sábado, 8 de junho de 2019

O POVO TEM PODER DE ESCOLHER SEU BISPO E DESTITUIR O BISPO INDIGNO

O POVO TEM PODER DE ESCOLHER SEU BISPO E DESTITUIR O BISPO INDIGNO

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“A Igreja do século III tinha uma mentalidade segundo a qual a Igreja estava mais na comunidade que no clero. O que não significava atentar contra os direitos do clero, mas simplesmente reconhecer o papel que a comunidade de fiéis desempenhava e os direitos que possuía”, escreve José Maria Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 28-05-2019. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Não nos damos conta de que, em coisas muito importantes, a cultura e a sociedade mudam a uma velocidade que a Igreja não é capaz de acompanhar? É um fato, por exemplo, que há padres jovens que olham mais para o passado que convém a suas ideias conservadoras que ao futuro que os interpela.

Há mais de quarenta anos, eu ensinava a meus alunos que, no século III (no outono de 254), os cristãos da Espanha romana apresentaram ao bispo Cipriano (o mais importante daquele momento, ainda que estivesse em Cartago) um problema complicado.
Tal problema consistia em que os fiéis de três dioceses espanholas (León, Astorga e Mérida) tinham ficado sabendo que seus bispos não haviam dado o devido testemunho de sua fé, em uma perseguição do imperador Décio. E aqueles fiéis, diante do exemplo escandaloso de seus bispos, tomaram a decisão (impensável agora) de destituir os bispos, lançá-los na rua e depô-los de seus cargos.
Naquele tempo, os cristãos se sentiam responsáveis por suas dioceses e não toleravam o escândalo de bispos que não eram capazes de confessar sua fé em Jesus Cristo, quando se viam ameaçados. Sendo assim, os cristãos foram até o bispo mais reconhecido e exemplar no momento, que era Cipriano de Cartago.
Tudo se complicou quando um dos bispos depostos, um tal Basílides, recorreu ao Papa Estevão, bispo de Roma. Contudo, valeu-se de uma informação manipulada, na qual o assunto era apresentado conforme convinha a Basílides. Desse modo, a questão ficou complicada. E foi isto que motivou o recurso dos cristãos da Espanha romana ao bispo Cipriano, o mais reconhecido e respeitado da Igreja daquele momento.
Cipriano convocou um concílio, cujas decisões nos chegaram na carta 67 de Cipriano,que é assinada por 37 bispos que participaram daquele sínodo. Esta solução para um conflito local era perfeitamente aceita no século III.
Desse modo, naquele sínodo local, foram tomadas três decisões, que constam na carta mencionada:
1) O povo tem poder para escolher seus ministros, concretamente o bispo: “Vemos que tem origem divina escolher o bispo na presença do povo, à vista de todos... Deus manda que o bispo seja eleito diante da assembleia” (Epist. 67, IV, 1-2).
2) O povo tem poder para destituir o bispo indigno: “Portanto, o povo... deve se afastar do bispo pecador e não se misturar no sacrifício de um bispo sacrílego, quando sobretudo, tem poder de eleger bispos dignos ou de rejeitar os indignos” (Epist. 67, III, 2).
3) Até mesmo o recurso a Roma não deve mudar a situação, quando o recurso não se fez com verdade e sinceridade: “E não se pode anular a eleição verificada com todo o direito, por Basílides... ter ido a Roma e enganado nosso colega Estevão que, por estar longe, não está informado da verdade dos fatos, e ter sido restabelecido de forma ilegítima em sua sede, da qual havia sido deposto com todo direito” (Epist. 67, 5,3).
Fica patente, portanto, que a Igreja do século III tinha uma mentalidade segundo a qual a Igreja estava mais na comunidade que no clero. O que não significava atentar contra os direitos do clero, mas simplesmente reconhecer o papel que a comunidade de fiéis desempenhava e os direitos que possuía.
Sendo assim, se a Igreja dos primeiros séculos se comportava e era gerida desta maneira, por qual razão, com o passar dos séculos, foi retirado da comunidade dos fiéis um direito que possuiu em suas origens mais antigas e originais?
E que fique claro que, ao apresentar esta pergunta, não se trata – de maneira alguma – de limitar os direitos e poderes do bispo de Roma. Muito pelo contrário. O que mais deve nos importar é o que o Papa atual, o Papa Francisco, mais deseja: recuperar a dignidade, autoridade e grandeza de um Papa que não deseja, nem quer poderes e grandeza, mas, sim, uma Igreja na qual todos os fiéis cristãos sintam e vivam como um problema de todos aquilo que nos devolverá a força evangélica de uma Igreja, que não quer grandezas humanas, mas a eficácia evangélica da comunidade dos seguidores de Jesus, o Senhor.

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