domingo, 10 de abril de 2016

“JÁ AMANHECERA, JESUS ESTAVA DE PÉ, NA PRAIA...” (Jo 21,4).

III DOMINGO DA PÁSCOA

“JÁ AMANHECERA, JESUS ESTAVA DE PÉ, NA PRAIA...”     (Jo 21,4).


Diácono Milton Restivo

O Evangelho segundo João termina no capítulo 20,31 com as seguintes palavras: “Jesus realizou diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu nome.” (Jo 20,30-31). Com estas palavras João termina o seu evangelho. Mas, a seguir, vem o capítulo 21. Todo o capítulo 21 do Evangelho segundo João é um acréscimo, isto é, acrescentado depois de terminado o Evangelho propriamente dito e, em todas as Bíblias que manuseamos, o capítulo 21 é antecedido pela palavra “apêndice” ou “epílogo”.  
No rodapé da Bíblia de Jerusalém encontramos a explicação: “Acrescentado pelo próprio evangelista ou por um de seus discípulos”. No rodapé da Bíblia do Peregrino consta: “Este capítulo é acréscimo evidente; provavelmente acrescentado por um membro da escola de João, e muito cedo, pois consta em todos os manuscritos”. No rodapé da Bíblia TEB, temos: “Situado após o epílogo de 20,30-31, este último capítulo representa o apêndice”. Na Bíblia Edição Pastoral encabeçando o capítulo 21 encontra-se apenas a palavra “apêndice”.
O capítulo 21 do Evangelho de João é claramente um acréscimo no Evangelho segundo João. Não sabemos se depois de terminado o seu Evangelho João achou por bem colocar um adendo ou se foi um de seus discípulos o tenha feito para fortalecer a igreja da comunidade joanina. Muito menos sabemos em que época isso possa ter acontecido.
      Este capítulo é uma bem-aventurança para todos os que creriam depois. Para nós, inclusive.
Por que João ou algum de seus discípulos tenha feito isto? O início deste capítulo mostra que Pedro deserta. “Vou pescar” (Jo 21,3), sendo que o original grego diz: “vou pescar continuamente” isto é, “vou voltar à minha vida antiga de pescador”. Pedro estava desistindo do seu apostolado, do seu ministério. Optara para ser pescador novamente, voltar à sua vida antiga, a vida que tinha antes de conhecer o Mestre. Toda a comunidade apostólica segue a Pedro e toda a comunidade fracassa nessa pescaria: não conseguem, durante toda a noite, pegar um peixe sequer. Na desistência da pescaria, Jesus se chega a eles (Jo 21,4).
A história toma novo rumo. Sob a direção de Jesus, a pesca se torna proveitosa. Pedro se preocupa com João (Jo 21,21), o mais moço deles, e é repreendido por Jesus. De maneira fantástica, o escritor sagrado coloca na boca de Jesus a sua última palavra no seu evangelho: “Segue-me tu”  (Jo 21,22). Assim, o evangelista, ao termino sua obra, coloca uma bem-aventurança para os que creriam sem ver: “Felizes os que acreditaram sem ter visto” (Jo 20,29), e a recomeça e a conclui, por fim, com um desafio de Jesus a Pedro: “quanto a você, siga-me”. (Jo 21,22).
Mas, vamos meditar por outra ótica esse capítulo 21 do Evangelho segundo João. A cena se desenrola nas margens do mar de Tiberíades. Este mar é conhecido nos Evangelhos sinóticos como lago ou mar da Galiléia ou de Cafarnaum. O nome “Tiberíades” só aparece no Evangelho segundo João, que o explica no capítulo 6,1: “Depois disso, Jesus foi para a outra margem do mar da Galiléia, também chamado Tiberíades”. Aqui é chamado de Tiberíades, porque o imperador de Roma era Tibério César. Era, inicialmente, no Antigo Testamento, chamado Mar de Quinerete (Nm 34,11) e nos tempos do Novo Testamento de Lago de Genesaré (Lc 5,1) e também Mar de Tiberíades (Jo 6,1; Jo 21,1), assim como Mar da Galiléia nos sinóticos. Somente no Evangelho segundo João o lago ou mar é chamado de Tiberíades. Grande parte do ministério de Jesus Cristo decorreu nas margens do lago de Genesaré. O Evangelho segundo Marcos (1,14-20) e o Evangelho segundo Mateus (4,18-22) descrevem como Jesus recrutou quatro dos seus apóstolos nas margens do lago de Genesaré: o pescador Pedro e seu irmão André, e os irmãos, também pescadores, João e Tiago, filhos de Zebedeu. Um famoso episódio evangélico, o Sermão da Montanha, teve lugar numa colina com vista para o mar e muitos dos milagres de Jesus também aconteceram ali: caminhada pela água, acalmar uma tempestade, alimentar cinco mil pessoas e muitos outros.
