domingo, 11 de novembro de 2018

A OFERTA DA VIÚVA POBRE NO TEMPLO

XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
Ano B - Cor: verde – Leituras: 1Rs 17,10-16; Sl 145; Hb 9,24-28; Mc 12,38-44.

“ESTA VIÚVA POBRE DEPOSITOU MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS QUE DEPOSITARAM MOEDAS NO TESOURO”. Mc 12,43.


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Diácono Milton Restivo

A liturgia deste 32º. Domingo do Tempo Comum nos trás duas viúvas: uma na primeira leitura, a viúva de Sarepta, do tempo do profeta Elias, e a viúva observada por Jesus, que depositou “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, no Tesouro do Templo.

A viúva, tanto no Antigo como no Novo Testamento, era uma pessoa discriminada, porque a sua situação era de pouca segurança. As viúvas, assim como os órfãos e os estrangeiros, pertenciam àquela categoria de pessoas que sempre necessitava da proteção especial dos profetas:
·         “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76);
·         “... se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva... então eu continuarei morando com vocês, neste lugar, nesta terra que eu dei aos seus antepassados...” (Jr 7,6-7).
Também necessitavam do amparo e da defesa da Lei:
·         “Não maltrate a viúva nem o órfão, porque se você os maltratar e eles clamarem por mim, eu escutarei o clamor deles. E eu farei vocês perecerem pela espada...” (Ex 22,21-22);
·         “E você fará uma festa diante de Yahweh, seu Deus – junto com o seu filho e a sua filha, seu escravo e sua escrava, com o levita que vive em sua cidade e o imigrante, o órfão e a viúva que vivem em seu meio - ...” (Dt 16, 11 e 14);
·         “Quando você estiver ceifando a colheita em seu campo e esquecer atrás um feixe, não volte para pegá-lo: deixe-o para o imigrante, o órfão e a viúva. [...] o resto será para o imigrante, o órfão e a viúva” (Dt 24,19.20.21).
Existem tantas outras citações que, se não fossem a intervenção dos profetas e o amparo e a defesa da Lei, as viúvas viveriam em estado de deplorável necessidade.
A mulher israelita, especialmente a viúva, era alvo de forte discriminação imposta pela Lei de Moisés. As viúvas não estavam, de forma alguma, preparadas para sobreviverem economicamente sem o seu marido.
A viúva, se não tivesse pelo menos um filho para poder herdar as terras do pai de seu filho e permanecer com a família do falecido, continuava, de certa maneira, ligada ao seu falecido marido e, de acordo com a Lei contida no livro do Deuteronômio 25,5-10 (a lei do levirato), se não tivesse filho, deveria esperar que algum dos seus cunhados a tomasse como mais uma de suas mulheres e com ele tivesse um filho em respeito pela memória de seu irmão:
·         “Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá de casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela, cumprindo o dever de cunhado. O primogênito que nascer receberá o nome do irmão morto, para que o nome deste não se apague em Israel”. (Dt 25,5-6).
Só depois dos seus cunhados a rejeitarem e depois de cumpridos os rituais constantes em Deuteronômio 25,7-10, que determinam atitudes agressivas e degradantes contra o cunhado que a rejeitou, é que a viúva poderia tentar novo casamento.
O interessante é observar que em todo o escrito da Bíblia não aparece a palavra “viúvo” (no masculino). Não há viúvos na história bíblica. Talvez Abraão, cuja esposa, Sara, morreu antes dele (Gn 23,1-2), seu sobrinho Lot, cuja esposa foi transformada numa estátua de sal quando da fuga da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19,26) e Judá (Gn 38,12) sejam os únicos viúvos de toda a Bíblia, mas, em nenhum caso o homem é qualificado pelo estado civil “viúvo” como as mulheres que perderam seus maridos são qualificadas de “viúvas”.
A palavra viúvo (no masculino) só aparece uma vez e assim mesmo apenas na versão de João Ferreira de Almeida, a Bíblia usada pelos protestantes e evangélicos brasileiros:
·         “Aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo” (1Cor 7,8).
