles e deixaram de levar a palavra aos judeus e se voltaram para os outros povos que não tinham compromisso com a Lei de Moisés: “Era preciso anunciar a palavra de Deus primeiro a vocês (judeus). Mas como vocês a rejeitaram e se consideram indignos da vida eterna, saibam vocês que vamos dirigir-nos aos pagãos”. (At 13,46).
Dito isto, os judeus “provocaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé e expulsaram-nos do seu território. Então os apóstolos sacudiram contra eles a poeira dos pés e foram para a cidade de Icônio”. (At 13,50-51).
O Salmo responsorial aclama Yahweh como Deus e Pastor, e nós somos o seu rebanho: “Saiba que somente Yahweh é Deus; ele nos fez e a ele pertencemos, somos seu povo e ovelha do seu rebanho.” (Sl 100 (99),2).
O quarto domingo da Páscoa é conhecido como o domingo do Bom Pastor porque todos os anos Jesus é apresentado, neste domingo, como o Bom Pastor. No Antigo Testamento a imagem do pastor aparece com muita frequência, e grandes personagens que marcaram a história do povo israelita foram pastores, como Abel, Abraão, Moisés, Davi e muitos outros. 
        A origem do povo israelita evoca a figura do pastor, pois que a Palestina é uma região árida e o povo era nômade, isto é, não tinha fixação para sua permanência, vivia em tendas perambulando pelo deserto, buscando sempre lugares para que seus rebanhos de ovelhas pudessem se alimentar. Abraão, o pai dos israelitas, era pastor e, conforme constatamos, a partir do capítulo 12 do livro do Gênesis, Abraão foi escolhido por Yahweh para ser o pai de um grande povo: “Eu farei de você um grande povo, e o abençoarei; tornarei famoso o seu nome, de modo que se torne uma benção”. (Gn 12,2). A partir daí, Abraão parte das terras longínquas de seus antepassados e passa a ter uma vida de nômade, buscando regiões onde pudesse alimentar e dar de beber aos seus rebanhos, percorrendo as terras áridas da Palestina, que mais tarde seriam tomadas e habitadas pelos seus descendentes. O pastor passava o dia todo com as suas ovelhas e estabelecia com elas uma profunda identidade. O salmista, em suas súplicas, chama Yahweh de pastor: “Pastor de Israel, dá ouvidos, tu que diriges a José como a um rebanho...”. (Sl 80 (79),1).
O rei Davi se deleita ao entregar-se aos cuidados de Yahweh, a quem chama de Pastor: “Yahweh é o meu pastor. Nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar; para fontes tranquilas me conduz, e restaura minhas forças”. (Sl 23 (22),1-2). O profeta Isaias demonstra o amor que Yahweh tem por seu rebanho: “Como um pastor, Ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos ao colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam.”. (Is 40,11). Mais tarde, talvez reportando-se a essa declaração de Isaias, Jesus conta a parábola da ovelha perdida, e diz que “quando a encontra, com muita alegria a coloca nos ombros”. (Lc 15,5). Nas Sagradas Escrituras são encontrados cento e vinte e um registros para a palavra “pastor”.
Os reis de Israel eram considerados, por Yahweh, pastores do seu povo: “Darei a vocês pastores de acordo com o meu coração, e eles guiarão vocês com ciência e sensatez”. (Jr 3,15).
Mas, a maioria dos reis de Israel não correspondeu à sua vocação e esses reis foram maus pastores que caminharam e conduziram o povo de Yahweh por caminhos da morte e da desgraça, provocando, assim, a ira de Yahweh: Os pastores perderam o bom-senso e deixaram de procurar Yahweh; por isso não tiveram sucesso, e o rebanho que conduziam dispersou-se.” (Jr 10,21);      “Ai dos pastores que dispersam e perdem as ovelhas do meu rebanho. Por isso, assim diz Yahweh, o Deus de Israel, contra os pastores encarregados de cuidar do meu povo: Vocês espalharam e expulsaram as minhas ovelhas, e não se preocuparam com elas. Pois agora sou eu que vou pedir para vocês contas pelo mal que vocês praticaram - oráculo de Yahweh. [...] Vou dar-lhes pastores que cuidem delas, e elas nunca mais terão medo ou susto, nem se perderão - oráculo de Yahweh.” (Jr 23,1-2.4); “Criatura humana, profetize contra os pastores de Israel, dizendo: ‘Assim diz o Senhor Yahweh: Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos! Não é do rebanho que os pastores devem cuidar? [...] Por falta de pastor, minhas ovelhas se espalharam e se tornaram pasto de feras selvagens. [...] Por isso, vocês, pastores, ouçam a palavra de Yahweh: Juro por minha vida – oráculo do Senhor Yahweh,: minhas ovelhas se tornaram presa fácil e servem de pasto para as feras selvagens. Elas não têm pastor, porque os meus pastores não se preocupam com o meu rebanho; ficam cuidando de si mesmos, em vez de cuidarem do meu rebanho. Por isso, pastores, ouçam a palavra de Yahweh! Assim diz o Senhor Yahweh: Vou me colocar contra os pastores. Vou pedir contas a eles sobre o meu rebanho, e não deixarei mais que eles cuidem do meu rebanho. Deste modo os pastores não ficarão mais cuidando de si mesmos. Eu arrancarei minhas ovelhas da boca deles, e elas não servirão mais de pasto para eles”. (Ez 34,2.5.7-10).