O capítulo 21 de João é de uma beleza impar e de uma espiritualidade comoventes. Os personagens envolvidos neste ato têm passagens importantes em todo o Evangelho de João. Neste capitulo 21 tem um significado especial o nome de mar de Tiberíades, porque o escritor tinha a intenção de universalizar a missão e a mensagem que Jesus deixara para os seus apóstolos.
O nome “Tiberíades” era uma homenagem ao imperador romano Tibério César e, como o império romano abrangia todo o mundo conhecido da época, era este o “mar” que, supostamente, alcançava as fronteiras conhecidas.
Assim narra este acontecimento o evangelista: “Estavam juntos Simão Pedro, Tomé chamado Gêmeo, Natanael de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos de Jesus”. (Jo 21,2).  Interessante são os personagens que o escritor sagrado coloca nesse acontecimento: Simão Pedro, Tomé chamado Gêmeo, Natanael de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos anônimos de Jesus.
Vamos analisar individualmente cada um desses discípulos.
“Simão Pedro”, o primeiro discípulo a ser chamado por Jesus, juntamente com o seu irmão André, ambos pescadores: “Jesus andava a beira do mar da Galiléia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam jogando a rede no mar, pois eram pescadores. Jesus disse para eles: ‘Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens’. Eles deixaram imediatamente as redes e seguiram a Jesus”. (Mt 4,18-20). Depois disso, Pedro viria a ser o discípulo que sempre se antecipava aos demais para responder questionamentos de Jesus, principalmente quando Jesus perguntou aos discípulos: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Pedro toma a dianteira e responde por todos: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. (Mt 16,15-16), oportunidade em que Jesus transfere a Pedro a primazia entre os apóstolos, quando lhe diz: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”. (Mt 16,18-19). Também, na escolha de outro apóstolo para tomar o lugar de Judas Escariotes, é Pedro que toma a iniciativa: “Naqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos [...] e disse...”. (At 1,12). Como vemos, nesse acontecimento narrado no capítulo 21 de João, é Simão Pedro quem toma a iniciativa e chama a todos para irem pescar: “Simão Pedro disse: ‘Eu vou pescar’. Eles disseram: ‘Nós também vamos’. Saíram e entraram na barca”. (Jo 21,3). Isso demonstra a sua ascendência sobre os demais.
“Tomé”, o apóstolo que relutou para crer na ressurreição de Jesus: “Se eu não vir a marca dos pregos nas mãos de Jesus, se eu não colocar o meu dedo na marca dos pregos, e se eu não colocar a minha mão no lado dele, eu não acreditarei”. (Jo 20,25), mas que depois, ao constatar a realidade do Cristo Ressuscitado e movido pela poderosa fé que sentia no seu coração, disse o que até aí não tinha descoberto: “Meu Senhor e meu Deus”. (Jo 20,28). Tomé tornou-se o primeiro dos apóstolos a se dirigir a Jesus nestes termos, chamando-o de “Meu Deus”. Ninguém, até aquele momento, nem mesmo Pedro e nem João haviam pronunciado a palavra “Deus” dirigindo-se a Jesus.
“Natanael”, a quem Jesus chamou de “um israelita verdadeiro e sem falsidade”, como vemos quando Natanael foi apresentado a Jesus por Filipe: “Filipe se encontrou com Natanael e disse: ‘Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e também os profetas: é Jesus de Nazaré, o filho de José’. Natanael disse: ‘De Nazaré pode sair coisa boa? ’ Filipe respondeu: ‘Venha, e você verá’. Jesus viu Natanael aproximar-se e comentou: ‘Eis ai um israelita verdadeiro e sem falsidade”. Natanael perguntou: ‘De onde me conheces?’ Jesus respondeu: ‘Antes que Filipe chamasse você, eu o vi quando você estava debaixo da figueira’. Natanael respondeu: ‘Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o rei de Israel’.” (Jo 1,45-49). Fica patente nesse diálogo entre Jesus e Natanael que, nos Evangelhos, Natanael é o primeiro a reconhecer Jesus como “Rabi”, como “Filho de Deus” e como “rei de Israel”. Na afirmativa de Jesus de que Natanael era “um israelita verdadeiro e sem falsidade”, demonstra que Natanael era alguém que conhecia as Escrituras, que aguardava o Messias prefigurado e prometido em todo o Antigo Testamento que ele conhecia muito bem e que viu em Jesus a realização de todas as promessas feitas.
