ASSUNÇÃO DE MARIA – ANO “C”
“FELIZ O VENTRE QUE TE TROUXE E OS SEIOS QUE TE AMAMENTARAM” (Lc
11,27).
Diácono
Milton Restivo
Celebramos hoje
a festa da Assunção de Maria aos céus. Assunção de Maria é a crença tradicional realizada pelos cristãos
católicos, ortodoxos, anglicanos, e algumas denominações protestantes que a
Virgem Maria, no final de sua vida, foi fisicamente assunta para o céu; é
uma das festas mais antigas do Oriente onde é conhecida, também, como “Dormição
de Maria”.
A Igreja Católica ensina esta crença como um dogma
de que a Virgem Maria “ao concluir o
curso de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma para a glória celestial.”
Esta doutrina foi dogmaticamente definida pelo
Papa Pio XII em 01 de novembro de 1950, na sua Constituição
Apostólica Munificientissimus
Deus.
A festa da assunção para o céu da Virgem Maria é
celebrada como a “Solenidade da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria”
pelos católicos, e como a “Dormição de
Maria” pelos cristãos ortodoxos. O Novo Catecismo da Igreja Católica
declara: “A Assunção da Santíssima Virgem constitui uma participação
singular na Ressurreição do seu Filho e uma antecipação da Ressurreição dos
demais cristãos” (CIC 966). O Frei Clodovis Boff, na entrevista que deu à
revista Ave Maria de agosto de 2010, diz que “o dogma da Assunção mostra o destino último do nosso corpo, que é a glória. E já que se
trata do corpo de uma mulher, corpo aviltado de tantos modos, mostra como Deus
se “vinga” disso, exaltando o corpo da Virgem numa apoteose suprema.”
As festas em
honra de Maria, a mãe de Jesus, surgiram depois do século VI. Por influência
das Ordens Religiosas elas multiplicaram-se na Idade Média.
Nessa época
surgiu, também, a dedicação de templos, catedrais e santuários a Maria, as
aparições e intensa literatura mariana. Deu-se início às devoções marianas como
o Rosário, a Ave Maria, a Salve Rainha, o Ofício pequeno de Nossa Senhora, as
Missas votivas aos Sábados e outras.
Além dessas
bases do culto e da veneração a Maria, já no início da vida da Igreja,
encontramos, no Evangelho de Lucas, uma rica doutrina em perspectivas muito
belas a respeito da devoção mariana. Lucas nos apresenta Maria como a “cheia de graça”. “Alegra-te, cheia de graça” (Lc 1,28), é a saudação que define a
singularidade da alma de Maria, exaltando sua condição de escolhida, simbolizando
a arca da aliança do Antigo Testamento onde foram guardadas as tábuas da Lei e
o sacrário do Novo Testamento, onde tomou a natureza humana o Filho Unigênito
do Pai, definindo, assim, a ação amorosa da graça de Deus no seu ser.
Maria é a
virgem intacta (Lc 1,27-34), pois que no seu seio puríssimo e virginal foi
gerado o Cristo, Salvador do mundo, por obra e graça do Divino Espírito Santo.
Sua maternidade divina (Lc 1,31-33) é escolha e fruto da intervenção milagrosa
do Pai que elegeu Maria para ser a Mãe do seu Filho (Lc 1,35b), desposada pelo
Espírito Santo (Lc 1,35a).
Lucas nos
apresenta Maria como a obediente “serva
do Senhor” (Lc 1,38), modelo insuperável de discípula e o exemplo daqueles
que crêem (Lc 1,45).
Costuma-se
dizer que se fala pouco de Maria nas Escrituras. Haveria necessidade de se
dizer mais de Maria nas Escrituras além do que já está dito ser ela a Mãe do
Verbo encarnado, mãe da Palavra que se fez homem e armou a sua tenda entre nós,
mãe do Filho do Deus Altíssimo, mãe do Emanuel - o Deus conosco -, filha do Pai
e esposa do Espírito Santo?