Depois de tanta indignação por parte de Yahweh contra os reis, os sacerdotes, e as autoridades de uma maneira geral que dominavam sobre o povo israelita, Yahweh diz: “Eu mesmo conduzirei as minhas ovelhas para o pasto e as farei repousar – oráculo do Senhor Yahweh. Procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, cuidarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca.” (Ez 34,15-16), e promete um pastor que cuidaria definitivamente de suas ovelhas: “Farei surgir um pastor para cuidar das minhas ovelhas. Será o meu servo Davi. Ele cuidará delas e será o seu pastor. Eu, Yahweh, serei o Deus delas, e o meu servo Davi será o seu chefe. Fui eu, Yahweh, que falei.” (Ez 34,23-24).
E tudo isso se concretizou na pessoa de Jesus Cristo, descendente de Davi, o pastor, prometido por Yahweh pelo profeta do Antigo Testamento. Jesus mostra sua identidade de pastor na parábola da ovelha perdida, quando uma das cem ovelhas é desgarrada do rebanho e o pastor não descansa enquanto não a encontrar: “E quando a encontra, com muita alegria a coloca nos ombros.” (Lc 15,5). No Evangelho segundo João Jesus se diz o Bom Pastor: Eu sou o bom pastor: conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem”. (Jo 10,14).
Muitas vezes, nos Evangelhos, Jesus se compadece da multidão que o segue, e muitas vezes a compara com “ovelhas sem pastor”: Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor”. (Mt 9,36); “Quando saiu da barca, Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão, porque estavam como ovelhas sem pastor. Então começou a ensinar-lhes muitas coisas”. (Mc 6,34).
Jesus é o Bom Pastor. A missão do Bom Pastor é conduzir suas ovelhas às pastagens verdejantes e às águas cristalinas de onde brota a vida em plenitude: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará. Em verdes prados ele me faz repousar. Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos ele me leva, por amor do seu nome”. (Sl 23 (22), 1-3), porque Jesus veio para nos trazer vida em abundância: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
O Bom Pastor conduz suas ovelhas para as águas cristalinas e refrescantes: Jesus é a fonte que jorra para a vida eterna: “Aquele que beber da água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe darei, vai tornar dentro dele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. (Jo 4,14). O Bom Pastor restaura as forças de suas ovelhas: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come desse pão viverá para sempre. E o pão que eu vou dar é a minha própria carne, para que o mundo tenha a vida.” (Jo 6,51).
Quem se deixa conduzir pelo Bom Pastor passa a viver especificamente da palavra que sai da boca de Deus: “E como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, assim aquele que me receber como alimento viverá em mim. Este é o pão que desceu do céu. Não é como o pão que os pais de vocês comeram e depois morreram. Quem come deste pão viverá para sempre.” (Jo 6,57-58). Para as ovelhas, os verdes pastos (pão - Eucaristia) e a água perene (vida eterna - Sacramentos) são suficientes para a subsistência, ou seja, de nada sentirão falta: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo: Ele nos abençoou com toda benção espiritual no céu, em Cristo”.  (Ef 1,3); “Pois em Jesus é que vocês receberam todas as riquezas, tanto da palavra quanto do conhecimento.” (1Cor 1,5); “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo por sua grande misericórdia. Ressuscitando Jesus Cristo dos mortos, ele nos fez nascer para uma esperança viva, para uma herança que não se corrompe, não se mancha e não murcha. (2Pd 1,3-4).
Jesus é o Bom Pastor, porque somente o Bom Pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas: “Eu sou o Bom Pastor. O Bom Pastor dá a sua vida por suas ovelhas”. (Jo 10,11). O mercenário, aquele que trabalha por dinheiro ou por promoção própria, não tem compromisso com as ovelhas, não se preocupa com elas e as deixa desprotegidas e desamparadas quando ocorre um perigo: “O mercenário não é pastor a quem as ovelhas não pertencem, quando vê o lobo chegar, abandona e sai correndo. Então o lobo ataca e dispersa as ovelhas. O mercenário foge porque trabalha só por dinheiro, e não se importa com as ovelhas”. (Jo 10,12-13).