“Os filhos de Zebedeu”, que não seriam outros senão os irmãos, também pescadores, João e Tiago, que foram, também, juntamente com os irmãos Simão Pedro e André, os primeiros discípulos a serem chamados por Jesus: “Indo mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca consertando as redes com seu pai Zebedeu. E Jesus os chamou. Eles deixaram imediatamente a barca e o pai, e seguiram a Jesus.” (Mt 4,21-22). Pedro, João e Tiago eram as colunas que sustentavam a Igreja nascente em Jerusalém, conforme testemunho de Paulo Apóstolo: “... conhecendo a graça em mim concedida, Tiago, Cefas (Simão Pedro) e João, os notáveis tidos como colunas, estenderam a mão a mim e a Barnabé em sinal de comunhão...” (Gl 2,9).
“Outros dois discípulos de Jesus”, com certeza homens que o escritor sagrado faz empenho de manter no anonimato. Por quê? Claro que o escritor conhecia esses “dois discípulos de Jesus”, pois que não se convida alguém para pescar sem o conhecer, e se o conhece, com certeza sabe seu nome. O escritor os conhecia e sabia os seus nomes, mas, porque o omite?
No total são sete os personagens que habitam essa narrativa: Pedro, o que tem primazia sobre os apóstolos; Tomé, o descrente, mas que vê sua fé fortalecida e reconhece em Jesus o próprio Deus; Natanael, o conhecedor e estudioso das Sagradas Escrituras e crítico nas coisas que dizem respeito à Lei; os filhos de Zebedeu sendo um deles, João, o “Discípulo amado” e o outro, Tiago, o primeiro bispo de Jerusalém que foi o primeiro apóstolo mártir, morto à espada pelo rei Herodes: “Nesse tempo, o rei Herodes começou a perseguir alguns membros da Igreja, e mandou matar à espada Tiago, irmão de João”. (At 12,2) e, finalmente, os dois discípulos anônimos, possivelmente representando os que se converteriam mais tarde e acreditariam na mensagem de Jesus.
Na escolha desses personagens o escritor, colocando sete deles, possivelmente tentou representar todas as comunidades conhecidas da época ou as mais importantes entre todas as comunidades.
Vemos aqui a soma de sete discípulos: sete é a soma de três mais quatro: três, a natureza divina de Cristo, se referindo à Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo e, quatro, a natureza humana de Jesus, ( se referindo aos elementos terra – água – ar – fogo), unindo, na pessoa de Jesus o divino, por ter ele a natureza divina, e o humano, por ter assumido a natureza humana: “E a Palavra se fez homem e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheia de amor e fidelidade”. (Jo 1,14).
São sete os discípulos citados nessa passagem, possivelmente se referenciando, também, ao mesmo número das Igrejas citadas no Livro do Apocalipse: “Escreve num livro tudo o que você está vendo. Depois mande para as sete Igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes Filadélfia e Laodicéia”. (Apo 1,11), e as mensagens destinadas a essas igrejas estão assim distribuídas no Apocalipse: Éfeso Apo 2,1-7; Esmirna Apo 2,8-11; Pérgamo Apo 2,12-17; Tiatira Apo 2,18-19; Sardes Apo 3,1-6; Filadélfia Apo 3,7-13 e Laodicéia Apo 3,14-22.  
Depois dos acontecimentos do julgamento, paixão e morte de Jesus na cruz houve um descrédito total e geral entre os seguidores do Mestre, e a respeito disso nos fala Lucas, 24,13-35, no desânimo dos discípulos que abandonaram Jerusalém depois da morte de Jesus, e se dirigiam para suas casas na cidade de Emaús para dar reinício às suas vidas, agora desolados, sem o Mestre.