Nas traduções conhecidas (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria, Paulinas, do Peregrino e outras versões) se lê “solteiros ou celibatários e viúvas” (no feminino), e jamais “viúvo” (no masculino).  Pegando, como referência, a Bíblia Pastoral, lê-se:
·         “Aos solteiros e às viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu”. (1Cor 7,8).
Há grande quantidade de viúvas na Bíblia. Viúvas sem nomes: a viúva de Sarepta (1Rs 17,8-24); a viúva de Técua, que mentiu para o rei Davi (2Sm 14,1-21); a viúva de Naim (Lc 7,12); a viúva pobre que dá a esmola no Templo (Mc 12,42; Lc 21,2); a viúva perseverante na oração (Lc 18,1-8); e viúvas com nomes: Tamar (Gn 38,11); Abigail (1Sm 27,3); Noemi, Orfa e Rute (Rt 1,3-5); Ana (Lc 2,36-37) etc.
Havia tantas viúvas em Israel que foi necessário garantir a sobrevivência delas por força das leis, como já citamos (Dt 24,19-22; 26,12-13; 27,19).
Havia tantas viúvas na igreja primitiva que foi necessário instituir a diaconia para evitar que algumas fossem omitidas na distribuição diária do alimento (At 6,1-5).
Este assunto, ao longo dos tempos, foi sempre considerado muito delicado.
No Antigo Testamento Deus condenou os líderes de Israel por não cuidarem das viúvas, e quando cuidavam, faziam-no mal, como já foi citado:
·         “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76).
Mais tarde Jesus acusou os fariseus de se aproveitarem das viúvas para se promoverem individualmente:
·         “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações!” (Mt 23,14).
Posteriormente a Igreja de Jerusalém passou por um mau bocado pelas divergências que existiam no tratamento das viúvas, como já se viu, havendo a necessidade da criação da diaconia para, entre outras coisas, cuidar das viúvas.  (At 6,1-5). 
Na primeira carta a Timóteo é mencionada a necessidade de haver uma lista de viúvas mais confiáveis e outra de viúvas menos confiáveis. Fariam parte do primeiro grupo as viúvas acima de sessenta anos, conhecidas por seu testemunho:
·         “A mulher será inscrita no grupo das viúvas com sessenta anos e não menos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado filhos, sido hospitaleira e lavado os pés dos fiéis, socorrido os atribulados, aplicada a toda boa obra”. (1Tm 5,9-10).
·         “Honre as viúvas que verdadeiramente são viúvas.” (1Tm 5,3).
Para ser ajudada pela igreja primitiva, conforme determinação acima, o comportamento destas mulheres devia respeitar alguns quesitos, a saber: que exerçam a piedade; estejam desamparadas; que esperam em Deus; sejam espirituais, dedicando-se à oração; tenham mais de sessenta anos; terem sido mulheres de um só marido; tenham criado os filhos com dedicação; que exerçam a hospitalidade aos santos; que socorram os aflitos; que pratiquem toda espécie de boa obra. As viúvas mais jovens, taxadas de preguiçosas, mexeriqueiras e que vivem batendo perna na rua pertenceriam ao segundo grupo:
·         Rejeite às viúvas mais jovens; pois quando seus desejos se afastam de Cristo, elas querem se casar, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro compromisso. Além disso, elas aprendem a viver ociosas, correndo de casa em casa; elas não são apenas desocupadas, mas também fofoqueiras, indiscretas, falando o que não devem.” (1Tm 5,11-13).
Depois vem a recomendação às famílias cristãs que têm como membros mulheres viúvas, para que as próprias famílias cuidem de sua subsistência para não sobrecarregar a Igreja nesse mistér:
·         Se um fiel tem viúvas em sua família, preste socorro a elas; não se onere a igreja, a fim de que a igreja possa ajudar aquelas que são verdadeiramente viúvas.” (1Tm 5,16).  
Assim, a expressão que aparece no texto de Marcos e de Lucas “viúva pobre”, nesse contexto cultural, leva-nos a imaginar uma viúva que não tivesse filhos, nem cunhados que a recebessem, nem quaisquer meios de subsistência.
Jesus está vivendo a sua última semana de vida em Jerusalém antes de sua entrega total ao Pai. Desta feita, depois de sentar-se diante do Templo, encontra uma coisa positiva – o gesto da viúva pobre que depositou duas das menores moedas da época no cofre do Templo!
