domingo, 2 de junho de 2019

ASCENSÃO DO SENHOR

Ano – C; Cor – branco; Leituras: At 1,1-11; Sl 47 (47); Ef 1,17-23; Lc 24,46-53.

VOCÊS SERÃO TESTEMUNHAS DE TUDO ISSO”.  (Lc 24,48).

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Diácono Milton Restivo

Se pegarmos o final do Evangelho segundo Lucas e o início do livro dos Atos dos Apóstolos, os dois livros creditados a Lucas, veremos que é uma continuação ininterrupta, ou seja, Lucas começa o livro de Atos dos Apóstolos com o mesmo fato com que havia terminado o seu Evangelho: a ascensão de Jesus Cristo aos céus.
Lucas é o único evangelho em que há indicações de um destinatário: Teófilo (Lc 1,3), o mesmo do livro dos Atos dos Apóstolos (At 1,3).
Lucas começa o seu Evangelho com uma dedicatória a Teófilo, como da mesma forma, no início dos Atos dos Apóstolos ele faz a dedicatória ao mesmo destinatário.

No seu Evangelho Lucas começa assim: “Muitos empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, como no-los transmitiram aqueles que foram desde o princípio testemunhas oculares e que se tornaram ministros da palavra. Também a mim me pareceu bem, depois de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevê-los para ti segundo a ordem, excelentíssimo Teófilo, para que conheças a solidez daqueles ensinamentos que tens recebido’. (Lc 1,1-4);
No livro dos Atos dos Apóstolos, este é o início: “Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas”. (At 1,1-2).
Lucas dedicou seu Evangelho ao "excelentíssimo Teófilo", e nos Atos dos Apóstolos repete a dedicatória. Até hoje não se sabe quem seja “Teófilo”.
Muitas explicações tem-se dado a respeito. Muitos defendem a tese de que Teófilo teria sido uma personagem importante entre as autoridades da época; outros levantam a hipótese que seria um nobre convertido ao cristianismo pelo próprio Lucas. Mas não existe amparo para nenhuma dessas teses.
Teófilo, em grego significa "Amigo de Deus", (Théou-philos).  
A expressão literária pode estar-se referindo a uma pessoa em particular, a uma comunidade ou a todos que se enquadrarem ao termo. 
A conclusão lógica, mas não definitiva que se poderia chegar, seria que Lucas teria escrito o seu Evangelho para todos os Teófilos, “amigos de Deus”, ou seja, para todos aqueles que aderiram com fé, confiança e responsabilidade à mensagem de Jesus Cristo, todos os convertidos ou os que se convertem todos os dias. Todos são “Théou philos”, todos são amigos de Deus.
A ascensão de Jesus Cristo desempenha, assim, nos escritos de Lucas, um papel de articulação, pois encerra o Evangelho e dá início aos Atos dos Apóstolos, ou seja, o término da história de Jesus que se realizou na terra (o Evangelho) e o início da história da Igreja já com o Cristo Ressuscitado (Atos).
A Ascensão faz parte da glorificação e exaltação de Jesus. Jesus, de natureza divina e por ter assumindo a natureza humana, na sua ascensão, ao se colocar à direita da glória do Pai, leva consigo a nossa frágil natureza humana unida à sua divindade.
Pois bem, a glória de Jesus é antecipação e garantia da nossa, como diz a oração inicial da Missa da festividade da Ascensão do Senhor: “Ó Deus todo-poderoso, a ascensão do vosso Filho já é nossa vitória. Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros do seu corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória”. (Missal Romano).
 Jesus promete e afirma: “Vocês receberão o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vocês para serem minhas testemunhas...” (At 1,8).
A Ascensão de Jesus Cristo é o ponto de partida para os seus seguidores começarem a ser testemunhas e anunciadores de Cristo exaltado que voltou ao Pai para sentar-se à sua direita.
O Senhor glorificado continua presente no mundo por meio de sua ação naqueles que crêem em sua Palavra e deixam que o Espírito Santo atue interiormente e livremente neles.
O mandato de Jesus é claro, preciso e vigente: "Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia". (Mc 16,15); “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observat tudo o que ordenei a vocês”. (Mt 28,19-20).  Por isso, a nova presença do Ressuscitado em sua Igreja, de maneira não mais visível, faz com que seus seguidores constituam a comunidade de vida e de salvação.
E isso começa a se operar a partir do momento em que os discípulos de Jesus recebem o Espírito Santo e partem pelo mundo afora para testemunharem Jesus Cristo.