Carlos Mesters, no seu livro: “Deus, onde estás?” escreve: “Com a morte de Jesus, morreu algo na vida dos apóstolos, alguma coisa de fundamental importância. A vida para eles já não tinha mais sentido... A morte de Jesus matou alguma coisa no íntimo dos apóstolos, como a morte do marido mata algo na esposa que fica; a morte do amigo mata algo no íntimo do amigo que fica. Matando o Cristo, mataram o futuro do coração dos apóstolos. Estancou-se a fonte, a água acabou. Destruíram a turbina, a luz apagou”.
A narrativa do capítulo 21 sugere que Pedro se deixou contagiar também por essa desilusão e desânimo e estava desistindo de tudo e voltando para a sua vida antiga de pescador, já que a morte do Mestre ocasionou uma frustração imensa em todos.
A narrativa começa com a deserção de Pedro: “Simão Pedro disse a eles: ‘Eu vou pescar’. Eles disseram: ‘Também vamos contigo’. Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite.” (Jo 21,3). “Vou pescar”, mas, no original grego é dito: “vou pescar continuamente”, ou seja, “a partir de hoje e dos últimos acontecimentos, vou voltar para casa e assumir a minha antiga profissão de pescador”.
Pedro, desanimado e descrente, retoma ao seu passado e diz: “Eu vou pescar!”. Os outros se deixaram contagiar pelo desânimo e descrença de Pedro, disseram: “Nós vamos com você!”.
Assim, com Pedro, foram Tomé, Natanael, João, Tiago e mais dois discípulos não identificados, totalizando sete pessoas que acompanharam Pedro, e saíram de barco para pescar.
O pescador de homens volta à vida antiga, volta a ser pescador de peixes, se esquecendo do convite e intimação que Jesus lhe fizera no primeiro encontro que tiveram: “Sigam-me, eu farei de vocês pescadores de homens”. (Mt 4,19).
Pedro estava desistindo do que assumira com Jesus. Voltava a ser pescador como antes de conhecer e ser chamado pelo Mestre. Toda a comunidade apostólica, induzida pelo seu exemplo, segue a Pedro e deserta com ele, e toda a comunidade fracassa. Não estava importando se Jesus morrera e ressuscitara. Foram bons os tempos em que passaram com Jesus naqueles três anos de convivência com o Mestre. Desiludidos, os discípulos voltaram para suas origens: a Galiléia. Retomaram a vida do passado como se nada tivesse acontecido, tentando apagar o passado. Mas, essa volta ao passado sem o Mestre foi um fracasso: pescaram a noite toda, mas não pegaram nada.
A noite simboliza trevas, ausência de luz, ausência de Cristo; enquanto eles pescavam à noite, Cristo não estava com eles. Experimentam o fracasso pela ausência de Jesus com eles.
Desistiram da pescaria e estavam voltando à praia. Cansados. Foi uma noite frustrante.
Noite... no escuro... Nada conseguiriam sem Jesus porque se esqueceram do que Jesus dissera: “Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele, produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer...” (Jo 15,5).
“Quando amanheceu...” (Jo 21,4).
Estava amanhecendo; o sol surgia no horizonte expulsando as trevas, iluminando os vales, refletindo-se garbosamente, com suas cores douradas, nas águas do lago.
O nascer do sol é o tempo da graça. O sol nascendo é Cristo ressuscitando, glamoroso, rompendo as trevas do pecado, da ingratidão, do preconceito, do desrespeito aos direitos humanos...
“Quando amanheceu, Jesus estava na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus”. (Jo 21,4). A princípio, Jesus não se dá a conhecer. É um desconhecido. É alguém que está com fome.
O desconhecido pergunta: “Rapazes, vocês têm alguma coisa para comer?” Eles responderam: “Não!” (Jo 21,5). Na resposta negativa chegaram à conclusão que a noite tinha sido realmente frustrante e que não pescaram nada mesmo, não pegaram peixe algum.
Eles tinham sido chamados para serem pescadores de homens (Mc 1,17; Lc 5,10), e voltaram a ser pescadores de peixes. Mas isso já não era mais possível porque algo mudou em suas vidas!
A experiência de três anos com Jesus provocou neles uma mudança radical e irreversível. Já não era mais possível voltar para trás como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse mudado.
Jesus determina, com a autoridade de quem sabe o que está dizendo: “Joguem a rede do lado direito da barca, e vocês acharão peixe”. (Jo 21,6a). A barca simboliza a Igreja, os discípulos são os seus ministros e a rede a evangelização pela Palavra, porque “Deus colocou tudo debaixo dos pés de Cristo e o colocou acima de todas as coisas, como Cabeça da Igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que plenifica tudo em todas as coisas”. (Ef 1,22-23).