O texto de hoje relata alguns acontecimentos.
Primeiro, uma advertência contra a atitude dos líderes religiosos da época (não serviria para hoje também?):
·         “Tenham cuidado com os doutores da Lei”.
Segundo: adverte contra a ânsia de se destacar dos demais por se vestirem bem, da mordomia que julgam ter direito e de um tratamento diferenciado:
·         “Eles gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças púbicas, gostam dos primeiros lugares nas sinagogas, e dos lugares de honra nos banquetes”.
Terceiro: Jesus adverte contra o anseio de ter prestígio e honras, as falcatruas e as vantagens que esses líderes religiosos tiravam dos menos favorecidos e o fingimento que aplicavam para acobertar os seus roubos, transgressões e falsidades:
·         “No entanto, exploram as viúvas e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações”.
E, quarto, deixa claro qual será o fim de quem assim age:
·         “Por isso eles vão receber uma condenação mais severa.” (Mc 12,35-37).
·         “E Jesus estava sentado diante do Tesouro do Templo, e olhava a multidão que depositava moedas no Tesouro. Muitos ricos depositavam muito dinheiro”.
Às vezes, como aqueles que depositavam grande quantia no Tesouro do Templo, ou pagando corretamente o seu dízimo, pode-se pensar que quem assim o faz está servindo e agradando ao Senhor, quando na verdade, apenas estão fazendo um teatro e usando um palco à vista de todos para colocarem-se em evidência.
Jesus olhava aquela multidão que acorria ao Templo, principalmente nas festas da Páscoa, enquanto observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os olhos e cutucando-se mutuamente quando algum ricaço, ruidosamente, despejava sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que trazia alegria aos corações dos sacerdotes que serviam no templo.
Vai daí que:
·         “Então, chegou uma viuva pobre, e depositou duas pequenas moedas, que valiam uns poucos centavos”. (Mc 12,41-42).
E Jesus chama seus discípulos e lhes diz que a viúva depositou mais que todos os outros, apesar de ser apenas:
·         “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, e acrescentou: “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a viuva, na sua pobreza depositou tudo o que tinha, tudo o que possuia para viver”. (Mc 12, 44).
Somente Marcos e Lucas (Mc 20,45; Lc 21,1-4) descrevem a atitude de Jesus perante a pobre viúva que deitou a sua oferta no cofre do Templo de Jerusalém. Jesus chamou a atenção dos discípulos para que observassem a oferta da pobre viúva.
A viúva só chamava a atenção pela sua miséria, mas teve o desprendimento de ofertar ao Senhor, também, toda a sua pobreza. O pouco que ela deu era tudo o que possuía para viver e, portanto, muito mais dos que depositavam aquilo que lhes sobrava.
Depositar é ofertar, é dar, é doar.
A viuva deu duas insignificantes moedas que valiam poucos centavos o que, diante de Deus foi uma grande oferta. “Se o dinheiro não for teu servidor, ele será o teu mestre”, disse Francis Bacon.  
E Jesus explica o porque:
·         “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles”.  
A viuva deu tudo o que tinha para seu sustento.
Na oferta e na doação existem três princípios básicos: amor, fé e sacrifício.
Amor quer dizer que ninguém a mandou dar tudo o que possuia para o seu sustento, e ela deu. Ela ofertou livremente. Era algo espontâneo, honrando a Deus e sua obra. Demonstrou sua fé, porque a viúva deu tudo, não ficou com nada, nem para o seu sustento, porque se sentia amparada pela misericórdia do Senhor.
Jesus não demonstrou nenhuma pena pela viúva. Jesus sabia que a mulher estava acionando um princípio poderoso de Deus para o seu suprimento: a Fé.
Dar quando se tem muito é fácil. Dar do que sobra é mais fácil ainda. Mas dar quando se tem necessidade exige fé. Isto significa confiar mais em Deus do que nas riquezas.
É tendo fé que Deus proverá o sustento da viúva.
Na Bíblia o conceito de oferta está ligado à idéia de sacrifício.