As Escrituras
fazem-nos compreender, em duas palavras, que Jesus passou com Maria trinta anos
de sua vida na terra, sem contar o período de gravidez e os anos de vida
pública: “Jesus desceu então com seus
pais para Nazaré, e permaneceu obediente a eles. E sua mãe conservava no
coração todas essas coisas. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em
graça, diante de Deus e dos homens”. (Lc 2,51-52).
Todo o
Antigo Testamento anuncia o Cristo de uma maneira velada e profética, mas
também projeta o rosto de Maria através de símbolos como a arca de Noé, a sarça
ardente, a arca da aliança, o tabernáculo do Altíssimo, o Templo de Deus, a filha
de Sião, a Virgem de Isaías, a bem amada do Cântico dos Cânticos, o paraíso de
Deus, e tantos outros que se encontram de uma maneira velada.
Quando vemos os
sofrimentos da humanidade e as lutas de tantos irmãos e irmãs, Maria está
presente consolando, pois ela é também a “Mãe das dores”: “Quanto a você, uma espada há de atravessar-lhe a alma. Assim serão
revelados os pensamentos de muitos corações”. (Lc 2,35).
A excelência do
que a graça de Deus realizou em Maria, cantada por ela mesma no Magnificat, confirma para sempre a
verdade de que Maria é “a bendita entre
todas as mulheres” e a proclamada “bem-aventurada
por todas as gerações” (Lc 1,42-48b).
A geração que
não proclama Maria como “a bendita entre
todas as mulheres” e “bem-aventurada
por todas as gerações” ainda não entendeu o grande mistério da Encarnação
divina no seio virginal de Maria, através do qual “Um Deus se fez homem para que todos os homens se tornassem filhos de
Deus”, como afirmou Agostinho, o bispo de Hipona.
São Luiz Maria
Grignion de Montfort diz que “não tenha a
pretensão de receber a graça de Deus, quem ofende sua Mãe Santíssima”.
Dessas riquezas
do Novo Testamento, embora apresentadas de modo resumido, não menos rico e
profundo por isso, vale a pena ter presente também do Evangelho de João algumas
passagens que muito nos ensinam. Em João 2,1-11, nas Bodas de Caná, Maria
participa revelando sua máxima atenção à Nova Aliança que se realiza em Cristo Jesus , o único
Salvador da humanidade.
Por isso, Maria
diz “fazei tudo o que ele vos disser”
(Jo 2,5), marcando a indicação que gera o coração dos verdadeiros discípulos e
discípulas de Jesus.
Em João
19,25-27 sua presença de Mãe dolorosa no alto do Calvário, escutando obediente
a indicação de Jesus, seu Filho amado, ao dizer “Mulher, eis aí o teu filho”, “Filho,
eis aí tua mãe”, Maria se torna a imagem de comunhão e a certeza de que nela
está nossa força e o caminho verdadeiro para o coração de Deus.
Desde quando
aconteceu a queda do primeiro casal no Jardim do Éden, o Senhor se preocupou
com o retorno do homem para a vida da graça e, a partir daí, Maria começou a
habitar os pensamentos de Deus. Eva, a primeira mulher, se tornou aquela que,
com Adão, arrastou toda a humanidade para o naufrágio do pecado. Deus prometeu
um Salvador e a mãe do Redentor foi anunciada naquele mesmo momento. Yahweh
amaldiçoa o pecado na figura da serpente e enaltece a mulher através da qual o
Filho Unigênito de Deus tomaria a natureza humana para se fazer um de nós e nos
reconduzir aos caminhos do Senhor: “Eu
porei inimizade entre você e a mulher, entre a descendência de você e a os
descendentes dela. Estes vão esmagar a cabeça, e você ferirá o calcanhar
deles”. (Gn 3,15).
A partir daí a
figura de Maria é uma constante em todo o Antigo Testamento.
Encontramos no
Antigo Testamento, além dessa passagem do Gênesis, em Isaías: “Uma virgem conceberá e dará à luz um filho,
e o chamará pelo nome de Emanuel” (Is 7,14).
Rute é um
símbolo de Maria e da igreja porque é colocada de forma providencial na árvore
genealógica do Cristo.
Ester e Judite
são, igualmente, símbolos de Maria, como associadas ao Salvador no desenvolvimento
do plano divino da Salvação.