“Joguem a rede do lado direito da barca...” Mas, por que do lado direito da barca?
Porque são as ordens de Jesus, e os discípulos lançam a rede à direita do barco, porque a direita é o lugar dos escolhidos: “E colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde vós, os abençoados por meu Pai. Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo’.” (Mt 25,33-34).  
Porque a direita é o lugar das bênçãos: “... em seguida, molhando o dedo de sua mão direita no óleo que está na mão esquerda, fará sete vezes com o dedo uma aspersão de óleo diante do Senhor”. (Lv 14,16).
Porque a direita é onde colocado o sinal dos escolhidos: “Conseguiu que todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, tivessem um sinal na mão direita e na fronte”. (Apo 13,16).
Porque é à direita que o Senhor mostra o seu poder: “A direita de Yahweh é poderosa! A direita de Yahweh é sublime! A direita de Yahweh é poderosa!” (Sl 118 (117), 15-16).
Porque a direita é o lugar do Filho Ressuscitado junto ao Pai: “O Senhor Jesus foi levado aos céus, e sentou-se à direita de Deus”. (Mc 16,19); “Esse Jesus Cristo, tendo subido ao céu, está assentado à direita de Deus, depois de ter recebido a submissão dos anjos, dos principados e das potestades”. (1Pd 3,22); “Mas, cheio do Espírito Santo, Estevão fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus. Então disse: “Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”. (At 7,55-56); “Ele manifestou na pessoa de Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o sentar à sua direita no céu, muito acima de qualquer principado, autoridade, poder e soberania, e de qualquer outro nome que se possa nomear, não só no presente, mas também no futuro.” (Ef 1,20-21).
Porque a direita é o lugar daquele que vem anunciar o fim de todas as coisas: “Jesus respondeu: ‘É como vocês acabaram de dizer. Além disso, eu digo a vocês: de agora em diante, vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as nuvens do céu”. (Mt 26,64).
Porque a direita é o lugar dos vencedores: “O próprio David, movido pelo Espírito Santo, disse: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”. (Mc 12,36).
Porque a direita é o lugar do Salvador de todos os homens: “O Filho, por sua palavra poderosa, é aquele que mantém o universo. Depois de realizar a purificação dos pecados, sentou-se à direita da Majestade de Deus nas alturas. Ele está acima dos anjos, da mesma forma que herdou um nome muito superior ao deles”. (Hb 1,3-4).
Cumprindo, então, a determinação de Jesus, os discípulos “jogaram a rede, e não conseguiram puxar para fora, de tanto peixe que pegaram”. (Jo 21, 6b). E não puderam recolher a rede tamanha era a quantidade de peixes, conforme disse Paulo: “Se Deus está a nosso favor, quem estará contra nós?” (Rm 8,31). “Tudo posso naquele que me fortalece”. (Fl 4,13).
Eles fizeram algo que, provavelmente, nunca tinham feito na vida. Sete pescadores experimentados obedecem a um estranho desconhecido que lhes mandou fazer algo que contrastava com a experiência deles. Jesus, aquela pessoa desconhecida que estava na praia, mandou que jogassem a rede do lado direito do barco. Eles obedeceram, jogaram a rede, e foi um resultado inesperado.
A rede ficou cheia de peixes! Como era possível! Como explicar esta surpresa fora de qualquer previsão? O amor faz descobrir.
O discípulo amado diz: “É o Senhor!” (Jo 21,7a).
Quem reconhece Jesus primeiro foi o Discípulo Amado - pois só quem vê com os olhos do amor reconhece e vê além das aparências. Como tinha sido o amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro (Jo 20,3-4), é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a presença de Jesus Ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama; Pedro o será somente depois da sua profissão de amor, quando Jesus lhe perguntar se ele o ama de verdade (Jo 20,15-17).
O discípulo que Jesus amava é a figura do discípulo verdadeiro, que vê Jesus na pessoa do necessitado, do que tem fome; é o primeiro a reconhecer Jesus na pessoa do desconhecido, e ele alerta Pedro.