Não devemos ofertar a Deus o que não significa nada ou não vale nada para nós.
Se as nossas contribuições não nos expõem ao sacrifício, ainda não atingimos o padrão ensinado por Jesus. A viúva estava disposta a passar privações para que outros não passassem.
Ainda hoje muita gente está acostumada a obter tudo a peso de ouro e na razão direta de suas posses materiais, por isso, julga, com o mesmo gabarito, a justiça de Deus.
Quantos acreditam que, quando as ofertas forem bastante generosas e todos aplaudirem tocando trombeta pela suposta generosidade de seus corações, também Deus os recompensará na vida futura e até na vida presente, como ensinam com muito interesse muitos seguimentos religiosos que se dizem cristãos: se a tua oferta for generosa, o teu dízimo for abundante, Deus te recompensará com bens e riquezas materiais.
Desconhecem a admoestação de Jesus, de que os que receberem os aplausos na terra por supostos bens que fazem ou pela generosidade de suas ofertas ou esmolas, já receberam a sua recompensa:
·         “Vocês gostam de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. De fato, o que é importante para os homens, é detestável para Deus”. (Lc 16,15);
·         “Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu. [...] Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa”. (Mt 6,1.2a).
Esquecem-se de que Deus não se deixa levar por aplausos e respeitos humanos.
A viúva tímida, quase que ocultamente, pois somente Jesus e os seus discípulos presenciaram o seu gesto, depositou, na arca do tesouro do Templo, a sua oferenda obscura e insignificante, fruto do seu trabalho e indispensável para o seu próprio sustento.
Jesus considerou a sua oferta superior ao conjunto de todas as demais dádivas que ali foram colocadas pelos abastados da cidade.
A viúva depositou o que lhe era substancial, ao passo que os outros deram do que lhes sobrava, e que não lhes faria falta alguma.
A religião genuína é a que alcança e socorre os necessitados, como disse Tiago em sua carta:
·         "Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e mafvnter-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27).Diácono Milton Restivo

A liturgia deste 32º. Domingo do Tempo Comum nos trás duas viúvas: uma na primeira leitura, a viúva de Sarepta, do tempo do profeta Elias, e a viúva observada por Jesus, que depositou “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, no Tesouro do Templo.
A viúva, tanto no Antigo como no Novo Testamento, era uma pessoa discriminada, porque a sua situação era de pouca segurança. As viúvas, assim como os órfãos e os estrangeiros, pertenciam àquela categoria de pessoas que sempre necessitava da proteção especial dos profetas:
·         “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76);
·         “... se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva... então eu continuarei morando com vocês, neste lugar, nesta terra que eu dei aos seus antepassados...” (Jr 7,6-7).
Também necessitavam do amparo e da defesa da Lei:
·         “Não maltrate a viúva nem o órfão, porque se você os maltratar e eles clamarem por mim, eu escutarei o clamor deles. E eu farei vocês perecerem pela espada...” (Ex 22,21-22);
·         “E você fará uma festa diante de Yahweh, seu Deus – junto com o seu filho e a sua filha, seu escravo e sua escrava, com o levita que vive em sua cidade e o imigrante, o órfão e a viúva que vivem em seu meio - ...” (Dt 16, 11 e 14);
·         “Quando você estiver ceifando a colheita em seu campo e esquecer atrás um feixe, não volte para pegá-lo: deixe-o para o imigrante, o órfão e a viúva. [...] o resto será para o imigrante, o órfão e a viúva” (Dt 24,19.20.21).
Existem tantas outras citações que, se não fossem a intervenção dos profetas e o amparo e a defesa da Lei, as viúvas viveriam em estado de deplorável necessidade.
A mulher israelita, especialmente a viúva, era alvo de forte discriminação imposta pela Lei de Moisés. As viúvas não estavam, de forma alguma, preparadas para sobreviverem economicamente sem o seu marido.
A viúva, se não tivesse pelo menos um filho para poder herdar as terras do pai de seu filho e permanecer com a família do falecido, continuava, de certa maneira, ligada ao seu falecido marido e, de acordo com a Lei contida no livro do Deuteronômio 25,5-10 (a lei do levirato), se não tivesse filho, deveria esperar que algum dos seus cunhados a tomasse como mais uma de suas mulheres e com ele tivesse um filho em respeito pela memória de seu irmão:
·         “Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá de casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela, cumprindo o dever de cunhado. O primogênito que nascer receberá o nome do irmão morto, para que o nome deste não se apague em Israel”. (Dt 25,5-6).