À luz das leituras da Sagrada
Escritura se procura entender o lugar e o papel de Maria. Não se trata somente
da pessoa individual “Maria de Nazaré”, senão da mulher em todo o seu contexto,
que é imagem do povo fiel, morada de Deus.
A afirmação de que Deus se fez carne
em Jesus deve ser completada com outra com o mesmo valor teológico: Deus nasce
de uma mulher: “Quando, porém, chegou a
plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho. Ele nasceu de uma mulher...” (Gl
4,4a).
O Novo Testamento quer mostrar que,
com Maria e com Jesus, começa um novo tempo para a história da humanidade. Há
uma espécie de salto de qualidade em sua prática e consciência religiosa. É a
consciência da presença de Deus na carne humana.
Deus habita a terra humana e é
descoberto e amado na carne humana, e essa carne humana ele recebeu por meio de
uma mulher, uma de nós: Maria.
Um dos símbolos
fortes do Antigo Testamento que simboliza Maria, a Mãe de Jesus, é a arca da
aliança, que é referida na primeira leitura. Dentro da arca da aliança estavam guardados os três objetos que eram
testemunhos da relação de Deus com seu povo: as tábuas com os dez mandamentos
recebidas por Moisés no monte Sinai, símbolos da direção permanente de Deus, um
pote de maná, alimento produzido milagrosamente, sendo fornecido por Deus aos
hebreus no deserto, que era uma metáfora do alimento permanente para o sustento
vindo do deserto, e o cajado de Arão que floresceu como prova de sua indicação
como sumo sacerdote e sinal do apoio permanente de Yahweh para com seu povo. Estas três coisas representavam a aliança
de Deus com o povo de Israel. Para os
judeus a arca da aliança não era só uma representação, mas a própria presença
de Deus no seu meio, assim como a Eucaristia não é apenas uma representação,
mas a presença do Filho de Maria no meio do seu povo fiel.
No livro do Êxodo é narrado que Yahweh habitava na
arca da aliança que estava na tenda da reunião: “Então a nuvem cobriu a tenda da reunião, e a glória de Yahweh encheu o
santuário.” (Ex 40,34). Lucas, no seu Evangelho, nos diz que o Filho do
Altíssimo habitará o sacrário vivo do Novo Testamento que representa a arca da
aliança do Antigo Testamento, que é Maria: “O
Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a sua
sombra. Por isso, o Santo que vai nascer de você será chamado Filho de Deus.” (Lc
1,35).
No Novo Testamento Maria é o sacrário vivo onde
tomou a natureza humana o Filho de Deus que, em Maria, se fez homem, se
formando de sua carne, de seu sangue e depois se alimentando do seu leite
materno. Em Maria “a Palavra se fez homem
e veio habitar entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho
único do Pai, cheio de amor e fidelidade”. (Jo 1,14).
O padre Joãozinho diz que “elogiar Maria como “Arca da
Aliança” evoca toda esta longa tradição bíblica. Mas é também algo muito atual.
O Verbo se fez carne e “armou entre nós a sua tenda”, como afirma João no
prólogo do seu Evangelho. Assim como no deserto havia a “tenda da reunião”, que
caminhava com a itinerância do povo, também hoje, por onde vão os passos de um
batizado caminha a Arca Santa de Deus. Levamos esta marca em nosso coração”.
Segundo o livro do Êxodo a montagem da Arca foi orientada por Moisés que, por
instruções divinas, indicou seu tamanho e forma. A arca da aliança do Antigo
Testamento foi feita por mãos humanas. O artífice do sacrário vivo que deu vida humana ao Filho de Deus, chamado
Maria, foi o proprio Deus que, segundo São Luiz Maria Grignion de Montfort no
seu livro “Tratado da verdadeira devoçao à Santíssima Virgem” diz que, “Deus Pai ajuntou todas as águas e
denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria”.
Ainda, segundo esse mesmo santo, “Maria produziu, com o Espírito Santo, a
maior maravilha que existiu e existirá – um Deus-homem...”.