Esta intuição clareou tudo. Pedro se jogou na água para chegar mais depressa perto de Jesus: “Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu a roupa, pois estava nu, e pulou dentro d’água”. (Jo 21, 7b). Pedro estava nu, vestiu sua roupa e atirou-se ao mar.
Na ausência de Jesus todos estão nus da graça divina. Somente com a presença de Jesus é que nos recobrimos com sua graça e ficamos impacientes para alcançá-lo logo.
Os outros discípulos vieram mais devagar com o barco arrastando a rede cheia de peixes: “Os outros discípulos foram na barca, que estava a uns cem metros da margem. Eles arrastavam a rede com os peixes.” (Jo 21, 8). Não recolheram a rede na barca, mas a arrastaram até a praia: é a força de Jesus atraindo a todos para si.
Chegando em terra, viram que Jesus tinha acendido umas brasas e que estava assando peixe e pão.
Jesus já havia preparado o café da manhã, o desjejum: “Logo que pisaram em terra firme, viram um peixe na brasa e pão”. (Jo 21, 9). Jesus teve a delicadeza de preparar algo para comer depois de uma noite frustrada sem pescar nada. Gesto bem simples que revela algo do amor com que o Pai nos ama através de Jesus: “Quem vê a mim vê o Pai” (Jo 14,9).
Logo que pisaram a terra viram brasas acesas, e esta cena evoca a afirmativa de Jesus: “Venham a mim todos os que estão cansados, que eu os aliviarei.” (Mt 11,28).
De onde surgiu aquele peixe na brasa, se eles ainda não tinham tirado os peixes da rede?
E o pão na brasa? Jesus pediu que trouxessem mais uns peixes. Imediatamente, Pedro subiu no barco, arrastou a rede. Contaram cento e cinquenta e três peixes.
Muito peixe, e a rede não se rompeu. A pesca simboliza a missão dos discípulos.
Segundo muitos estudiosos, o número de 153 peixes se baseia no fato de que os zoólogos e naturalistas gregos da antiguidade achavam que existiam no mundo somente 153 espécies de peixe. Então o Evangelho está dizendo que a Igreja, segundo o conhecimento da época, (simbolizada pela rede) pode abraçar o universo inteiro - todos os povos com suas raças e culturas existentes. A diversidade de culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e não deve levar ao rompimento da unidade, sem que se imponha a uniformidade (a palavra grega que João usa para "romper" é "schisma").
A rede estava cheia de 153 grandes peixes: assim, na rede, estão congregadas todas as famílias humanas na mesma Igreja. A rede não se rompe – símbolo da unidade da Igreja, ao contrário de Lucas 5,45, onde a rede se rompe, provocando cisma dentro da Igreja.
Jesus chamou a turma: “Vamos, comam”. (Jo 21, 12).
A Igreja só pode anunciar a boa nova bem alimentada, e este alimento é a Eucaristia.
Esta refeição patrocinada por Cristo na praia é o símbolo da Eucaristia. “Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabia que era o Senhor”. (Jo 21,12).
E evocando a Eucaristia, o evangelista João completou: “Jesus se aproximou, tomou o pão e distribuiu para eles”. (Jo 21,13). Sugere assim que a Eucaristia é o lugar privilegiado para o encontro com Jesus Ressuscitado. A história toma novo rumo. Sob a direção de Jesus, a pesca é proveitosa. “Essa foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos”. (Jo 21,14). Isso sugere que, apesar de ser a terceira vez que Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, eles não o reconheceram, pois o Ressuscitado é toda e qualquer pessoa carente e necessitada que se nos apresenta; o rosto de cada irmão ou irmã carente e necessitado, para o cristão, é o rosto do Cristo Ressuscitado: “Em verdade eu declaro para vocês: todas as vezes que vocês deixarem de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixaram de fazer”. (Mt 25,45). “Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, porque é meu discípulo, em verdade eu lhes digo: não perderá sua recompensa”. (Mt 10,42). Depois da refeição vem a conversa informal, e Jesus faz as perguntas a Pedro, perguntando-lhe por três vezes se Pedro o ama, talvez se referindo às declarações impetuosas de Pedro, e possivelmente, nesse momento, passa na mente de Pedro o filme das negações que ele fizera para com o Mestre: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu daria a minha própria vida por ti.” “Você daria a sua vida por mim? Eu lhe garanto: antes que o galo cante, você me negará três vezes”.” (Jo 13,37-38). “Pedro disse a Jesus: ‘Ainda que todos fiquem desorientados por tua causa eu jamais ficarei.’ Jesus declarou: ‘Eu garanto a você: esta noite, antes que o galo cante, você me negará três vezes.’ Pedro respondeu: ‘Ainda que eu tenha de morrer contigo, mesmo assim não te negarei.’” (Mt 26,33-35; Mc 14,26-31; Lc 22,31-34). “A empregada que tomava conta da porta, perguntou a Pedro: ‘Você não é também um dos discípulos desse homem?’ Pedro disse: ‘Eu não’. Simão Pedro ainda estava lá fora se esquentando. Perguntaram a ele: ‘Você também não é um dos discípulos dele?’ Pedro negou: ‘Eu não.’ Então um dos empregados do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha decepado a orelha, disse: ‘Por acaso eu não vi você no jardim com ele?’ Pedro negou de novo. E, na mesma hora, o galo cantou.”. (Jo 18,17.25-27).