Só depois dos seus cunhados a rejeitarem e depois de cumpridos os rituais constantes em Deuteronômio 25,7-10, que determinam atitudes agressivas e degradantes contra o cunhado que a rejeitou, é que a viúva poderia tentar novo casamento.
O interessante é observar que em todo o escrito da Bíblia não aparece a palavra “viúvo” (no masculino). Não há viúvos na história bíblica. Talvez Abraão, cuja esposa, Sara, morreu antes dele (Gn 23,1-2), seu sobrinho Lot, cuja esposa foi transformada numa estátua de sal quando da fuga da destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 19,26) e Judá (Gn 38,12) sejam os únicos viúvos de toda a Bíblia, mas, em nenhum caso o homem é qualificado pelo estado civil “viúvo” como as mulheres que perderam seus maridos são qualificadas de “viúvas”.
A palavra viúvo (no masculino) só aparece uma vez e assim mesmo apenas na versão de João Ferreira de Almeida, a Bíblia usada pelos protestantes e evangélicos brasileiros:
·         “Aos solteiros e viúvos digo que lhes seria bom se permanecessem no estado em que também eu vivo” (1Cor 7,8).
Nas traduções conhecidas (Pastoral, TEB, Jerusalém, Ave Maria, Paulinas, do Peregrino e outras versões) se lê “solteiros ou celibatários e viúvas” (no feminino), e jamais “viúvo” (no masculino).  Pegando, como referência, a Bíblia Pastoral, lê-se:
·         “Aos solteiros e às viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu”. (1Cor 7,8).
Há grande quantidade de viúvas na Bíblia. Viúvas sem nomes: a viúva de Sarepta (1Rs 17,8-24); a viúva de Técua, que mentiu para o rei Davi (2Sm 14,1-21); a viúva de Naim (Lc 7,12); a viúva pobre que dá a esmola no Templo (Mc 12,42; Lc 21,2); a viúva perseverante na oração (Lc 18,1-8); e viúvas com nomes: Tamar (Gn 38,11); Abigail (1Sm 27,3); Noemi, Orfa e Rute (Rt 1,3-5); Ana (Lc 2,36-37) etc.
Havia tantas viúvas em Israel que foi necessário garantir a sobrevivência delas por força das leis, como já citamos (Dt 24,19-22; 26,12-13; 27,19).
Havia tantas viúvas na igreja primitiva que foi necessário instituir a diaconia para evitar que algumas fossem omitidas na distribuição diária do alimento (At 6,1-5).
Este assunto, ao longo dos tempos, foi sempre considerado muito delicado.
No Antigo Testamento Deus condenou os líderes de Israel por não cuidarem das viúvas, e quando cuidavam, faziam-no mal, como já foi citado:
·         “... busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva”. (Is 1,76).
Mais tarde Jesus acusou os fariseus de se aproveitarem das viúvas para se promoverem individualmente:
·         “Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações!” (Mt 23,14).
Posteriormente a Igreja de Jerusalém passou por um mau bocado pelas divergências que existiam no tratamento das viúvas, como já se viu, havendo a necessidade da criação da diaconia para, entre outras coisas, cuidar das viúvas.  (At 6,1-5). 
Na primeira carta a Timóteo é mencionada a necessidade de haver uma lista de viúvas mais confiáveis e outra de viúvas menos confiáveis. Fariam parte do primeiro grupo as viúvas acima de sessenta anos, conhecidas por seu testemunho:
·         “A mulher será inscrita no grupo das viúvas com sessenta anos e não menos, se tiver sido esposa de um só marido, se tiver em seu favor o testemunho de suas boas obras, criado filhos, sido hospitaleira e lavado os pés dos fiéis, socorrido os atribulados, aplicada a toda boa obra”. (1Tm 5,9-10).
·         “Honre as viúvas que verdadeiramente são viúvas.” (1Tm 5,3).