Sob a ação do Espírito Santo todos os discípulos de Jesus são suas testemunhas, e isso já ficou constatado e patenteado no início da Igreja: “Esses homens que estão falando, não são galileus? Como é que cada um de nós os ouve em sua própria língua materna? [...] E cada um de nós, em sua própria língua os ouve anunciar as maravilhas de Deus. Todos estavam admirados e perplexos, e cada um perguntava ao outro: ‘O que quer dizer isso?”. (At 2,7.11-12); “E nós somos testemunhas dessas coisas, nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu àqueles que lhe obedecem”. (At 5,32); “Quando começaram a acreditar em Filipe, que anunciava a Boa Notícia do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, tanto os homens como as mulheres se apresentavam para o batismo.” (At 8,12); E nós somos testemunhas de tudo o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles mataram a Jesus, suspendendo-o numa cruz. Deus, porém, o ressuscitou no terceiro dia e lhe concedeu manifestar sua presença, não para todo o povo, mas para as testemunhas que Deus já havia escolhido: para nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ele ressuscitou dos mortos. E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu Juiz dos vivos e dos mortos. Sobre ele todos os profetas dão o seguinte testemunho: todo aquele que acredita em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados”. (At 10,39-43). “Mas Deus o ressuscitou dos mortos, e durante muitos dias ele apareceu àqueles que o acompanharam da Galiléia a Jerusalém, Agora eles são testemunhas de Jesus diante do povo”. (At 13,30-31).
Os versículos finais do Evangelho de Lucas encerram como se fossem uma síntese de todo o Evangelho: Jesus cumpre as profecias com a sua Paixão e Ressurreição, com que nos obtém o perdão dos pecados: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e, no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados de todas as nações, começando por Jerusalém”. (Lc 24,46-47).
É exatamente isto que tem de ser pregado a todos os povos, a partir de testemunhas credenciadas: “E vocês são testemunhas disso.” (Lc 24,48). E tudo isso acontecerá com a força do Espírito Santo: “Agora eu lhes enviarei aquele que meu Pai prometeu”. (Lc 24,49).
Jesus cumprira a sua missão, conforme ele mesmo afirmou ainda na cruz: “Está tudo consumado”. (Jo 21,30). A missão da Palavra de Deus que se fez homem e veio habitar entre nós (cf Jo 1,14) encerrou-se com o último suspiro de Jesus na cruz. Dai para frente, seria o Espírito Santo que deveria operar. E, na sua ascensão ao Pai, Jesus diz que agora ele enviará o Espírito Santo que o Pai havia prometido e que Jesus anunciara durante toda a sua vida pública.
Sem a presença do Espírito Santo na Igreja, não saberíamos quem fora Jesus e desconheceríamos totalmente os seus ensinamentos. Como diz o Apóstolo Paulo: Por isso eu declaro a vocês que ninguém, falando sob a ação do Espírito de Deus, jamais poderá dizer: ‘Maldito Jesus’. E ninguém poderá dizer ‘Jesus é o Senhor’ a não ser sob a ação do Espírito Santo”. (1Cor 12,3). 
A ascensão de Jesus Cristo ao céu não é o fim de sua presença entre os homens, mas o começo de uma nova forma de estar no mundo. Sua presença acompanha com sinais a missão evangelizadora de seus discípulos.
A comunidade pós-pascal necessitou de um tempo para reforçar sua fé periclitante no Ressuscitado. A Ascensão é o fim da visibilidade terrena de Jesus Cristo e o início de um novo tipo de sua presença entre nós. Ao ser glorificado, Jesus, que é uma pessoa divina, é entronizado com todo o poder no céu e na terra: ele, ressuscitado, é constituído Senhor do universo, Senhor da história, Senhor da nossa vida.
É isto que a Escritura e a Tradição e o Magistério querem dizer e como diz Paulo na segunda leitura ao afirmar que o Pai “manifestou a sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania ou qualquer título que se possa mencionar não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro” (Ef 1,20-21). Jesus está “sentado à direita de Deus Pai”: ele tem o mesmo poder do Pai, ele recebeu o senhorio sobre tudo.
É este o significado da ascensão. Um de nossa raça está inserido na vida da Trindade, um de nossa raça é Senhor do céu e da terra, um de nossa humanidade é Senhor dos anjos, um de nossa natureza está no topo de todas as coisas. É o que dirá a oração após a comunhão da Missa da festividade da Ascensão do Senhor: “Deus eterno e todo-poderoso, que nos concedeis conviver na terra com as realidades do céu, fazei que nossos corações se voltem para o alto, onde está junto de vós a nossa humanidade”. (Missal Romano).
Lucas exprime esta realidade nos Atos dos Apóstolos afirmando que Jesus “foi elevado ao céu à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não podiam mais vê-lo. (At 1,9). Jesus subiu para uma vida superior, para uma plenitude que não é deste mundo.
Jesus, agora, está totalmente imerso no mundo de Deus. É este o significado da nuvem que o encobre. A nuvem é o símbolo do Espírito que, divinizando-o completamente, coloca-o diretamente no âmbito de Deus Pai. Por isso já não podemos mais ver Jesus com os olhos da carne.
Mas, a partida de Jesus não é um afastamento de nós. Ele estará, para sempre, interior e realmente, presente no coração da Igreja e de cada fiel através da potência do seu Espírito Santo.
Este é o mistério que vamos celebrar no próximo domingo, no Pentecostes.
Na glória, sentado à direita do Pai, Jesus agirá sempre como “Cabeça da Igreja, que é seu corpo” (Ef 1,22b-23a), vivificando-a, sustentando-a, e conduzindo-a sempre mais a ele, até que ele venha, conforme a comunidade aclama ao ser dito pelo presidente da celebração: “Eis o mistério da fé”, e todos respondemos: “Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda” (Missal Romano - cf 1Cor 11,27), do mesmo modo que os apóstolos o viram partir.


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