Depois da conversa informal que, possivelmente tiveram ao redor do fogo, Jesus se dirige a Pedro: “Simão, filho de João, você me ama mais do que estes outros?’. Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que eu te amo.’ Jesus disse: ‘Cuide de meus cordeiros’.”  (Jo 21,15).
Pedro ainda não amava suficientemente a Jesus. O perfeito amor lança fora o medo: “No amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo, ainda não está realizado no amor”. (1Jo 4,18).
O amor que Jesus cobrava de Pedro é o amor ágape, é o amor-que-se-doa, o amor-sacrifício, o amor eterno, imutável e perfeito, como o amor do Pai: “Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo se salve por meio dele.” (Jo 3,16-17).
O nó da questão está na entrega da missão a Pedro.
Pedro, a partir de então e definitivamente, deve ser o Bom Pastor das ovelhas e dos cordeiros que pertencem a Jesus pelo preço de seu sangue.
As ovelhas não são de Pedro - ele é apenas o Pastor - as ovelhas pertencem ao Senhor!
Aqui Pedro recebe esta grande missão, que nos Evangelhos sinóticos havia recebido na estrada de Cesárea de Felipe: “Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’. Jesus disse: ‘Tu és feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso eu te digo: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”. (Mt 16,15-19).
Mas, mais importante do que a sua função, é a sua vocação de discípulo - aquele que ama o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente poderá pastorear os seus seguidores.
E, a seguir, Jesus faz o prenúncio da morte de Pedro: “Eu garanto a você: quando você era mais moço, você colocava o cinto e ia para onde queria. Quando você ficar mais velho, estenderá as suas mãos, e outro colocará o cinto em você e o levará aonde você não quer ir. Jesus falou isso aludindo ao tipo de morte com que Pedro iria glorificar a Deus.” (Jo 21, 18-19).
Se, no primeiro capítulo do Evangelho, Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo 1,40-42), agora Pedro recebe o convite do próprio Mestre: "Quanto a você, siga-me", (Jo 21,22), pois no amor ele fez a opção pelo discipulado.
Pedro se preocupa com João, o mais moço deles: “Pedro virou-se e viu atrás de si aquele outro discípulo que Jesus amava, o mesmo que estivera bem perto de Jesus durante a ceia e que havia perguntado: ‘Senhor, quem é que vai trair-te?’ Quando Pedro viu aquele discípulo, perguntou a Jesus: ‘Senhor, o que vai acontecer a ele’? (Jo 21,20-21).
E Pedro é repreendido por Jesus: “Se eu quero que ele viva até que eu venha, o que é que você tem com isso?” (Jo 21,20-23).
As primeiras palavras de Jesus no Evangelho segundo João foram: “O que procuram?... venham e verão”. (1,38.39). De maneira fantástica, são colocadas na boca de Jesus as suas últimas palavras no seu evangelho: “Quanto a você, siga-me”  (Jo 20,22).
Assim, o evangelista, após terminar sua obra, com uma bem-aventurança para os que creriam sem ver: “Felizes os que acreditaram sem ter visto”. (20,29), recomeça-a e a conclui, por fim, com um desafio de Jesus: “Quanto a você, siga-me”. (Jo 21,22).
No final do capítulo 21, o redator repete o que já fora dito em 20, 30-31, e acrescenta alguma coisa mais: “Jesus fez ainda muitas coisas. Se fossem escritas uma por uma, penso que não caberiam no mundo os livros que seriam escritos”. (Jo 21,25).


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