Para ser ajudada pela igreja primitiva, conforme determinação acima, o comportamento destas mulheres devia respeitar alguns quesitos, a saber: que exerçam a piedade; estejam desamparadas; que esperam em Deus; sejam espirituais, dedicando-se à oração; tenham mais de sessenta anos; terem sido mulheres de um só marido; tenham criado os filhos com dedicação; que exerçam a hospitalidade aos santos; que socorram os aflitos; que pratiquem toda espécie de boa obra. As viúvas mais jovens, taxadas de preguiçosas, mexeriqueiras e que vivem batendo perna na rua pertenceriam ao segundo grupo:
·         Rejeite às viúvas mais jovens; pois quando seus desejos se afastam de Cristo, elas querem se casar, tornando-se censuráveis por terem rompido o seu primeiro compromisso. Além disso, elas aprendem a viver ociosas, correndo de casa em casa; elas não são apenas desocupadas, mas também fofoqueiras, indiscretas, falando o que não devem.” (1Tm 5,11-13).
Depois vem a recomendação às famílias cristãs que têm como membros mulheres viúvas, para que as próprias famílias cuidem de sua subsistência para não sobrecarregar a Igreja nesse mistér:
·         Se um fiel tem viúvas em sua família, preste socorro a elas; não se onere a igreja, a fim de que a igreja possa ajudar aquelas que são verdadeiramente viúvas.” (1Tm 5,16).  
Assim, a expressão que aparece no texto de Marcos e de Lucas “viúva pobre”, nesse contexto cultural, leva-nos a imaginar uma viúva que não tivesse filhos, nem cunhados que a recebessem, nem quaisquer meios de subsistência.
Jesus está vivendo a sua última semana de vida em Jerusalém antes de sua entrega total ao Pai. Desta feita, depois de sentar-se diante do Templo, encontra uma coisa positiva – o gesto da viúva pobre que depositou duas das menores moedas da época no cofre do Templo!
O texto de hoje relata alguns acontecimentos.
Primeiro, uma advertência contra a atitude dos líderes religiosos da época (não serviria para hoje também?):
·         “Tenham cuidado com os doutores da Lei”.
Segundo: adverte contra a ânsia de se destacar dos demais por se vestirem bem, da mordomia que julgam ter direito e de um tratamento diferenciado:
·         “Eles gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças púbicas, gostam dos primeiros lugares nas sinagogas, e dos lugares de honra nos banquetes”.
Terceiro: Jesus adverte contra o anseio de ter prestígio e honras, as falcatruas e as vantagens que esses líderes religiosos tiravam dos menos favorecidos e o fingimento que aplicavam para acobertar os seus roubos, transgressões e falsidades:
·         “No entanto, exploram as viúvas e roubam suas casas, e para disfarçar fazem longas orações”.
E, quarto, deixa claro qual será o fim de quem assim age:
·         “Por isso eles vão receber uma condenação mais severa.” (Mc 12,35-37).
·         “E Jesus estava sentado diante do Tesouro do Templo, e olhava a multidão que depositava moedas no Tesouro. Muitos ricos depositavam muito dinheiro”.
Às vezes, como aqueles que depositavam grande quantia no Tesouro do Templo, ou pagando corretamente o seu dízimo, pode-se pensar que quem assim o faz está servindo e agradando ao Senhor, quando na verdade, apenas estão fazendo um teatro e usando um palco à vista de todos para colocarem-se em evidência.
Jesus olhava aquela multidão que acorria ao Templo, principalmente nas festas da Páscoa, enquanto observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os olhos e cutucando-se mutuamente quando algum ricaço, ruidosamente, despejava sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que trazia alegria aos corações dos sacerdotes que serviam no templo.
Vai daí que:
·         “Então, chegou uma viuva pobre, e depositou duas pequenas moedas, que valiam uns poucos centavos”. (Mc 12,41-42).
E Jesus chama seus discípulos e lhes diz que a viúva depositou mais que todos os outros, apesar de ser apenas:
·         “duas pequenas moedas que valiam uns poucos centavos”, e acrescentou: “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a viuva, na sua pobreza depositou tudo o que tinha, tudo o que possuia para viver”. (Mc 12, 44).
