“TU O DIZES, EU SOU
REI...”
Por algumas vezes o povo judeu,
empolgado pelas maravilhas e milagres operados por Jesus e na sua ignorância
quanto ao Reino que Jesus veio
proclamar, quis fazer dele um rei deste mundo: “Jesus, porém, sabendo que viriam buscá-lo para fazê-lo rei,
refugiou-se de novo, sozinho, na montanha.” (Jo 6,15).
Jesus não viera a este mundo para
satisfazer a ganância e o desejo de poder do povo judeu, não aceitou ser
proclamado rei e fugiu, porque, o Reino por ele anunciado, não seria um reino
de ostentação, de força, de poder, de glórias terrenas, de riqueza, de
dominação, mas um reino de amor, de sacrifícios, de serviço, de doação total.
Os judeus não entenderam isso, e por
ironia, acabaram matando em uma cruz aquele mesmo que eles queriam proclamar
rei.Durante o julgamento de Jesus Pilatos, o governador de Jerusalém,
pergunta-lhe: “Tu és o rei dos judeus?” e
Jesus responde: “Meu reino não é deste mundo...”, mas, Pilatos insiste ainda:
“Então, tu és rei?” Respondeu Jesus: “Tu o dizes, eu sou rei. Para isso nasci e
para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade
escuta a minha voz.” (Jo 18,36-37).
Jesus Cristo é Rei. É ele mesmo quem
se proclama rei: “Tu o dizes, eu sou
rei.” (Jo 18,37). Jesus se proclama rei no momento mais doloroso de sua
vida. Quando Pilatos lhe pergunta se ele era realmente “Rei dos Judeus”, havia
uma ironia nessa pergunta; Pilatos não estava preocupado com a verdade; talvez
até quisesse se divertir às custas daquele homem das dores em sua presença, já
profetizado por Isaias: “Tão desfigurado
estava o seu aspecto e a sua forma não parecia de um homem...” (Is 52,14).
Que ironia: um rei coroado com uma
coroa de espinhos, tendo sobre os seus ombros um manto emprestado, como cetro,
na mão, um pedaço ridículo de cana e como trono um tronco onde foi amarrado
para ser açoitado...
Um rei
todo machucado, com a carne dilacerada, com os olhos inchados, com a
aparência de um condenado, por isso “Nós
o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado.” (Is 53,4); “Foi maltratado mas livremente
humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro.”
(Is 53,7).
Um rei com o rosto coberto de escarros
da soldadesca embriagada e nojenta, com os cabelos em desalinho, com as mãos
amarradas, com a pele e a carne dilaceradas pela violência dos açoites, com os
pés descalços. Sua aparência era real e total de um condenado, traído e
abandonado até pelos seus Apóstolos, aqueles mesmos que lhe afirmaram numa profissão
de fé:. “Senhor, a quem iremos? Tens
palavra de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que tu és o santo de Deus”.
(Jo 6,68). Traído pelo seu Apóstolo Judas Escariotes e negado pelo mesmo Pedro
Apóstolo que lhe dissera: “Ainda que
todos se escandalizassem por tua causa, eu jamais me escandalizarei.” (Mt
26,33); e Jesus, conhecedor da fragilidade da natureza humana, faz uma terrível
revelação: “Em verdade te digo que esta
noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes.” (Mt 26,34).
E Pedro, na sua pseuda coragem e
bravatisse, se levanta, bate no peito e afirma categoricamente: “Mesmo que tiver de morrer contigo, não te
negarei.” (Mt 26,35). Pobre Pedro. Tristemente, Pedro é a imagem de muitos
cristãos dos nossos dias.
E, durante o julgamento, Pedro lá
estava, disfarçado, escondido em um canto para que não fosse reconhecido como
um “seguidor do condenado”.
Reconhecido por uma criada, antes que o galo cantasse, Pedro
nega Jesus por três vezes (Mt 26,69.75): “Não
conheço o homem” (Mt 26,74).
Mas o olhar de Jesus, apesar do
sofrimento e da desilusão de se ver negado pelo Apóstolo que jurara de pés
juntos que “mesmo que tiver de morrer
contigo, não te negarei.” (Mt 26,35), aquele mesmo olhar permanecia
tranquilo, como tranquilo foi o olhar de Jesus dirigido à Pedro após a sua
tríplice negação: “Imediatamente,
enquanto ele (Pedro) ainda falava, o galo cantou, e o Senhor voltou-se, fixou o
olhar em Pedro.” (Lc 22,60); um olhar tão tranquilo e cheio de paz que
alcançava profundamente o íntimo de cada pessoa e “Pedro se lembrou da palavra que Jesus dissera: “Antes que o galo
cante, três vezes me negarás.” Saindo dali ele chorou amargamente.” (Mt
26,75).
Um rei que havia sido traído e negado
por seus súditos. Um rei que havia sido
açoitado. Um rei que havia servido de
gozação por parte da soldadesca embriagada que escarnecia dele, dizendo: “Salve rei dos judeus.” (Mt 27,29).
Um rei com uma grande coroa de
espinhos na cabeça que lhe rasgava o couro cabeludo e penetrava profundamente
nos ossos, na testa, nas frontes, na nuca, causando os mais terríveis
sofrimentos e dores.
Aquele homem, naquele estado, antes de
se dizer rei, devia pedir clemência, tinha de implorar misericórdia; mas não:
ele se mantém digno, de pé, com uma postura e dignidade que somente um rei
poderia ter, uma dignidade que perturbava a todos os seus acusadores e
impressionava os seus julgadores que não tinham tanta certeza se deveriam
condená-lo ou não.
Uma dignidade que somente um rei
poderia ter, mas não um rei deste mundo, e sim um REI que tinha algo de sobrenatural, uma
missão a cumprir e, aquelas cenas, aquele sofrimento, aquele julgamento estavam
enquadrados nos planos de sua missão. Pilatos, na sua gozação, não perde a
oportunidade e pergunta: “Então, tu és
rei?” (Jo 18,37).
Mas a resposta que Jesus lhe dá não é
a mesma que ele esperava, e Jesus responde: “Tu o dizes, eu sou rei.” (Jo 18,37), e afirma: “Para isso nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da
verdade. Quem é da verdade escuta a
minha voz.” (Jo 18,37). Mas afirma
categoricamente: “Meu reino não é deste
mundo...” (Jo 18,36).
Pilatos deve ter se impressionado com
essas respostas, mas ainda não convencido das grandes verdades ditas pelo
Senhor Jesus quanto ao verdadeiro reino que ele veio trazer ao mundo para os
homens e, possivelmente para atingir com sua “gozação” também os fariseus,
escribas, sacerdotes e chefes do povo judeu, manda fazer uma tabuleta para
colocar na cruz onde Jesus seria crucificado com a seguinte inscrição: “Este é Jesus, o rei dos Judeus.” (Mt
27,37), assinando, assim a sua condenação e assumindo a culpa de estar
compartilhando, pelas suas atitudes dúbias, com a morte do Rei do Universo.
Pilatos e o povo judeu não esperavam jamais que aquele que fora
escarnecido, julgado, condenado e crucificado como elemento nocivo à sociedade,
à religião e ao governo, três dias depois ressuscitaria dos mortos e
estabeleceria o seu Reino que não é deste mundo, mas o Reino dos Céus, o Reino
de Deus...
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