E quantos mercenários, nos nossos dias, em todos os seguimentos cristãos, se autodenominam pastores, levando o rebanho do Bom Pastor por caminhos tortuosos, afastando-o das águas cristalinas e não lhe restaurando a força para viver uma vida digna; iguais a esses Yahweh vomitou de sua boca e, no Antigo Testamento, os recriminou, como continua fazendo com os maus pastores ou mercenários da atualidade: "Eu conheço as tuas ações e as tuas obras, que nem és frio nem quente. Quem dera que foras um ou outro, frio ou quente! Assim, porque és morno e nem és frio nem quente, te vomitarei da minha boca!... sê pois zeloso e arrepende-te!”(Apo 3,15-16.19).
Jesus é o Bom Pastor porque conhece as suas ovelhas e é conhecido por elas: “Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas”. (Jo 10, 14-15).
A maior prova de amor está no verdadeiro amor que vem do Pai, “pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho único para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele”. (Jo 3,16-17). Jesus não somente viveu intensamente esse amor que vem do Pai, “porque Deus é amor” (1Jo 4,8), mas também deixou a todos o seu mandamento: “o meu mandamento é este: amem-se uns aos outros assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos.” (Jo 15,12-13).
O Bom Pastor conhece cada ovelha do seu rebanho e a chama pelo nome, e as suas ovelhas o seguem: “Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor”. (Jo 10,16).
Sem sombras de dúvidas Jesus é o Bom Pastor, porque somente Deus é bom “Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus.” (Lc 18,19), e o Pai e Jesus são um: “Eu e o Pai somos um.” (Jo 10,30), conforme o estabelecido na eternidade: “Porque, a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, Hoje te gerei? Ou ainda: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho?” (Hb 1,5).
Mas, quais são as ovelhas desse rebanho? Jesus não se contenta com rebanho de ovelhas privilegiadas. Não se contenta com rebanho de ovelhas que se julgam intocáveis e santas, “porque eu não vim para chamar os justos, e sim os pecadores”. (Mt 9,13). Os que se julgam santos não precisam de salvação; as ovelhas que se julgam privilegiadas não precisam de pastor, porque: “de fato, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.” (Lc 19,10); essas ovelhas se esquecem do que disse o Pastor: “sem mim vocês não podem fazer nada.” (Jo 15,5).
Jesus não se contenta só com as ovelhas que estão no seu aprisco. Ele quer ser abrangente, ele deseja todas as ovelhas, mesmo as que estão separadas, as que se afastaram do seu rebanho, as que se perderam pelos caminhos da vida: “Tenho também outras ovelhas, que não são desse curral. Também a elas eu devo conduzir; elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.” (Jo 10,16). Jesus, como o Bom Pastor, vai atrás para recuperar cada ovelha perdida, e “quando a encontra, com muita alegria a coloca nos ombros. [...] Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão.” (Lc 15,5.7). Todos, indiscriminadamente, precisamos de conversão.
O Bom Pastor se preocupa com o seu rebanho, e tem consciência de que muitos pastores que ele designou para cuidar do seu rebanho deixam muito a desejar e se descuidam das suas ovelhas, sendo mais mercenários do que pastores, como o faziam os reis de Israel no Antigo Testamento.
Quantos pastores, designados pelo Bom Pastor para cuidar do seu rebanho são omissos, acomodados, inconsequentes, relapsos, deixam que as ovelhas se dispersem e que as feras selvagens de outras ideologias, mentalidades, seitas e religiões de rótulos atrativos as atraiam e as conduzam para o caminho que as fazem distanciar do Bom Pastor, se esquecendo do que Yahweh disse aos maus pastores do Antigo Testamento: “Ai dos pastores que dispersam e perdem as ovelhas do meu rebanho. Por isso assim diz Yahweh, o Deus de Israel, contra os pastores encarregados de cuidar do meu povo: Vocês espalharam e expulsaram as minhas ovelhas, e não se preocuparam com elas. Pois agora sou eu que vou pedir para vocês contas pelo mal que vocês praticaram - oráculo de Yahweh”. (Jr 23,1-2).
Ciente disso e da dificuldade de arregimentar pastores responsáveis para o seu rebanho, Jesus faz um apelo que chega às raias do desespero: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! Por isso, peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita.” (Mt 9,37-38).

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