Somente Marcos e Lucas (Mc 20,45; Lc 21,1-4) descrevem a atitude de Jesus perante a pobre viúva que deitou a sua oferta no cofre do Templo de Jerusalém. Jesus chamou a atenção dos discípulos para que observassem a oferta da pobre viúva.
A viúva só chamava a atenção pela sua miséria, mas teve o desprendimento de ofertar ao Senhor, também, toda a sua pobreza. O pouco que ela deu era tudo o que possuía para viver e, portanto, muito mais dos que depositavam aquilo que lhes sobrava.
Depositar é ofertar, é dar, é doar.
A viuva deu duas insignificantes moedas que valiam poucos centavos o que, diante de Deus foi uma grande oferta. “Se o dinheiro não for teu servidor, ele será o teu mestre”, disse Francis Bacon.  
E Jesus explica o porque:
·         “porque todos depositaram do que estava sobrando para eles”.  
A viuva deu tudo o que tinha para seu sustento.
Na oferta e na doação existem três princípios básicos: amor, fé e sacrifício.
Amor quer dizer que ninguém a mandou dar tudo o que possuia para o seu sustento, e ela deu. Ela ofertou livremente. Era algo espontâneo, honrando a Deus e sua obra. Demonstrou sua fé, porque a viúva deu tudo, não ficou com nada, nem para o seu sustento, porque se sentia amparada pela misericórdia do Senhor.
Jesus não demonstrou nenhuma pena pela viúva. Jesus sabia que a mulher estava acionando um princípio poderoso de Deus para o seu suprimento: a Fé.
Dar quando se tem muito é fácil. Dar do que sobra é mais fácil ainda. Mas dar quando se tem necessidade exige fé. Isto significa confiar mais em Deus do que nas riquezas.
É tendo fé que Deus proverá o sustento da viúva.
Na Bíblia o conceito de oferta está ligado à idéia de sacrifício.
Não devemos ofertar a Deus o que não significa nada ou não vale nada para nós.
Se as nossas contribuições não nos expõem ao sacrifício, ainda não atingimos o padrão ensinado por Jesus. A viúva estava disposta a passar privações para que outros não passassem.
Ainda hoje muita gente está acostumada a obter tudo a peso de ouro e na razão direta de suas posses materiais, por isso, julga, com o mesmo gabarito, a justiça de Deus.
Quantos acreditam que, quando as ofertas forem bastante generosas e todos aplaudirem tocando trombeta pela suposta generosidade de seus corações, também Deus os recompensará na vida futura e até na vida presente, como ensinam com muito interesse muitos seguimentos religiosos que se dizem cristãos: se a tua oferta for generosa, o teu dízimo for abundante, Deus te recompensará com bens e riquezas materiais.
Desconhecem a admoestação de Jesus, de que os que receberem os aplausos na terra por supostos bens que fazem ou pela generosidade de suas ofertas ou esmolas, já receberam a sua recompensa:
·         “Vocês gostam de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece os corações de vocês. De fato, o que é importante para os homens, é detestável para Deus”. (Lc 16,15);
·         “Não pratiquem a justiça de vocês diante dos homens, só para serem elogiados por eles. Fazendo assim, vocês não terão a recompensa do Pai de vocês que está no céu. [...] Eu garanto a vocês: eles já receberam a recompensa”. (Mt 6,1.2a).
Esquecem-se de que Deus não se deixa levar por aplausos e respeitos humanos.
A viúva tímida, quase que ocultamente, pois somente Jesus e os seus discípulos presenciaram o seu gesto, depositou, na arca do tesouro do Templo, a sua oferenda obscura e insignificante, fruto do seu trabalho e indispensável para o seu próprio sustento.
Jesus considerou a sua oferta superior ao conjunto de todas as demais dádivas que ali foram colocadas pelos abastados da cidade.
A viúva depositou o que lhe era substancial, ao passo que os outros deram do que lhes sobrava, e que não lhes faria falta alguma.
A religião genuína é a que alcança e socorre os necessitados, como disse Tiago em sua carta:
·         "Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e mafvnter-se livre da corrupção do mundo" (Tg 1,27). 

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