São Pedro
Canísio escreveu: "Se existe entre os mortais algum nome tão belo,
cheio de graça, que mereça ser escrito, lido, louvado, pintado e esculpido é o
de Maria, já que é digno de estar sempre diante dos olhos, nos ouvidos e nas
mentes de todos os homens e de ser pronunciado em particular e publicamente com
imensa reverência".
Jesus disse que pela árvore se conhece o
fruto: “Se vocês plantarem uma árvore
boa, o fruto dela será bom [...] É
pelo fruto que se conhece a árvore”. (Mt 12,33; Lc 6,43-44).
Ora, se é bendito o fruto do ventre de Maria
(cf Lc 1,44) que é o próprio Jesus, o que se falará dessa árvore, então, que produziu
tão bendito fruto? É por isso que Maria diz na sua oração: “De hoje em diante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque
o Todo Poderoso realizou em mim grandes coisas”. (Lc 1,48-49).
Narra-nos o
Evangelho da liturgia de hoje que “enquanto
Jesus falava ao povo, uma mulher levantou a voz no meio da multidão e lhe
disse: ‘Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram’.” (Lc
11,27).
Poderia haver
maior elogio para a árvore que dera tão bendito fruto? Não seria o momento de Jesus se orgulhar da
mãe que tinha? Mas Jesus não se contentou com isso. Ele quis dizer que a sua
mãe era muito mais do que o povo pensava a respeito dela e ela merecia elogio
maior do que aquele que aquela mulher anônima, no meio da multidão, lhe fizera.
E, espantosamente, Jesus responde: “Muito
mais felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põe em prática”. (Lc
11,28).
Parece-nos uma
resposta confusa e ingrata. Ao invés de Jesus agradecer a mulher que elogiara a
sua mãe, ele simplesmente diz que existem outras pessoas que são mais felizes
por simplesmente ser sua mãe. Confuso, não? Simplesmente Jesus não se contentou
que alguém elogiasse Maria unicamente por ser sua mãe; ela era muito mais do
que isso.
Jesus deu-nos a
entender que Maria não era feliz simplesmente por ser sua mãe, mas, antes de
ser sua mãe, era feliz porque ouvira a Palavra de Deus, assimilara a Palavra de
Deus, colocara em prática a Palavra de Deus, vivera na sua integridade a Palavra
de Deus, levara a Palavra de Deus para uma pessoa necessitada, no caso, a sua
prima Isabel, e, acima de tudo, engravidara da Palavra de Deus e dera à luz a
Palavra de Deus, que é o próprio Jesus: “a Palavra se fez homem e veio habitar
entre nós. E nós contemplamos a sua glória: glória do Filho único do Pai, cheio
de amor e fidelidade”. (Jo
1,14).
Maria é bendita não simplesmente por ser a mãe de
Jesus, mas, em primeira instância, por ter ouvido a Palavra, vivido a Palavra,
levado a Palavra, se engravidado da Palavra e dado à luz à Palavra, sendo assim
o protótipo de todo cristão que deve assumir com responsabilidade a Palavra.
Maria é mãe de Jesus por ter ouvido a Palavra e
vivido intensamente a Palavra, assimilando-a de tal forma que, em seu ventre “a Palavra se fez homem e veio habitar entre
nós.” Esse é o maior elogio que encontramos nas Sagradas Escrituras dirigido
à Maria e dito por seu próprio filho, “o
bendito fruto do seu ventre”. (Lc 1,42).
Infelizmente, poucos entendem isso.
Mais tarde Jesus diria: “Se alguém me ama, guarda a minha palavra, e meu Pai o amará. Eu e meu
Pai viremos e fazermos nele a nossa morada”.
(Jo 14,23). Não estaria Jesus falando, em primeira instância, de sua
própria mãe? Ela que amou a Deus sobre todas as coisas, que não somente ouviu e
guardou a palavra, mas engravidou-se da Palavra e a Palavra veiu morar nela e
com ela, e ela transmitiu à Palavra de Deus a natureza humana. “A Santíssima Virgem é o meio de que Nosso
Senhor se serviu para vir até nós; e é o meio de que nos devemos servir para ir
a ele”. (São Luiz Maria Grignion de Montfort).
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